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Editora de JF publica primeiro livro de poeta suíço que vem para a Flip

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A tradutora, o revisor e o editor: Prisca Agustoni, Fred Spada e Otávio Campos trabalharam na antologia “Argéman”, que ajuda a trazer visibilidade para a literatura produzida e editada em Juiz de Fora (Foto: Marcelo Ribeiro)
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Impenetrável, o mercado editorial sobrevive das palavras mas se deixa guiar pelos números. Romper com o estabelecido, portanto, exige incomum esforço. Fazer poesia e adentrar esse establishment, por sua vez, transcende quaisquer ideias de rompimentos e passa a ser subversão, gesto que a jovem e independente Edições Macondo faz ao marcar presença em grandes livrarias do país e ao editar o primeiro livro do suíço Fabio Pusterla, considerado um dos maiores nomes da poesia italiana recente e um dos autores convidados da Festa Literária de Paraty, a Flip, que começa nesta quarta, 25, na cidade histórica. Sem se curvar a uma política econômica que privilegia os grandes selos, e preservando um projeto iniciado há menos de quatro anos, a casa juiz-forana constrói uma leitura original da literatura contemporânea produzida localmente e em distintos cantos.

“Essa relação com o mercado não vem por conta do Pusterla exatamente. É algo que a gente têm construído. Antes mesmo de ele ser confirmado na Macondo, a (Livraria da) Travessa já havia entrado em contato por conta de outros livros, como o da Carla Diacov (“Amanhã alguém morre no samba”), que é um livro que faz um enorme sucesso. Aproveitamos, então, e mandamos outros títulos, o que é bom para fazer a nossa poesia, principalmente a daqui de Juiz de Fora, circular em outros lugares”, comenta um dos editores, Otávio Campos, citando, ainda a presença do selo em lojas de Porto Alegre e Belo Horizonte. “É um momento muito feliz para nós, porque, querendo ou não, esses mercados têm surgido nos últimos tempos, mas a abertura que eles dão para as editoras que não são tão conhecidas é pequena ainda. A gente começa a cavar vaguinha, principalmente, aparecendo nas redes sociais”, acrescenta.

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Também editor da casa, Fred Spada aponta para o que seria um fenômeno nacional de crescimento e fortalecimento de editoras independentes fora do eixo Rio-São Paulo. A gaúcha Não Editora, de Porto Alegre, e a igualmente mineira Relicário, de Belo Horizonte são exemplos disso. O fato, segundo Fred, carrega consigo um reflexo de histórias construídas. “Juiz de Fora é uma cidade muito conhecida por seus movimentos literários e seus escritores – especialmente os poetas. E não estou falando de Pedro Nava, Murilo Mendes ou Rubem Fonseca, escritores que nasceram aqui, viveram parte da vida aqui, mas muito cedo foram construir suas histórias em outros lugares. Dos que ficaram e estão aí, vemos que a cidade sempre teve uma efervescência literária muito grande. Mas em relação às editoras, vemos que é algo recente. Nos anos 1980, tivemos o grupo D’Lira, que editava seus próprios livros, mas hoje vemos um movimento maior, com a Aquela Editora, a Macondo e ainda outras. Isso representa um desafio, que é uma vontade da Macondo, de crescer, não só o catálogo, mas o alcance para divulgar a poesia. Não só a poesia dos autores da cidade, mas a poesia de forma geral, de qualidade, que dialoga com nossos pensamentos, nossa forma de ver o mundo e a escrita”, comenta Fred.

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Agenda cheia: Livros editados pela Macondo em 2018

No protagonismo da pequena editora sem sede, estão não apenas poetas, mas, sobretudo, leitores. Os quatro editores – Anelise Freitas, Fernanda Vivacqua, Fred Spada e Otávio Campos – possuem livros publicados e são vorazes leitores de seus pares. “Acredito na literatura em si, porque tem que ter uma espécie de fé, acreditar em alguma coisa que vai te levar a algum lugar. Se não tiver a crença de que a literatura move, não dá para continuar, porque não é algo que envolve lucro, mas o prazer”, defende Otávio. “Somos bem fechados em relação a receber original, por exemplo. Dos nossos autores, fazemos uma espécie de seleção pessoal. Temos pouco dinheiro, poucos livros para sair, então temos que investir em quem acreditamos.”

Leia mais:

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Confira entrevista dos editores da Macondo com o poeta Fabio Pusterla

Prisca Agustoni, poeta, professora, tradutora e também suíça, escreve sobre Pusterla

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Leia Pusterla

Despedida

Libélula gentil
voa
sê veloz
cruza, leve, os nimbos
dos que mais se desesperam
e não têm voz,
veloz torna-te visível,
convida, azul, os olhos
e os espantos.
Onde padecem vidas perdidas
nos sulcos tão profundos do escuro
tece a tua roca luminosa,
pousa a esmeralda de uma hipótese,
de uma asa.

Em seguida roça cada coisa
soletra bem seu nome
e torna-a verdadeira.

Quase esgotado

Antologia poética que apresenta Pusterla aos brasileiros chama atenção por identificação com discurso político

Geralmente, os livros da Macondo chegam às prateleiras com tiragens de cem exemplares. Para Fabio Pusterla, que desembarca no Brasil chancelado por diversos prêmios italianos e suíços, além do convite para o maior evento literário do país, a editora quintuplicou o pedido inicial. “Fizemos uma tiragem de 500 exemplares, o que para nós é muito alto. Assim que fechamos, a Travessa encomendou 250 livros, ou seja, metade da tiragem já vai embora para a Flip. Conosco vão ficar apenas cem livros. O resto vai ser distribuído para outras livrarias”, conta Otávio Campos, chamando atenção para outro ineditismo: “Argéman”, a antologia poética de Pusterla, é o primeiro trabalho do selo com patrocínio (da suíça Fundação Pro Helvetia) para a tradução, a cargo da poeta e professora da Faculdade de Letras Prisca Agustoni, que ano passado lançou seu “Casa de ossos”, pela Macondo.
Numa original cartografia do fazer poético atual, Pusterla adentra a juiz-forana Macondo (o nome faz referência à obra de Gabriel García Márquez) por sua aproximação discursiva, conceitual, ainda que fisicamente exista a distância. “A obra do Pusterla me surpreendeu bastante, não só pela paisagem que ele traz muito forte e muito diferente da nossa, mas também pela maneira formal e estética. Como ele consegue trazer para a poesia alegorias que nos remetem a leituras muito amplas, que estão escondidas em camadas do texto: ele fala de cães, de uma enchente, animais indo ao matadouro e conseguimos, a partir dali, encontrar alegorias para questões políticas e éticas atuais”, comenta Fred Spada. “No momento como o que a gente vive, embora não seja o que ele busca na poesia, há poemas em que conseguimos refletir sobre a nossa realidade, e não só sobre o universo que circunda o autor. Tem muito a mostrar não só sobre o que é a literatura suíça de língua italiana, mas como a poesia tem o caráter da transversalidade, que consegue cruzar diversas culturas, atravessando o próprio tempo”, completa.

‘Meu susto não vai ser só meu’

O primeiro contato com a escrita de Fabio Pusterla resultou, para o editor Otávio Campos, num susto. Um bom susto. “Ele tem certo diálogo com os escritores que costumo ler, tanto os portugueses, quanto os os poloneses. Eu não conhecia a obra dele, porque não temos muito contato com essa poesia. A Prisca foi traduzindo, me enviando e eu fui ficando maravilhado. Acho que o meu susto não vai ser só meu. É uma poesia que dialoga muito com nosso tempo. E é muito propício, no atual momento, ter um poeta tão potente como esse por aqui. A poesia do Pusterla é muito política e vivemos um momento político gritante, o que torna mais fácil esse contato com a nossa realidade”, reforça o editor, responsável pela diagramação das obras, pelos contatos com gráficas e livrarias e às voltas com uma agenda que só cresce. “Tenho certo orgulho de olhar para trás e ver onde chegamos hoje, mas o que vem na minha cabeça, agora, são os prazos. Sou muito ansioso e vejo que temos um monte de livros para sair, os prazos não param e os boletos não deixam de chegar. Só penso em trabalho”, ri ele, que lança seu “Ao jeito dos bichos caçados” (Macondo Edições e Editora Moinhos) no dia 28 de julho, às 11h, na Casa dos Desejos, espaço que reúne diferentes selos nacionais e se soma à programação paralela da Flip. No mesmo dia, horário e local, a Macondo já lança outro novo título: “Sozé”, de Anelise Freitas.

Leia Pusterla

Lamento dos animais levados ao matadouro

Olha: nos levam embora. Na canção
dos dias que nos prostram. E cantamos
por essa derradeira hora: cantamos
nossa beleza negada. E estamos vivos.

Vagam esporas no vento, asas do coração
que chama o sangue a si, que o faz jorrar
nos rios das veias, aos ventos cálidos
dos desejos que nos foram furtados. E estamos vivos.

E são mares nossos desejos,
cruzamos florestas de memória
em breve incineradas e agora esplendorosas.

Cinzas os troncos, os mares em seca. Nós, vivos,
vivos mais vivos do que a mão que tortura. Os que
nos negam a luz ignoram isso: estamos vivos

na glória do mal que nos é dado,
no silêncio do golpe que nos é infligido.
Mudos, esquecidos.

O corpo, a casa e o verbo de Anelise

Segundo livro de Anelise Freitas tem lançamento na Flip, no próximo sábado (28) e, em Juiz de Fora, será autografado em agosto

Anelise Freitas mudou. De casa e de versos. “Sozé” (Edições Macondo) existe como se abrisse uma porta, adentrasse um novo espaço, e fechasse, em seguida, a porta que havia aberto. O segundo livro da poeta inaugura um novo lugar. “Esse livro fecha e abre outro ciclo. Ele tem uma proposta muito parecida com meu primeiro livro, o ‘Vaca contemplativa em terreno baldio’ (Aquela Editora, primeira edição, e Macondo Edições, segunda edição), falando do corpo, da memória e de um erotismo da linguagem. No ‘Sozé’ acho que consigo amarrar melhor tudo isso, apresentando minha proposta poética. Quando publiquei ‘Vaca’, em 2011, comecei a escrever esse trabalho. Naquele período, voltei para Lima Duarte e tinha a minha casa. Depois de um tempo, minha mãe saiu e foi para outro lugar. E eu passei a morar na casa onde passei a minha infância inteira. Mas, antes, eu vivia na casa como filha. E voltei a viver como mãe. Os poemas refletem essa minha experiência, de voltar para a casa que era do Seu Zé (o pai) e agora é minha”, explica ela, que escolheu um nome masculino para a obra na qual retrata diferentes mulheres e suas potências. A obra, com lançamento em Juiz de Fora previsto para agosto, também já tem confirmada sua estreia em terra estrangeira, no Festival de Poesía Latinoamericana Bahía Blanca, em Buenos Aires, na Argentina.

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Revelada no Eco – Performances Poéticas, sarau que completaria dez anos em 2018, Anelise preserva a passionalidade presente em seus textos iniciais, mas transmuta-a numa forma sofisticada a revelar o próprio percurso acadêmico que a faz, hoje, doutoranda em estudos literários na UFJF. “Talvez seja um amadurecimento. Minha experiência com a linguagem quando escrevi meu primeiro livro, era a de uma pessoa que se acostumou a escrever no diário. Tanto é que a primeira vez em que me apresentei no Eco, tinha um caderno, o diário, cheio de poemas. Eu botava muitos sentimentos. Entendia a poesia nesse sentido. Com o percurso de leitura de outros autores e livros, com os estudos na Faculdade de Letras, fui lapidando minha linguagem. A poesia para mim tem uma relação com a memória. Tenho uma memória fraquíssima e me impacto com as imagens. Então, tento escrever a partir de imagens. Quando leio o que escrevi, lembro de onde estava e porque escrevi. Por isso eu confundia isso com a ideia de diário. No primeiro trabalho contei com o apoio da Laura (Assis) e do (André) Capilé, que me ajudaram a lapidar o texto. A partir dali, fiz experiências que culminam no ‘Sozé’, que é memória, mas não é confessional. Não necessariamente é o que aconteceu, mas pode ser a imagem que fiz do que aconteceu”, define ela, para logo acrescentar: “O que faz esse livro ser mais maduro é, também, o fato de eu ter vivido outras experiências, como editar outros poemas, editar revista literária, conviver com outros poetas. Costumávamos, ainda, fazer uma oficina aberta, entre amigos, onde pegávamos os poemas, líamos, e todos na roda podiam opinar sobre eles. O ‘Sozé’ foi muito construído nessa coletividade.”

 

Leia Pusterla

Areia

Tu não sabes, mas amiúde acordo de noite,
permaneço longamente deitado no escuro
e te escuto dormindo ao meu lado, como um cão
na beira de uma água lenta de onde sobem
sombras e reflexos, borboletas silenciosas.
Esta noite falavas no sono,
eram quase lamentos, contando de um muro
alto demais para descer até o mar
que tu somente vias, ao longe, brilhante.
Brincando, sussurrei para ficares tranquila,
que não era tão alto assim, até poderíamos conseguir.
Tu perguntaste
se havia areia no fundo à nossa espera,
ou rocha negra.
Areia, respondi, areia. E no teu sonho
talvez tenhamos mergulhado.

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