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Encontro poético: editores locais entrevistam suíço Fabio Pusterla

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ENTREVISTA Fabio Pusterla, poeta, tradutor, professor e crítico

‘A linguagem pode ser a minha casa’


Fabio Pusterla encara a publicação editada em Juiz de Fora como uma leitura da tradutora e conterrânea Prisca Agustoni: “Um pequeno retrato que alguém fez de mim”. (Foto: Divulgação)

Fabio Pusterla vive na fronteira entre Itália e Suíça. Transita pelos dois países. Sua casa é a língua, o italiano falado no percurso que separa as duas nações. Para a antologia poética “Argéman”, Prisca Agustoni, responsável pela seleção e tradução dos poemas de seu conterrâneo suíço, não deixou de lado uma leitura sobre as fronteiras que circundam Pusterla e tantos outros autores residentes em regiões limítrofes. “De fato, sua poética pressupõe um olhar ‘de fronteira’, inclusive a partir da influência que sobre ele exerceram alguns poetas da região do norte da Itália, que se identificavam com a corrente chamada linha lombarda, centrada na cidade de Milão”, aponta, em apresentação do livro, a poeta e professora da Faculdade de Letras da UFJF sobre o escritor que, nas suas palavras, “procura iluminar pontos de vistas diferentes sobre o real”. “Através dessa relação solidária com o mundo, filtrada na poética de Fabio Pusterla, poderemos vislumbrar, quem sabe, a vivência de uma humilde e verdadeira alegria interior”, define Prisca.

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Guilherme Gontijo Flores, poeta, tradutor e professor da UFPR, que escreve a orelha de “Argéman”, defende que o gosto pela paisagem pulsa nas páginas da primeira publicação de Pusterla no Brasil. “A todo instante nos defrontamos com imagens que, se parecem por vezes descrever realisticamente os ambientes, em geral se desdobram em verdadeiras vivências interiores, que interferem sobre a nossa noção objetiva de geografia. Entre o gelo e as montanhas, as plantas, os bichos e os homens, a poética de Pusterla abre um caminho que passa muito rapidamente da cidade ao campo, ou mesmo por regiões inabitadas, para delas extrair um tensionamento peculiar, por vezes alegórico, por vezes brutalmente cru”, sugere. De acordo com o próprio autor, a nova obra “representa, acima de tudo, a maneira como Prisca Agustoni, sua excelente tradutora, leu meu trabalho. Foi principalmente ela quem escolheu os textos a serem incluídos na antologia, e por isso posso ler esta coletânea como um pequeno retrato que alguém fez de mim.”

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Antes de deixar sua casa, ao sul da Suíça, o escritor que encontra o público da Flip e a escritora italiana Igiaba Scego, ao meio-dia da sexta-feira, 27, falou à Tribuna, com tradução de Fred Spada, sobre seu ofício, seu lugar na literatura italiana e, também, sobre sua casa, tema da mesa que o traz ao Brasil. “Não conheço Igiaba Scego pessoalmente, e será um prazer encontrá-la em Paraty. Parece-me que a questão da língua como ‘própria casa’ seja uma questão complexa e muito interessante que cada um de nós interpretará de maneira diferente. Muito esquematicamente, poder-se-ia dizer que a linguagem pode ser a minha casa no sentido de que, escrevendo, eu ‘habito-a’, e isso se aplica a todos que escrevem; mas nem todos escrevem na língua em que nasceram e cresceram, porque as dramáticas migrações de nossa era levam não poucos escritores a quererem ou a deverem se expressar em uma ‘outra’ língua. Agota Kristof, que faz parte dessa dolorosa família, dizia escrever em ‘uma língua inimiga’. À luz de tudo isso, o conceito de língua como ‘própria casa’ complica-se consideravelmente”, analisa o poeta.

Com cinco horas de diferença no fuso horário, a realidade na qual se insere Pusterla, conforme aponta, assemelha-se bastante quando o assunto é literatura. “Na Itália, e talvez se possa dizer na Europa, a poesia encontra-se, há cerca de meio século, sobretudo nas mãos de pequenas editoras, que desenvolvem um trabalho valioso e admirável. Por isso, eu estou muito feliz de ser publicado por uma pequena e jovem editora brasileira: eu me sinto em casa, por assim dizer”, diz ele, que a convite da Tribuna, respondeu às perguntas formuladas pelos editores Anelise Freitas, Fernanda Vivacqua, Fred Spada e Otávio Campos, que trazem sua obra para o país. “Esta editora tem um nome mágico, para mim: Macondo. Talvez, exatamente a mítica aldeia de Gabriel García Márquez possa simbolicamente representar muitas coisas que têm a ver com a poesia. Talvez todos aqueles que escrevem e leem poesia estejam procurando por sua Macondo, digo a mim mesmo às vezes.”

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“Talvez, exatamente a mítica aldeia de Gabriel García Márquez possa simbolicamente representar muitas coisas que têm a ver com a poesia. Talvez todos aqueles que escrevem e leem poesia estejam procurando por sua Macondo, digo a mim mesmo às vezes.”

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Confira entrevista dos editores da Macondo com o poeta Fabio Pusterla

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Prisca Agustoni, poeta, professora, tradutora e também suíça, escreve sobre Pusterla

Os editores – Seu livro ­­se chama “Argéman”, uma expressão para as línguas de neve. Sentimos esse aspecto e essa presença produzida nos poemas. Embora o português tenha sido uma língua europeia de imposição, ela é falada majoritariamente por povos do sul tropical, isto é, apropria-se dessa geografia para produzir-se. Agora esta antologia foi publicada nessa língua, e gostaríamos de saber como você acha que esse processo pode influenciar na recepção dos poemas.

Fabio Pusterla – É sempre muito difícil, para quem escreve, imaginar o que acontecerá com a sua obra traduzida para outro idioma e qual será a recepção dos novos leitores, mesmo quando a tradução ocorre em uma língua e em uma realidade próximas, como poderia ser, para mim, no caso do francês e, em geral, das línguas europeias. No nosso caso, a língua é o português, mas a situação linguística e cultural é a brasileira, com sua história complexa. Minha esperança só pode ser esta: que a linguagem da poesia, que é uma linguagem de profundidade também simbólica, seja capaz de sobreviver além das barreiras linguísticas e culturais. Se a poesia tenta tocar as camadas mais profundas do ser, talvez seja possível que algo dessa sua busca permaneça reconhecível até mesmo para o leitor mais distante. Há alguns anos, fui convidado, na China, para uma série de leituras nas principais universidades. Eu me perguntei que sentido teria ler poemas escritos em italiano em uma realidade linguística e cultural muito diversa; é claro, havia traduções, mas temia que nada do que eu havia tentado escrever pudesse “passar” para o público chinês. Em vez disso, não foi assim; a julgar pelas perguntas e pelos comentários, de algum modo algo aconteceu; e creio (e espero) que isso esteja em relação com a tese acima. A poesia não é uma linguagem universal, como pode ser a música. Mas também contém, sob sua roupagem linguística, algo que talvez possamos considerar universal: suas raízes estão na interioridade do ser, nas imagens primárias, naquilo que se esconde dentro de nós. E isso, talvez, nos una profundamente.

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Tanto nos poemas que foram retirados de “Argéman” quanto nos de “Corpo stellare” podemos perceber uma inclinação política bem marcada, podendo citar, por exemplo, “Rumo a Heracleia” do primeiro e “Lamento dos animais levados ao matadouro” do segundo. Este último poema, especificamente, fala de tortura, de golpes, e, no contexto político do Brasil atual, essas expressões, como várias outras, têm tomado um peso que possivelmente não é o mesmo de quando foram pensadas durante a composição do poema. Você acredita que esta faceta política da sua poesia chega em boa hora na conjuntura atual do país, ou isso pode levar o poema original para um campo que não lhe agradaria muito?

De fato, em minha escrita, os aspectos civis e políticos não estão de todo ausentes; quando sou questionado sobre esse assunto, sempre procuro observar que não penso em escrever uma poesia “ideológica”; o que me interessa é pôr em discussão o modo como as palavras representam a realidade. Penso que é sobretudo através das palavras que cada um de nós constrói uma imagem e uma leitura do mundo; e se a poesia tenta redescobrir o significado complexo das palavras, assim fazendo também modifica aquela imagem e aquela leitura do mundo. É claro que às vezes os materiais que uso (os “temas” da poesia) são explicitamente éticos e políticos; e imagino que cada leitor os inserirá em sua experiência particular, em sua maior ou menor sensibilidade civil. É possível, portanto, e talvez provável que o leitor brasileiro de hoje tenha um ouvido muito sensível a esses aspectos, devido à situação difícil do país, e que sua leitura acentue o peso de tais aspectos. Mas, se assim for, eu não ficarei incomodado em absoluto. Enquanto escrevo esta resposta, estou sentado à minha mesa e, como faz calor, visto uma camiseta clara, na qual está escrito uma frase de “O carteiro e o poeta”, que diz: “A poesia não é de quem a escreve, mas de quem a usa”. Exatamente!

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A abertura dessa coletânea que apresentamos agora ao público brasileiro se dá com o poema “Fragmento de paisagem”, que indica uma direção imagética que será percorrida durante o livro. Como você acredita que as diferentes paisagens e territórios linguístico-culturais da Suíça participam da sua poesia?

Um crítico escreveu há algum tempo que em mim se abriga “o demônio da paisagem”; é uma formulação sugestiva em que posso me reconhecer; realmente, sou muito atraído pela paisagem, e isso significa que o que eu vejo tem uma relevância importante no processo de escrita. Como eu moro em um lugar concreto, composto de rios, lagos, montanhas, esses são os materiais paisagísticos que mais frequentemente aparecem na página. Se vivesse no deserto ou na orla marítima, as coisas seriam diferentes. No entanto, percebi ao longo dos anos que o que realmente me interessa não é a paisagem natural em si; me impressionam, em vez disso, as “zonas de contato”, ou seja, aqueles lugares em que tudo se torna mais turvo, mais complexo. Se eu tivesse que indicar uma paisagem verdadeiramente “minha”, provavelmente pensaria em uma dessas zonas: um subúrbio algo ermo, um campo invadido por objetos e dejetos; coisas que eu posso encontrar em praticamente todos os lugares.

“Percebi ao longo dos anos que o que realmente me interessa não é a paisagem natural em si; me impressionam, em vez disso, as ‘zonas de contato’, ou seja, aqueles lugares em que tudo se torna mais turvo, mais complexo.”

Apesar de seus poemas montarem essa espécie de cartografia de paisagens, como Guilherme Gontijo Flores chegou a apontar na orelha do livro, não podemos deixar de notar que há também certa preocupação formal. Essa preocupação com a palavra também se mostra como tema em alguns versos, como no final de “Despedida” (“Em seguida roça cada coisa/ soletra bem seu nome/ e torna-a verdadeira”). Como é para você essa luta com a escrita, a ponto de transpor o silêncio do signo e criar ritmo e imagens? É uma preocupação que guia seu trabalho como poeta?

Claro, a poesia é sobretudo isso: uma luta com a linguagem, a tentativa de encontrar uma forma de precisão na palavra, um ritmo profundo, quase um respiro da língua. O esforço, mas também a beleza extraordinária, da escrita poética reside nisso; e traz constantemente consigo dúvidas, desesperos e apenas ocasionalmente alegrias. Mas tudo isso faz parte, para mim, do segredo do laboratório, ou da despensa. Não gosto muito de falar sobre o que acontece lá dentro, também porque falar sobre isso explicitamente me pareceria enfadonho e arrogante. Quando trabalho lá atrás, estou sozinho, ou melhor, estou na companhia dos autores que leio e com quem dialogo a distância (às vezes a enorme distância: para quem escreve em italiano, o primeiro autor de referência se chama Dante Alighieri e viveu vários séculos atrás), e que me servem de guia. Então, quando saio da despensa com as poucas coisas que parecem apresentáveis, fecho a porta e vou ao encontro do mundo.

“A poesia é sobretudo isso: uma luta com a linguagem, a tentativa de encontrar uma forma de precisão na palavra, um ritmo profundo, quase um respiro da língua. O esforço, mas também a beleza extraordinária, da escrita poética reside nisso.”

Além de seu trabalho como poeta, também tem experiência como tradutor, o que mostra que você tem uma dimensão outra da transposição de poemas em línguas diferentes. Como você, a partir disso, percebe agora essa experiência de ser traduzido? Isso o deixa receoso quanto à escolha lexical e à seleção dos poemas?

Traduzi muito, é verdade, especialmente do francês de Philippe Jaccottet e de outros autores (mas um pouco também do português, especialmente de um poeta de que eu gosto muito, Nuno Júdice), e creio conhecer muito bem o esforço de traduzir, a dúvida constante que acompanha esta estranha aventura. Penso que a tradução seja, sob todos os efeitos, um gênero literário; e que, portanto, o tradutor, se ele é realmente tradutor, seja um escritor. Sua obra/tradução pertence a ele, no sentido de que é ele quem assume a responsabilidade pelas escolhas linguísticas e estilísticas, assim como o autor fizera em sua língua original. Então, quando acontece de eu ser traduzido, antes de tudo me sinto grato e admirado pelo trabalho dos tradutores. Quando eu conheço suficientemente bem a língua para a qual fui traduzido, posso entender melhor a obra deles, e por vezes sentir se, na versão que fizeram, me passa a impressão de perceber o mais importante (e mais difícil), qual seja, a presença daquele ritmo/respiro de que eu falava anteriormente.

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