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João Braga conta história dos 70 anos de pioneirismo da Dior

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Vestido com os bordados brasileiros: “O Brasil está cada vez mais próximo de se associar aos conceitos do artesanal e do sustentável. Temos trabalhos de bordados e rendas incríveis”. (Foto: divulgação)
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Christian Dior tornou-se ícone da moda mundial pelo talento que tinha e, também, pela generosidade no olhar de uma jornalista. A redatora chefe do Harper’s Bazaar Carmel Snow foi quem proferiu, pela primeira vez, que a coleção do costureiro de 42 anos tinha “um ar de new look”. Sua sensação tornou-se escrito no bilhete de um repórter norte-americano e logo estampava os principais veículos de comunicação, anunciando o homem que vestiu o mundo superada a guerra. Iconoclasta, a tal coleção sugeria novos paradigmas, exigindo, portanto, superlativa coragem de seu autor. A história valente é o ponto de partida de uma trajetória que completa sete décadas em 2017 e para a qual o historiador de moda João Braga volta seus olhares na reedição atualizada de seu primeiro livro, “História da moda – Uma narrativa”, um dos mais vendidos de sua área no país.

Autor de 11 obras, quatro delas redigidas em parceria com outros pesquisadores, João aborda em “70 anos da Maison Dior” os conceitos de luxo e moda, retratando a experiência dos nomes que comandaram a criação artística da marca francesa, além de situar a criação da Dior, em 1947.

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Professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), com passagens por Juiz de Fora em sua formação e mais tarde como professor do Instituto de Artes e Design, o pesquisador avesso a tecnologias como celular e computador defende a potência de uma casa que se fez no embate. Segundo João, homem de elegância equivalente ao amplo conhecimento, a marca francesa deixou marcas não apenas no vestir, mas também na economia.

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Considerado imortal após a cerimônia de posse, em agosto, na Academia Brasileira de Moda, João também deixa suas marcas na história da moda nacional. “Quando fui eleito, fiquei muito contente, porque representa um coroamento, sem ser pretensioso, do meu vínculo com a moda. Saí de Juiz de Fora em 1985, quando estava fazendo bacharelado em desenho mecânico e topográfico, para trabalhar com moda em São Paulo. Desenhei estampas, roupas e acabei me enveredando pelo magistério. Leciono história da moda desde 1990”, observa o pesquisador natural de Paraíba do Sul. “Para mim é importante porque me vejo reconhecido e vejo reconhecido o meu segmento. As pessoas querem fazer moda, transformar um pedaço de tecido, mas há a necessidade do lado acadêmico, tanto que hoje o Brasil é o país com mais cursos de moda no mundo.”

Tribuna – Dior tornou-se um nome maior que a própria marca?

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João Braga – Dior é meu estilista preferido. Gosto do trabalho dos outros que desenharam e desenham para a Casa Dior, mas ele é meu preferido. Acho que duas palavras podem resumir o estilo Dior: feminilidade e romantismo. Num pós-Segundo Guerra Mundial, quando a situação na Europa estava bem delicada, em função da guerra e da penúria toda, o Dior teve uma sacada de resgatar a feminilidade que ficou perdida, uma vez que as roupas femininas durante a guerra ficaram bem masculinizadas. Dior foi um ícone.

Curiosamente, ele acaba colocando por água abaixo toda a proposta de Chanel, que vinha sugerindo uma mulher independente, dona do próprio nariz, o que já tinha se imposto. Dior nada contra a corrente, e as mulheres aceitaram com a maior facilidade. Essa estética feminina e romantizada passou a ser a grande identidade da moda nos anos 1950. Nesses dez anos que separam o lançamento do New Look, até 1957, quando ele morre, ele foi uma referência da moda francesa e mundial. O que ele fazia, os outros iam atrás. O Dior foi um dos responsáveis pelo restabelecimento da economia francesa, porque o país usou do artifício da moda para se impor no mercado novamente, associada às exportações. Ele, mais do que atualizar uma silhueta, está ligado à história da economia e da cultura.

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Os costureiros que sucederam Dior estiveram à sua altura?
Cada nome que vai desenhar para uma determinada marca precisa estudar seu conceito. A moda precisa se atualizar aos tempos. Os nomes que se seguiram a Dior precisaram manter a identidade criada por ele, colocando, por certas vezes, premissas que não eram exatamente a realidade de Dior. Yves Saint Laurent, por exemplo, que era assistente de Dior e com a morte dele assumiu a direção artística, no início de sua coleção, até descaracterizou um pouco, lançando a linha trapézio, sem a identidade da cintura marcada e saia rodada que marca a Dior. Saint Laurent, outro gênio da moda, causou certo desconforto, mas aceitaram por ser um nome que estava começando, com chances de dar continuidade à marca.

A feminilidade e o romantismo continuaram existindo, mas diferente da silhueta de Dior. Depois ele saiu, convocado para a guerra na Argélia e voltou montando a própria casa de costura. Veio, então, Marc Bohan, que foi o nome que mais permaneceu, por quase 30 anos. Ele atualizou, mantendo a identidade, como Gianfranco Ferrè, até os anos 1990. Mas, de alguma forma, a Dior não estava numa linha de ponta como um grande nome lançador de conceitos e propostas. Como moda também é business, e eles precisam se manter financeiramente, demitiram Ferrè e contrataram John Galliano, um jovem que nasceu na Espanha e foi criado em Londres. Ele tem um misto da dramaticidade e do barroco espanhóis com a modernidade e a transgressão inglesas. Ele estava fazendo sucesso por levar as pessoas da alta elite francesa para ver desfiles na periferia de Paris. Independentemente do talento dele, o objetivo da marca era trazer uma nova cliente, já que a Dior estava sendo consumida por avós e mães. Galliano conseguiu isso. Então a casa voltou a ser uma lançadora de moda.

Christian Dior faria o que Galliano fez?
Mesmo o Dior atualizado aos tempos talvez não fizesse. Mas Galliano conseguiu trazer de volta o romantismo que havia se perdido com os movimentos de postura jovem, como o hippie, das décadas de 1960 e 1970; o punk, dos anos 1980; o streetwear, de meados dos anos 1990. Galliano, com toda a sua exuberância e excentricidade, conseguiu fazer com que as pessoas voltassem a sonhar no mundo da moda. Ele começou a se utilizar da multiculturalidade, misturando absolutamente tudo, colocando, num único desfile, Pocahontas com Ana Bolena numa estação de trem do século XIX em Paris. E todo mundo ficou de queixo caído.

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E qual é a realidade atual da marca?
A casa Dior deu uma apascentada, ficou um pouco mais pé no chão com o Raf Simons e, depois, com a Maria Grazia Chiuri. Eles continuaram mantendo a identidade, fazendo coleções lindas. Hoje, porém, dentro desse universo associado ao luxo, que é considerado um patrimônio cultural francês, existem as coleções de alta costura, mas para um público altamente privilegiado. No mundo, agora, devem ter cerca de 200 mulheres que são clientes de alta costura. Tão seletivo é esse universo! Já o prêt-à-porter é mais acessível, tem uma linguagem mais comercial. Só que toda e qualquer passarela tem uma lente de aumento que precisa do exagero para passar o conceito que o estilista deseja passar. A Casa Dior está superatualizada aos tempos, mas economicamente, não só a Dior, o que sustenta são os perfumes e as maquiagens. Isto é regra da alta costura: estar estabelecido em Paris e ter um perfume. Uma roupa que pode custar até U$ 300 mil não dá para todo mundo comprar. Mas um perfume de U$ 120 dá para muita gente comprar. Em último lugar está a roupa, que não dá dinheiro para a alta costura.

E como a Dior lidou com o surgimento de outras potências na moda?
Segundo consta em livros, 25% do PIB francês vem da área de moda, cosméticos e perfumarias. Então, a França não pode perder a oportunidade de ser o epicentro da moda. Nos anos 1980 tivemos os japoneses em Paris. Os italianos começaram a ficar em voga nos anos 1970, como o Armani, Versace, Moschino. A França teve como estratégia tirar força desses lugares. Por isso levou Gianfranco Ferrè para Paris, para desenhar Dior. Nos anos 1990, os ingleses começaram a se impor, como Alexander McQueen e Stella McCartney. Eles, então, demitiram Ferrè e contrataram Galliano. A Itália, hoje, tem ficado cada vez mais forte. Eles estão impondo um novo padrão estético, numa moda barroca e multicultural. Para fazer com que a França não perca força, então, contrataram a Maria Grazia, que desenhava a Valentino (italiana) com o Pierpaolo Piccioli.

A França é referência para o Brasil?
Luiz XIV foi um grande estrategista de criar essa França como conhecemos hoje, sendo o epicentro da moda. Paris, atualmente, divide espaço com outras cidades, como Milão, Nova York e Londres. Tókio também, e São Paulo, de alguma forma. Nós brasileiros, porém, temos uma postura de preferir o que vem de fora à nossa realidade. Dona Maria I, mãe de Dom João, que depois foi intitulada de Maria A Louca, proibia fabricação de tecidos sofisticados por aqui, era só algodão barato para fazer roupas de escravos. Portugal nunca se interessou em fazer do Brasil uma nação, mas apenas um local exploratório para seu enriquecimento. Com isso, estabeleceu-se em nosso DNA cultural que aquilo que vem da metrópole é melhor que o local. Moda no Brasil é tudo o que usamos com linguagem de moda. Moda brasileira é o que usamos com nossas próprias referências. A partir de Collor de Mello, com a abertura às importações, chegaram os tecidos da Ásia e as marcas internacionais. Com isso o Brasil caiu nas graças das grandes casas. Hoje o brasileiro não precisa viajar ao exterior para comprar produtos europeus ou norte-americanos dessas grandes marcas.

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Qual o lugar do nosso país na moda internacional?
Uma das características desse universo do luxo é a valorização do trabalho artesanal e o Brasil tem uma potência muito grande nesse aspecto, não com uma linguagem associada ao design europeu, mas ao design nativo, que valoriza nossas referências. Temos uma mão de obra extremamente qualificada. A moda, hoje, não tem uma única resposta. Ao mesmo tempo que tem a industrialização, existe a valorização do artesanal. Enquanto tem tecnologias sofisticadas nos tecidos, tem a valorização da sustentabilidade. Vivemos momentos de opostos e o Brasil está cada vez mais próximo de se associar aos conceitos do artesanal e do sustentável. Temos trabalhos de bordados e rendas incríveis. O problema da crise econômica, que assola o país, atinge todos os setores. O problema da educação de moda no Brasil não é um problema da moda, mas da educação, assim como o da economia da moda, que é relativo à economia e não à moda. Vivemos um momento delicado e as marcas brasileiros tem passado por algumas transformações para sobreviverem, buscando uma linguagem de caráter universal. Mas ainda estamos muito bem, obrigado, mantendo nossas semanas de lançamento e feiras, mesmo com todos os problemas existentes.

A Academia Brasileira de Moda, da qual tornou-se integrante neste ano, é resultado dessa moda original feita por aqui? O que tornar-se imortal representa em sua trajetória?
Fui saber quando já havia sido eleito, quando Hildegard Angel, filha da Zuzu, que é a presidente do Instituto e da Academia, me ligou em julho dizendo que houve uma reunião, uma indicação e eu tinha sido eleito. Confesso que chorei. A academia tem 50 cadeiras, mas até hoje somente 28 pessoas foram empossadas. Ela foi fundada em 1995, no Rio de Janeiro e tem como premissa maior a preservação da memória da moda nacional. E a Zuzu Angel é a primeira pessoa a buscar as próprias referências no país, quando se inspirou em nossas cores e em nossa natureza. Tanto é que ela dizia: “Eu sou a moda brasileira”. Ela falava isso quando o chique era se inspirar especialmente na França, fazendo uma adaptação à nossa realidade. Na moda masculina essa pessoa foi Luiz de Freitas, com a marca Mr. Wonderful. Nada mais justo, então, que a Academia Brasileira da Moda esteja no Instituto Zuzu Angel. Hoje está sendo criado, no Bairro Usina, no Rio, o Museu-Escola Zuzu, numa casa que era da família, reformada com patrocínio do Itaú Cultural. A intenção é que a academia esteja mais presente, atuando de maneiras diversas na área, para pesquisar e difundir a moda nacional.

“70 anos da Maison Dior”, palestra de João Braga
Neste sábado (21), às 17h, no Anfiteatro do CES/JF (Rua Halfeld 1.179)

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