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Pesquisadores de JF descobrem escultura atribuída a Aleijadinho na Matriz de Rio Pomba

aleijadinho
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Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, um dos mais reconhecidos nomes do barroco e do rococó brasileiro, e maior artista e arquiteto do período colonial brasileiro, teve uma obra inédita descoberta mais de dois séculos após seu falecimento, no município de Rio Pomba, Minas Gerais, a 200 quilômetros de Ouro Preto, sua cidade natal.
Através de uma licitação comum de restauração de patrimônio, André Vieira e Valtencir Almeida começaram a trabalhar nas obras da Paróquia São Manoel, na cidade de Rio Pomba, distante cerca de 75 quilômetros de Juiz de Fora. A dupla trouxe as peças para o seu laboratório, em Juiz de Fora, onde iniciaram os trabalhos de restauro. A partir de uma pesquisa histórica e artística mais profunda, a equipe começou a perceber que uma das peças tinha uma qualidade escultórica incomum. “Uma qualidade escultórica excepcional, diferente das demais, mas que estava muito encoberta pelas camadas de tinta que foram aplicadas a ela. Ao remover essas camadas, Valtencir começou a perceber que a qualidade da obra se destacava”, relatou o historiador André Vieira.

Aprofundamento histórico

Existe na cidade a tradição de falar que a imagem teria vindo de Portugal, doada pela Rainha Dona Maria I, mas quando os restauradores começaram a estudar a peça, notaram que na verdade ela lembrava em muito as imagens da escola mineira de escultura, cujo maior expoente é Aleijadinho. “Começamos, cada dia, a ter mais convicção de que esta imagem fazia parte da escola mineira; mas só isso era muito pouco para afirmarmos que esta imagem era uma obra do Aleijadinho, então começamos a fazer uma pesquisa histórica no acervo da cidade, nos livros de história da cidade e achamos algumas referências da relação do Padre Manuel, fundador da cidade, com o Aleijadinho”, contou André.

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Através da extensa pesquisa em livros e documentos do acervo histórico da cidade de Rio Pomba, os pesquisadores confirmaram a relação do Padre Manuel com o Aleijadinho, que também era arquiteto e, de fato, teve participação na construção da primeira capela de Rio Pomba. A partir da relação descoberta, André e Valtencir foram mais a fundo e descobriram que o grande escultor mineiro e Padre Manuel aproximavam-se em muitos aspectos: eram contemporâneos e conterrâneos, ambos ouro-pretanos, filhos de portugueses com escravas, viveram na mesma época e frequentaram as mesmas irmandades em Ouro Preto, até o padre ir para Rio Pomba.

Com a relação entre os dois documentada e comprovada, a dupla começou a estudar a fundo as características da obra e toda a bibliografia existente sobre o artista mineiro, para, através dos estudos dos especialistas mais renomados, compreenderem as particularidades da produção do artista. “Sabíamos que era muito inusitada a possibilidade de se achar, em pleno século XXI, uma obra inédita do Aleijadinho. Então, com esse cuidado de apurar e estudar a fundo, constatamos que a peça tinha, sim, as características particulares, o que chamamos de ‘cacoete’, aquela característica que se repete em várias obras de um mesmo artista” revelou André.

Etapas

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Após analisarem e constatarem as semelhanças e presenças dos “cacoetes”, foram feitos outros exames, entre eles uma radiografia da peça, para compreender como foi feita a junção dos blocos de madeira e qual o tipo de cravo utilizado, para poderem precisar em que época a obra fora produzida, e também uma análise estilística da peça. Ambas foram condizentes com uma produção do século XVIII, época que condiz com a de Aleijadinho.

Com os resultados da radiografia e da análise estilística apontando para a suspeita, já entalhada, dos pesquisadores, outra análise científica foi realizada: a da identificação da madeira. A partir do reconhecimento botânico da espécie de madeira que foi utilizada, seria possível saber de qual continente a peça era originária, a fim de comprovar, ou não, a teoria de que ela tivesse vindo de Portugal. Logo, uma amostra foi enviada para o IPT, Instituto de Pesquisas Tecnológicas, em São Paulo, onde constataram que se tratava de cedro, madeira brasileira, e recorrentemente utilizada por Aleijadinho em suas obras, como explica André: “Isso não mostra que a peça é dele, mas que é brasileira e não portuguesa, como se dizia, então a gente desconstruiu essa primeira tese.”

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Agora, quase um ano após o início do processo, e com o resultado das análises e dos exames que comprovaram que a peça possui as características de uma obra do Aleijadinho, e juntamente com o documento que prova a existência da relação do artista com o fundador da cidade de Rio Pomba e da Paróquia São Manoel, os pesquisadores concluíram que era possível atribuir a escultura ao renomado artista.

Dificuldades

O historiador conta ainda que, em meio à felicidade e à satisfação da descoberta de mais uma peça do quebra-cabeça da história da arte colonial brasileira, também estava presente a tensão. Segundo ele, algumas décadas atrás houve uma banalização de atribuições de obras a Aleijadinho, algumas inclusive com pouca presença das características particulares do artista, mas que acabaram sendo ligadas a ele por especulação financeira, para gerar valorização. Mas o fato de se tratar de uma obra de igreja, que não possui interesse financeiro, fez com que a dupla se sentisse mais confortável em conduzir a pesquisa e, depois de concluída, propor a atribuição ao proeminente escultor mineiro, contou André. “Como é uma obra de igreja, haveria também uma credibilidade maior, porque é um achado inusitado, fortuito. Nós não saímos procurando Aleijadinho, igual aconteceu décadas atrás quando o território mineiro foi vasculhado em busca de peças para coleção. Encontramos por acaso, um acaso do destino.”

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A equipe também se deparou com as dificuldades impostas pela pandemia da Covid-19, que fizeram com que demorasse o acesso aos arquivos necessários, bem como os resultados dos laboratórios, que estavam trabalhando com atendimento reduzido e prazos maiores. Mas o isolamento também foi um período de amadurecimento da hipótese, proporcionando aos dois a possibilidade de um estudo mais a fundo, que resultou na descoberta da autoria da obra.

“É lógico que os especialistas querem ver a peça e os estudos publicados. Já estamos organizando uma publicação para fazer em breve e mostrar todos os enfoques que foram dados para essa pesquisa, com diversas pessoas convidadas, e mostrar, mais detalhadamente, os resultados. Mas foi uma descoberta muito bem recebida pela comunidade científica” disse André à Tribuna.

A importância da descoberta

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Para André, a importância desse achado não é incluir mais uma obra de Aleijadinho em uma lista que já é extensa, mas sim, discutir e mostrar que a Zona da Mata tem um extenso acervo de patrimônio cultural, principalmente sacro, com obras oriundas do século XVIII – momento do declínio da atividade mineradora. Diversas famílias vieram para a região no período, e algumas possuíam acervos que continham obras da época.

“O que eu acho mais importante é despertar para necessidade de estudo do acervo de patrimônio cultural religioso da Zona da Mata. Não existe pesquisa acadêmica, política de proteção do Estado e do Governo federal para esses acervos. A identificação dessa obra mostra que essa região está esquecida, isso não tinha sido identificado até agora por falta de uma pesquisa mais sólida”, ressaltou o historiador.

Paróquia

O Padre João Francisco, que comanda a paróquia local, conta que a obra, que representa o padroeiro de Rio Pomba, sempre foi de grande importância para a comunidade, exercendo um papel devocional, mas que agora ganha também o valor e a referência histórica, colocando a cidade no eixo barroco mineiro. Ele avaliou com positividade a descoberta: “Imagino que a paróquia terá mais alcance e, consequentemente, exigirá uma maior sensibilidade do Poder Público ao gerenciar recursos para a manutenção, conservação e segurança de toda a estrutura que abrigará, em seu altar-mor, a obra.”

Futuro

O município, através do Conselho de Patrimônio, com base na descoberta, decidiu fazer o tombamento municipal da imagem, com o intuito de aumentar a proteção e as medidas de segurança, agora que a obra passa a representar, além da devoção, um atrativo turístico. O tombamento estadual já está sendo solicitado através do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), o que futuramente deve trazer, como desfecho, também o tombamento federal, tão logo a comunidade científica certifique e confirme essa atribuição. A imagem deixa Juiz de Fora e retorna agora para a Paróquia de São Manoel, em Rio Pomba, e deve ser apresentada à comunidade nesta quarta, 24 de dezembro, aniversário da Igreja Matriz.

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