Tem roça que dá alface, aipim, couve, beterraba; no caso do quinteto Roça Nova, misturar a música caipira ao rock e ritmos latinos dá uma “planta” só: “Tramoia”, álbum de estreia do grupo, que chega às plataformas de streaming nesta sexta-feira com dez canções fresquinhas, ainda que duas delas (“Espírito seco” e “Roça nova”) tenham sido lançadas como singles entre novembro e dezembro.
A Roça Nova deu frutos muito rápido. O grupo, formado por Pedro Tasca (vocal), Marco Maia (guitarra), Hector Eiterer (baixo), João Manga (bateria e vocal) e Bernardo Leitão (percussão), fez seu primeiro show em agosto de 2019, mas já tinha músicas maduras o suficiente para render um álbum, ainda mais que alguns de seus integrantes já haviam trabalhado juntos em outros projetos. Hector e Marco, por exemplo, participaram da Transcendência Cunhambebe.
A gravação do álbum aconteceu durante duas semanas de julho passado no Estúdio Nave, em Juiz de Fora, com produção de Pedro Tasca e Marco Maia. Apesar da efervescência criativa da banda, Hector diz que a decisão de gravar em plena pandemia se deu pela mudança de planos provocada justamente pela disseminação da Covid-19.
Roça Nova em Divino de São Lourenço
“A pandemia começou quando planejávamos expandir o trabalho com shows, então nossa alternativa foi focar na composição e produção. E como tínhamos muita composição e uma demanda por parte do público, começamos a trabalhar a ideia de gravar o disco”, explica. “O produtor Henrique Villela comprou a ideia e sugeriu fazer uma pré-produção. Fomos para Patrimônio da Penha (distrito da cidade capixaba de Divino de São Lourenço), onde o João tem um hostel. Esse processo foi interessante porque já sabíamos que o lançamento não seria de uma forma fervorosa, com show de lançamento, apenas com o apoio do público.”
O grupo já estava conformado com a impossibilidade de fazer um show de lançamento, mas a necessidade de gravar era algo que pulsava. “Focar na produção foi nossa válvula de escape. Quando tudo normalizar, teremos um material mais sólido, mais conhecido; vimos tudo isso de forma positiva, apesar da vontade de apresentar ao vivo”, acrescenta Hector, lembrando que a banda não vai apenas entregar as berinjelas na lojinha.
“Começamos semana passada, em nosso site, o financiamento coletivo para lançar o ‘Tramoia’ em disco de vinil. Também vamos produzir um videoclipe para ‘Cambalacho’ e dar início à produção de nossos itens na lojinha, como camisas, adesivos, ímãs de geladeira. E no mesmo dia do lançamento do álbum vai sair o primeiro episódio de uma série dirigida pelo Lucas Machado, que conta toda a trajetória da banda na cena independente brasileira, o processo de produção do ‘Tramoia’. Serão três episódios em nosso canal no YouTube, toda sexta-feira.”
Abaixo, confira o clipe do single “Roça nova”:
Influências e inspirações
Quem colocar para ouvir “Tramoia” no respectivo estéreo ou fones de ouvido vai se deparar com um álbum empolgante, que mostra que a música brasileira ainda tem muitos frutos a brotar de sua árvore. Com letras sobre religiosidade, misticismo, sincretismo, crítica social e política, preocupação com o meio ambiente e comunhão com a natureza, as músicas misturam o rock psicodélico à música caipira, ao funk, música latina e ritmos brasileiros como o maracatu, baião, coco, guitarrada.
“A Roça Nova é meio que uma luta contra toda a supremacia urbana, o esgotamento da vida urbana. Mesmo na cidade você pode encontrar um lugar tranquilo, mas levamos em consideração as nossas raízes, a cura da mata”, afirma Hector. “Esse misticismo faz parte da nossa vivência, da fé em conjunto ou individual, muito presente nos artistas que gostamos, e acaba por ser uma realidade muito sensata, sem ser apelativa ou comercial.”
E quando o assunto é inspirações e influências, a lista é ainda mais extensa: Chico Science, Jackson do Pandeiro, Fela Kuti, Clube da Esquina, Black Alien, Zé Ramalho, Gilberto Gil, Mestre Ambrósio, Tatá Chama & As Inflamáveis, Sá e Guarabyra, Luiz Gonzaga e Naná Vasconcelos, entre tantos outros. O desafio (bem-sucedido), de acordo com Hector, é dar unidade ao álbum e ser democrático na escolha das composições que entram, pois todos na Roça Nova contribuem com alguma canção.
Processo de seleção
“A escolha (das músicas) foi um pouco difícil. Acredito que a ideia do Pedro e do Marco, como produtores, foi levar pela ordem cronológica (de composição) e aceitação do público nos shows. Isso deixa o trabalho muito rico. E a Roça também conta com a ajuda de amigos e produtores não músicos, que cuidam das outras partes e, mesmo que não estejam ligados à parte de composição, acabam influenciando, e isso torna o processo mais orgânico, livre do ego de cada um.”
Quanto às referências, Hector garante, cada um carrega “uma porrada delas”. “Buscamos botar tudo no caldeirão, experimentar e ver o que funciona. Mas tudo funciona de forma natural pela admiração mútua, acabamos colocando essas referências de forma equilibrada. E muitas vezes percebemos somente depois da faixa pronta, ou no esboço; o que ouvimos fica no subconsciente, então acontece de forma natural.”