Norma, uma senhora completamente solitária, aluga um apartamento. Amarga pela vida, vive sozinha, sem muitos amigos, depois de perder seu marido. Um dia, recebe em casa um jovem, Renato, que morava naquele mesmo apartamento antes dela. Ele pede que, caso procurado, ela informe seu novo endereço aos interessados. O que parece um acaso, vira um encontro capaz de embrulhar sentimentos e colocar à tona memórias que remexem a vida desses dois. É esse o texto de “Norma”, espetáculo com Nívea Maria e Daniel Rocha que estreia em Juiz de Fora neste sábado (23). A apresentação única acontece no Cine-Theatro Central, a partir das 20h. Os ingressos podem ser adquiridos no Ingresso Digital.
“Norma” é uma peça que nasceu há mais de 20 anos a partir de um engano. Tônio Carvalho, que divide o texto com Dora Castellar, discou um número errado e, ao ser atendido, foi hostilizado por uma mulher do outro lado da linha. Ele começou a pensar, então, o que levaria a uma pessoa ser tão dura daquela forma. Imaginou uma mulher em crise e decidiu batizá-la de Norma. Renato, para ele, surgiria na vida da senhora como uma possibilidade de “renascimento”. E foi nesse ensejo que nasceu o espetáculo, que estreou em 2002 e, neste ano, voltou aos palcos em celebração aos seus 20 anos, em uma nova montagem dirigida por Guilherme Piva.
Norma e Renato
São dois personagens muito diferentes entre si. Mas que têm uma coisa em comum: a solidão, sobretudo ligada ao luto de perder um amor. A diferença é a forma com Norma e Renato levam suas vidas. “Renato vive a solidão porque ele viveu um grande amor que se acabou. Norma vive uma solidão de alguém que perdeu o marido e é sozinha. São duas pessoas em fases diferentes da vida, mas por uma solidão de relacionamentos que não deram certo. Nesse lugar, eu acho que eles se parecem. Mas tem uma grande diferença. O Renato tem uma solidão sem arrependimentos. Ele viveu. Foi aberto a viver o que gostaria. A Norma tem mais ressentimentos do que poderia ter feito diferente e não fez”, sintetiza Daniel Rocha, que vive Renato.
Daniel até confessa que, em certos momentos, percebe uma proximidade com o seu personagem – apesar de afirmar que não gosta de viver tão solitário como Renato. Mas o mais interessante é ver Nívea Maria, atriz tão presente no imaginário brasileiro por causa das telenovelas, vivendo uma personagem que foge de tudo o que já fez. “As pessoas se surpreendem de a atriz Nívea estar fazendo um personagem tão diferente e radical em algumas opiniões, e colocando com a maior verdade as pessoas se surpreendem. Porque tem uma imagem da Nívea mãe, doce, meiga, educada, e ali tem um pouco de mágoa, de dor, de agressividade com a vida.” Tudo isso se intensifica sobretudo pela forma como “Norma” se mostra tão realista.
Nívea assumiu Norma assim que a peça estreou nos teatros, ainda no começo deste ano. Já Daniel passou a viver Renato mais recentemente. Foi o ator Rainer Cadete o primeiro a dar vida a esse personagem nessa segunda montagem da peça. Em ambo os casos, foi o texto que fez com que eles topassem entrar nessa história. Isso porque tudo é contado de forma delicada, fazendo com que o público se reconheça ali de alguma maneira, seja em Norma, em Renato, ou no que se instaura a partir do encontro dos dois.
Uma peça sobre o hoje
Com o tempo, 22 anos depois, “Norma” ainda ganhou novos significados – aborda assuntos que antes não abordava, incorporando a dinâmica do agora. “Há um pouco mais de liberdade sobre determinados assuntos. Hoje se fala mais sobre várias coisas e eu acho que por isso a peça tem tocado mais as pessoas. Elas podem até não concordar, mas a gente fala e faz. E essa peça é isso: uma sacudidela em vários assuntos que as pessoas ainda têm preconceito ou que são de difícil compreensão”, afirma Nívea.
Ela segue: “E é por isso que ‘Norma’ segue tão atual. Não só pelo tema, e pelo conteúdo, pelos personagens, pela mulher da minha faixa etária, da nossa sociedade, mas também pela representatividade dessa mulher que vive seus preconceitos, suas experiências de vida, suas dores. É muito real a história”. O que tem acontecido, como também conta Renato, é que as pessoas têm ido até eles contar de detalhes similares com suas vidas e até respostas encontradas a partir da peça. “Imagina a responsabilidade.”
“É uma peça bem realista. A gente faz uma atuação bem cinematográfica. E funciona muito bem no palco. Parece aquelas peças americanas e inglesas. Ela se passa em um ambiente só, se resolve com dois atores, e tudo é verborrágico, com muito texto. Apesar de ser bem simples. Eu estou fazendo uma peça que sempre gostei de assistir”, confessa Daniel, que acredita que “Norma” até daria um bom filme.
Encontro de gerações
A troca entre Norma e Renato é também a troca que acontece com Nívea e Daniel. “Porque um aprende com o outro. Você ensina e também aprende com o frescor, a visão moderna e nova. E às vezes o jovem é mais sentimental e humano que a pessoa de mais idade que endureceu pelos anos”, acredita Nívea. Daniel ainda confessa que essa relação é intensificada pelo fato de serem só os dois ali: um se apoiando no outro em 1h de peça.
Teatro em Movimento
“Norma” chega à Juiz de Fora através do Festival Teatro em Movimento, com patrocínio da Cemig, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais. O intuito do projeto é descentralizar o acesso às grandes montagens do eixo Rio-São Paulo, promovendo a circulação para além da capital Belo Horizonte, chegando a cidades de Minas Gerais, como Juiz de Fora.