Roger não é só samba, Fred não é só encrenca. Roger toca frevo, valsa, baião e xote. Fred compõe com eloquência e dizeres de criador, sempre dando um toque do inesperado. O show dos dois juntos, no teatro da Sociedade Filarmônica de Juiz de Fora nesta sexta-feira (22), está sendo divulgado como uma novela, a cada capítulo que lançam nas redes sociais. “As composições do Fred são extremamente criativas, ele fala de temáticas de uma forma bem diferente, eu acho que as pessoas ficam instigadas a pensar sobre aquele assunto. O Fred tem sempre uma surpresa em suas composições, isso me fascina bastante”, é parte do depoimento de Roger em um dos teasers lançados pelos músicos.
O encontro dos dois veio bem antes de começarem a conversar musicalmente, até porque são de estéticas sonoras diferentes, mas que, juntas, reacendem em novas versões. Tanto Roger quanto Fred ocuparam a cadeira de música do Conselho Municipal de Cultura e, inclusive, colaboraram junto a outros nomes da cultura e da música, escrevendo um dos capítulos do Plano Municipal de Cultura.
“Nosso primeiro trabalho foi em busca de condições para se trabalhar”, diz Fred. “A gente fazia coisas na música completamente diferentes e nos encontrávamos apenas no Parangolé Valvulado, que é um ponto de intercessão.” Mas a primeira vez que dividiram palco, a cerca de 9 ou 10 anos, foi em um projeto de bossa nova no Bar da Fábrica, junto ao músico Arnaldo Huff, com Fred no baixo e Roger no cavaquinho. No Encontro de Compositores, que teve como um dos idealizadores Roger Resende, a questão musical também os aproximou. Foi no último Encontro deste ano, em 11 de dezembro, que tive a chance de assistir aos dois tocando “Algaravia”, um hino da música de Juiz de Fora, de autoria de Roger, Kadu Mauad e Edson Leão. Com Fred, a teatralidade deu outra cara à canção.
O palco do teatro é dos dois. “O Roger vai participar do meu show, e eu vou participar do show dele”, brinca Fred, muito embora o trabalho de outros compositores possa aparecer, como a música “Duas léguas”, de Kadu e Roger. A ocupação de um espaço como o teatro é intencional. “Devolver a música para o teatro é justamente resgatar o lugar que a música se perdeu no passado. Em Juiz de Fora, nos anos 1970 e 1980, havia festivais, inclusive o Som Aberto, que foi retomado. Vinham músicos de renome nacional, e as pessoas iam ao teatro para assisti-los. Quando o músico começa a perder o espaço do teatro, aí você começa a ir para o barzinho, onde não existe uma atenção, uma audição”, comenta Fred.
De volta ao teatro
O show evidencia o potencial artístico de cada um, dentro de suas pretensões e diferenças. Cantam solos, mas há surpresas em conjunto na apresentação. Fred toca “Ciranda tarja preta”, “O auê”, “Exame da dúvida”, além de abrir com discurso totalmente condizente em “Vida de músico”. Roger chega com autorias de seu disco “Borandá”, como “Queira ou não queira” e “Algaravia”, mas também canções não-lançadas, das mais de 200 compostas por ele, seja sozinho ou em parcerias, como por exemplo “Samba pra morrer”, de Roger com Juliana Stanzani para o disco “Crioula”, previsto para ser lançado em 2018. “A gente está no princípio de uma intercessão, o Roger faz os arranjos, é um excelente produtor e arranjador, tem toda toda essa consciência melódica e harmônica que colabora muito para o meu trabalho. E eu trago e gosto muito da experimentação musical, da criação de texturas, trabalho a coisa cênica”.
Fred leva o show para uma autenticidade cruel e sarcástica, com seu olhar irônico sempre pronto a soltar um comentário engraçado e ácido, enquanto Roger senta com seu chapéu branco e faz um passeio por composições que gosta de tocar. “O Fred sabe retratar muito bem essa vida de músico em canção. Ele te pega pelo pé, e você sai dali pensando naquilo também, e isso tem um lado cruel porque é árdua essa caminhada. Eu já venho passeando pelos trabalhos de alguns compositores de uma forma mais descompromissada, tentando trazer o meu forte que são as melodias e menos as letras.” “Ciranda tarja preta” e “Cambota”, de Fred e Roger, respectivamente, são canções que se cruzam levando para um mesmo apontamento de crítica social. “O Roger me ensinou a tocar samba, eu vou até tocar samba”, diverte-se Fred com este encontro que complementa o som um do outro.
“A gente está começando uma relação musical, com liberdade de um meter o dedo na música do outro, e isso está prazeroso”, comenta Roger sobre como está sendo este processo. Buscar o resgate de ocupar os teatros da cidade com música, principalmente com público restrito é o que consideram ser uma volta ao que era bom e hoje acontece pouco. Os músicos querem ser ouvidos, nada mais.
“A ideia é voltar ao teatro com outra dinâmica”, por isso os dois esperam que o público se solte, levante e se sinta à vontade, em um clima intimista. Se no início a ideia era quase como se fossem acontecer dois shows concomitantes, autônomos, revezando-se no palco, a aproximação natural dos ensaios fez com que houvesse uma fusão, tocando e cantando juntos. Um evento metalinguístico, colocando a música no palco, como protagonista, em alternâncias de dizeres sobre como é viver de música, seja diretamente ou nas entrelinhas, colocando todos para refletir sobre o formato do próprio show.
Roger Resende e Fred Fonseca
Nesta sexta-feira (22), às 19h30 e 21h20, no teatro da Sociedade Filarmônica de Juiz de Fora (Rua Oscar Vidal 134 – Centro)