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O riso que não passa pelo besterol

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Da última vez que passou por Juiz de Fora, em julho de 2010, o ator e dramaturgo mineiro Glicério do Rosário emocionou o público com a densidade do drama São Francisco de Assis a Foz, ganhador do prêmio Sesc/Sated de melhor espetáculo, direção e ator do ano de 2009. Neste domingo, em apresentação no Teatro Pró-Música, às 19h, ao contrário, ele se renderá ao cômico de Na comédia de Edgar, Alan põe o bico. Estava a fim de fazer algo que fosse leve, mas que não apelasse para o besteirol, o riso fácil e descompromissado, explica o intérprete do operário Etelvino, personagem da novela Joia rara, exibida no horário das 18h pela Rede Globo.

Com texto de Rosário e direção de Geraldo Octaviano, a montagem, segunda da companhia P’atuá, será encenada na cidade através do projeto Trilha Cultural, do BDMG, o que a faz chegar por aqui a preço popular (R$ 12 a inteira e R$ 6 a meia). De acordo com seu criador, o espetáculo procura compreender e homenagear o gênero trágico, fazendo um contraponto à banalização do espírito cômico. Rir é muito bom, mas as pessoas têm buscado o entretenimento que não as fazem pensar. Apostamos na potência do riso, mas tentamos fazer com que o espectador reflita.

Famoso por suas histórias macabras e misteriosas, o escritor Edgar Alan Poe e seu poema O corvo, além da célebre análise que o autor faz de seus próprios versos em Filosofia da composição, serviram ao dramaturgo de inspiração literária. Resolvi fazer uma comédia que tivesse ligação também com a tragédia, entendendo que as duas têm algo de sacralidade, porque têm a ver com os tipos humanos. Como Edgar tem essa fama dos contos de terror, policial e de suspense, achei uma boa maneira de partir do racionalismo extremamente científico para atingir o resultado trágico.

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Autor de expressões grandiloquentes, mas ultrapassado, Edgar, vivido pelo ator Global, não consegue mais emplacar um sucesso, já que o público não quer saber de tragédia. Desesperado para ganhar dinheiro, tenta forçar seu corvo Alan, que é ateu, a lhe inspirar na escrita de uma comédia, crendo que ele seja um mensageiro dos deuses. Enquanto a plateia vê a ave agourenta, o dramaturgo só consegue ouvir seus grasnados. Ela soletra, faz mímica, porém os recursos tornam-se em vão diante de um escritor preso a convenções. Interpretado pelo ator Cláudio Márcio, o corvo ainda se gaba de sua inteligência ante outros tipos de animais. É incrédulo, considera a morte unicamente pelo seu aspecto biológico, e considera o riso um sinal de evolução.

Para fazer referência ao gênero grego, vale até apostar na estrutura do texto clássico. Já na cena inicial, dois caipiras, Zé Prenúncio e Mau Agouro, aportam no palco para representar um coro. A convite de uma suposta produção, os dois fazem o prólogo, voltam para as passagens de atos e retornam para o epílogo, sem deixar de esclarecer que estão ali por acaso. As figuras lembram a dupla Alvarenga e Ranchinho, responsável pelo primeiro filme falado em São Paulo e conhecida na década de 1920 pelo forte tom popular. Questões políticas, sociais e religiosas estavam em seu repertório. De certa forma, o teatro grego sempre foi popular. As apresentações nos teatros eram quase como uma partida de futebol. Como compor um coro para ser cômico? Criarmos este subterfúgio.

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Globo atrai plateia

Embora jovem, a companhia P’atuá já tem uma marca. Criada em 2008, ela aposta na interpretação dos atores em detrimento de qualquer solução cênica por meio de efeitos. Na comédia de Edgar, Alan põe o bico, uma janela, um poleiro, uma mesa, que se transforma em uma espécie de piano, e um tapete para os rituais de Edgar são os elementos que compõem o cenário. Um trabalho que investe na visceralidade de um corpo em cena, aliado a uma palavra poética.

Glicério do Rosário é mestre em teoria da literatura pela Universidade Federal de Minas Gerais e contabiliza cursos de interpretação, musicalização, expressão vocal, técnicas de clown e expressão corporal, entre outros, com nomes como Cacá Carvalho, Rufo Herrera, Babaya, Juddu Saldanha e Dudude Herrmann. Além de premiado por São Francisco de Assis a Foz, foi agraciado pelo Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Belo Horizonte (Sinparc), no ano de 2010, por Cocoricó, férias na fazenda, com o título de melhor texto infantil. Na visão dele, que já esteve na Globo anteriormente integrando o elenco de Cordel encantado, é válido utilizar a exposição proporcionada pela emissora de televisão para arrastar a plateia para o teatro.

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A TV é um chamariz. As pessoas vão lá para ver um determinado ator e se surpreendem quando encontram o que não veem na telinha, destaca, contando que, por enquanto, tem deixado Belo Horizonte uma ou duas vezes na semana, de acordo com a demanda da produção do folhetim, para gravar suas cenas, já que sua participação ainda é pequena. Aliás, este foi o motivo do cancelamento da apresentação de ontem aqui na cidade. Seu personagem fica até o fim de Joia rara.

A montagem repete a dobradinha de Rosário e o diretor Geraldo Octaviano, vencedor do prêmio de melhor diretor com o monólogo São Francisco de Assis a Foz. A parceria entre os dois iniciou em 2000 com o infantil Bento, cabeça de vento. Formado em artes plásticas pela Escola Guignard – Universidade do Estado de Minas Gerais – e ex-membro da Cia Cômica, Cláudio Márcio recebeu os prêmios de melhor ator por Pluft, O fantasminha, pelo Sesc/Sated, em 2001, e melhor ator e ator revelação, por Flicts, pelo Sinparc, em 2000.

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NA COMÉDIA DE EDGAR, ALAN PÕE O BICO

Neste domingo

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Às 19h

Teatro Pró-Música

(Av.Rio Branco 2.329)

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