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Outras ideias, com Maria da Glória Camargos

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Glorinha:
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Glorinha: “Eu saí da roça, mas a roça não sai de mim”

A escassez da comida na mesa deu força para Glorinha sair do chão de terra batida. Dos tempos de pouca fartura em casa, ao lado de sete irmãos, de um pai relapso e de uma mãe extremamente cuidadosa, a menina encontrou a garra necessária para não somente mudar a sua vida, como para fazer florescer a história daqueles que conheceram o mesmo solo. “No meio daquele povo pobre, tinha uma professora, que usava salto alto, bolsa a tiracolo, meia fina e tinha os dentes bonitos. Eu olhava e queria ser igual a ela”, recorda a senhora de 64 anos, nascida na comunidade rural Santa Isabel de Tocantis, Zona da Mata mineira.

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Para ter onde dormir e o que comer, ela mudou-se, ainda muito jovem, para a cidade. Largou o trabalho no campo e foi trabalhar como empregada doméstica, enquanto estudava. “Ralei e saí do fogão de madame e fui para a escola dar aula”, conta ela, que concluiu o magistério e logo depois fez o curso de contabilidade. Naquela época, despertou-se para outra inspiração. “A moça da Acar (Associação de Crédito e Assistência Rural) ia lá de jipe, e eu achava chique demais. Minha mãe ia para as reuniões da empresa e eu ficava olhando e aprendendo tudo”, diz. Foi então que fez a primeira prova para entrar na instituição e foi reprovada.

Na segunda vez, o teste contava com uma redação, pedindo que o candidato discorresse sobre a vida socioeconômica do homem rural. “Sendo eu uma pessoa que veio do meio, descrevi minha própria realidade.” Passou. Tornou-se técnica em bem-estar social, multiplicando sua renda e fazendo a mão sorrir – um sorriso que não lhe sai da cabeça – ao ver o primeiro contracheque. Trabalhando com as famílias rurais, ela morou em diversos municípios – alguns infinitamente pequenos, outros maiores -, até no Vale do Jequitinhonha, casou-se (quando à extensionista não era indicado) e teve duas filhas (uma advogada e a outra jornalista). Pedagoga formada, Maria da Glória Camargos já concluiu seis pós-graduações, sempre equilibrando a rotina acadêmica com a prática das mãos na terra.

Ao se tornar coordenadora regional de bem-estar social, trabalhando na Empresa de Assistência e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), nome atual da antiga associação, Gloria despertou a atenção do Banco Bamerindus. Era 1994, e a instituição financeira, já extinta, procurava exemplos de vida. A profissional que batia ponto em um escritório dentro da Universidade Federal de Viçosa, mas vivia andando pelas estradas poeirentas, era “gente que faz”. “A revista ‘Globo Rural’ queria comemorar o Dia da Mulher e procurava uma pessoa que trabalhasse com as mulheres rurais. Indicaram meu nome, e eu aceitei. Fiz a matéria, e depois o banco me ligou”, conta. Uma repórter acompanhou a rotina dela e, em rede nacional – no horário do “Jornal Nacional” -, exibiu o pequeno filme, de cerca de três minutos, narrando o caminho emocionante de uma mulher que diz aos quatro cantos: “Eu saí da roça, mas a roça não sai de mim”.

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A paisagem da propaganda já não é a mesma. O que Glória conheceu agora está no passado. “Em alguns aspectos, a vida no campo melhorou muito, como em relação à tecnologia. Mas também perdeu muito, e perdeu a principal coisa que um ser humano pode ter na vida: a autoestima. O produtor rural tanto bateu a cabeça, que acabou desabando”, comenta. “Por outro lado, eles têm tomado consciência e estão se profissionalizando. Há algum tempo, surgiram políticas públicas que vão resgatar a zona rural”, pondera, citando o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), ambos de incentivo à produção no campo e com os quais ela lida diariamente.

Com os olhos brilhando, a mulher que há mais de uma década radicou-se em Juiz de Fora, no escritório regional da Emater, conta dos encontros que têm com as mulheres rurais, das palestras que já deu para mais de mil produtores e da alegria ao ver famílias encontrarem a prosperidade que também conheceu. Prestes a se aposentar, ela quer muito mais. Espera ser aprovada em um mestrado e deseja, ainda, poder concretizar projetos de assistência à mulheres e jovens em situação de risco. “Quero dar amor, carinho, acolher todo mundo”, pontua, sorrindo na certeza de que foi nessa Minas profunda que compreendeu que sua família ia muito além dos sete irmãos.

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