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Grande Hotel Termas de Araxá completa 80 anos entre histórias, segredos e transformações

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Em Araxá, Grande Hotel segue como referência de hotelaria (Foto: Nelson de Almeida)
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Nos salões do Grande Hotel Termas de Araxá foram vividos momentos históricos do país ao longo dos últimos 80 anos. Foi esse espaço com 450 mil metros de parque e 55 mil metros de construção que foi encomendado por Getúlio Vargas em 1937 e que abriria as portas anos depois como cassino. Já se sabia algo sobre o potencial das águas termais disponíveis por lá, mas que só foi sendo desenvolvido mais com o tempo. Inicialmente, o projeto era que o local servisse para fomentar o turismo em Minas Gerais, mas que também servisse como uma verdadeira fortaleza para o então presidente. Para colocar toda essa construção de pé, foi preciso reunir nomes como os de Luiz Signorelli (único brasileiro no grupo de engenheiros e que assinou a planta do hotel), Roberto Burle Marx (responsável pelos jardins do hotel), Niemeyer (criador de uma das fontes) e Joaquim Rocha Ferreira (autor das telas). A ideia era contar com esses grandes nomes para criar algo único e que perdurasse – décadas depois, foi isso que aconteceu. Mas o hotel ainda guarda muitas histórias e segredos que não são conhecidos pela população. 

O Grande Hotel tem uma estreita ligação com a política formada desde a sua criação, que lembra as construções inglesas. Quem guia a Tribuna pelo percurso entre os corredores longos e labirínticos é Deiva Mota, gerente de relacionamentos e recepção, que investiga a cultura histórica do hotel. É a arquitetura do local que chama a atenção de todos os visitantes que passam por lá para os salões onde já dançaram, por exemplo, Carmem Miranda e Santos Dumont. “Eu costumo dizer que tudo tem um motivo para estar no lugar que está”, conta. Cada espaço, afinal, foi construído com peças importadas e feitas para dar o tom suntuoso ao hotel, que começou a ser feito ainda durante a Segunda Guerra Mundial. Por tudo isso, já inclusive foi palco de novelas, entre as mais famosas a série sobre Hilda Furacão.

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Painéis de Rocha Ferreira ajudam a contar história de Araxá e região (Foto: Nelson de Almeida)

Mesmo com todas as dificuldades impostas pelo período, vinham peças como mármores de Carrara, partilhas portuguesas, vidros bisotados franceses e até cortinas da República Tcheca para o Brasil. A ideia, como explica, era que tudo de melhor fosse levado para o hotel, inclusive para receber grandes nomes do mundo da arte e da política em seguida. “A história do Grande Hotel não envolve só Araxá. Envolve com certeza toda Minas Gerais e praticamente o mundo inteiro, por conta das participações que tivemos aqui”, explica. A motivação de Getúlio era atrair turistas para Minas Gerais que possuía a desvantagem da falta de mar. O trajeto, que inclui os cassinos e águas termais, não conta apenas com o Grande Hotel, mas ainda com espaços em cidades como São Lourenço e Caxambu.

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Por isso também cada parte do hotel parece conter uma influência diferente, vinda de fora e criando raízes nesse interior de Minas Gerais. Um dos primeiros salões, como explica Deiva, tem referência total ao estilo neoclássico, com pé direito alto, uso das colunas e a delicadeza da construção, além das cores em tons de nude. Mas nos salões Ouro Preto e Diamantina, no entanto, o barroco e o rococó são responsáveis por mudar a paleta de cores e por trazer peças bastante diferentes em materiais e texturas. Até mesmo a iluminação se altera, ficando mais escura. É possível ver, ainda, que o hotel consegue captar parte das transformações que eram de preocupação de Getúlio: as amazonas retratadas nas salas, por exemplo, simbolizam o poder da mulher, que passaria a ter direito ao voto em seu governo, e o lago tem o formato do Brasil, servindo como ponto unificador da nação dentro daquele panorama. A herança dos indígenas que viviam na região vem, por sua vez, por meio do próprio nome Araxá, que significa “lugar em que primeiro se avista o sol” e os jardins são feitos para preservar a vegetação nativa.

Rotas de fuga e efeito duplo

Corredores longos e ‘duplos’ são fáceis de se perder (Foto: Nelson de Almeida)

O que nem todo mundo sabe sobre o Grande Hotel Termas de Araxá é que, na sua criação, ele podia ter fins bem diferentes do que teve enquanto hotelaria. Isso porque, durante a construção, Getúlio fez questão de pensar em formas de deixar que o hotel também servisse como uma espécie de fortaleza particular, e até hoje sua suíte presidencial continua preservada no segundo andar. Por lá, eram 200 metros quadrados e dez cômodos, que continham inclusive entradas falsas e rotas de fuga, além de tabacarias e charutarias disponíveis apenas para o presidente. Os corredores longos e exatamente iguais também provocariam um efeito de duplicidade e confusão, caso fosse preciso evacuar. “Caso o Brasil sofresse qualquer tipo de ataque, as pessoas procurariam o presidente no Rio de Janeiro. Mas não o encontrariam lá. Qualquer exército que atacasse o Brasil e tentasse vir buscar a cabeça do presidente, teria que passar por essa estrada, que foi feita pra fragmentar os ataques”, revela Deiva.

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Não foi só no governo Getúlio que Araxá foi palco de grandes acontecimentos. O hotel também foi onde o plano “50 anos em 5″, de JK, se consolidou, e onde alguns militares começaram a pensar no golpe de 1964. Enquanto a política sempre esteve envolvida nos cantos mais escondidos do hotel, no entanto, também foram percebendo que ele ocupava lugar central e que poderia alterar os rumos da grande construção: o espaço era de domínio do governo federal e passava por mudanças de administração frequentes. “Como a cada quatro anos tinha um dono, perderam-se muitos bens materiais do Grande Hotel. Falam que havia pratos de porcelana, panelas de prata e bem mais lustres de cristais, era muita riqueza. Mas houve vários furtos, leiloaram peças, sumiram com materiais”, conta Deiva. A ideia do tombamento do imóvel surgiu no governo de Itamar Franco, que conseguiu fazer isso. Atualmente, ele é gerido por meio de licenciamento pelo Grupo Tauá.

Águas curativas de Dona Beja

Poder curativo das águas termais é explorado pelo hotel (Foto: Elisabetta Mazocoli)

No processo de tombamento, o hotel ficou fechado por vários anos. Quando reabriu, o cassino já não era legal no Brasil há décadas, e por isso também passou a ser pensada uma outra forma de agitar o local. O potencial das águas curativas foi ressaltado nesse momento, entendendo que esse complexo de águas radioativas e sulfurosas possuía propriedades curativas que vinham das rochas vulcânicas da região. Essa fama foi potencializada por Dona Beja, outra figura muito importante para a história de Araxá, que era uma mulher muito bonita, e que havia sido sequestrada pelo guarda real de Dom Pedro aos 13 anos. Apesar de todas as dificuldades, ela se tornou uma figura politicamente articulada e bem relacionada, mas quando foi devolvida para sua terra natal, ela passou a ser renegada pela elite araxaense, que a considerava uma mulher da vida. Foi então que precisou passar a viver como dona de uma casa de damas de companhia e ficou conhecida pelos seus longos banhos, que estariam associados à sua beleza.

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“Até hoje, ela ainda é falada como cortesã, como mulher da vida. Mas foi mais que isso, e o Grande Hotel reconhece”, conta Deiva, sobre a presença de Dona Beja em painéis e até como nome registrado em partes do hotel. Atualmente, o espaço das termas oferece uma jornada de bem-estar, pensada pelo físico e espiritualista Mahatma Patiala, que arquitetou o espaço para promover uma conexão dos indivíduos com sua aura. O percurso é guiado por luz de velas e mantras, que servem para promover a introspecção. Também são oferecidos banhos nas termas, banhos de lama e massagens, como novos diferenciais do hotel. A iniciativa consolidou o Grande Hotel como um espaço de cura e conexão, em mais uma transformação ao longo de sua história.

*A repórter viajou a convite da Secult 

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