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Murilo, o poeta está vivo

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Um escritor vive por criar e sobrevive por ser recriado. Longe do leitor, um autor está morto. Há alguns anos, Murilo Mendes tem escapado do alcance das mãos das gerações mais novas. Falta o poeta inteiro, múltiplo e gigante, o que quatro livros recém-chegados às livrarias esperam apresentar. Um acerto de contas com o tempo. Em parceria com a Editora UFJF, com o Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm) e com a Pró-reitoria de Cultura, a editora paulista Cosac Naify lança o título de estreia do poeta, “Poemas”, de 1930; o último, “Convergência”, de 1970; a prosa considerada obra-prima “A idade do serrote”, de 1968; e uma antologia poética inédita.

“A última edição da antologia de Murilo é de 1994, está esgotada, é cara e difícil de manusear. Ela, principalmente, tem muitos erros – gralhas e mudanças de versos. Por isso, pensamos em uma apurada, mas não crítica. Lemos a última edição publicada em vida e comparamos com o aparato crítico da Luciana Stegagno Picchio”, explica o professor de literatura brasileira da Universidade de São Paulo, Murilo Marcondes de Moura, responsável pela curadoria do projeto, ao lado do pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, Júlio Castañon Guimarães, e do coordenador editorial da Cosac Naify, Milton Ohata. No próximo ano, anuncia Marcondes de Moura, professor de Literatura da USP, serão lançados outros quatro títulos: As Metamorfoses, Tempo Espanhol, Poliedro e Retratos-Relâmpago.

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Segundo Ohata, o desejo é, muito mais que retornar o poeta à literatura, resgatá-lo à cultura brasileira, tamanha sua grandiosidade. “Todo o processo que desemboca agora vem como um presente para o museu, porque também trabalha na formação de novos leitores. Essas reedições, com a qualidade apresentada, coloca Murilo em seu devido lugar na literatura nacional e internacional”, comemora a professora da Faculdade de Letras da UFJF, Nícea Nogueira, diretora do Mamm. “Além da questão da apresentação do texto, que vai do papel ao tipográfico, já enriquecendo a fruição da leitura, os posfácios, feitos por estudiosos da obra, nos direcionam para um novo lugar na trajetória do poeta”, completa.

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Experimentalismo singular

Cara ao poeta, a questão estética logo se evidencia nas capas dos quatro títulos, que compõem o projeto de reedição da obra completa de Murilo Mendes e deve durar quatro anos, no mínimo. Com referências ao construtivismo, o título dos livros são desconstruídos em preto, sob um fundo colorido, destacando, ao centro, o nome do poeta, em prata. A contemporaneidade expressa na capa provoca o leitor para a atualidade de um escritor considerado pela crítica especializada à altura de Carlos Drummond de Andrade, seu contemporâneo direto, Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto.

“Esses são os poetas mais amados no Brasil. Murilo tem uma grandeza semelhante, mas também tem diferenças muito grandes. E a singularidade dessa voz talvez faça com que ela não seja ouvida da mesma forma. Mas não podemos medir o gigantismo de um poeta pela sua audiência”, pontua Murilo Marcondes de Moura. “Ao lado das inquietações intelectuais e espirituais, em sua obra estão presentes desde a vida urbana brasileira dos anos 1920-30, ou seja, do Brasil ainda agrário e arcaico, passando pelo imenso impacto da Segunda Guerra Mundial, até as turbulências sociopolíticas dos anos 1960-70, vividas pelo autor na conturbada Itália dessa época”, analisa Júlio Castañon Guimarães, no posfácio da antologia.

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Editada em versão comercial, a reunião de poemas representativos da produção do poeta também se apresenta em tiragem especial, com acabamento luxuoso. De capa dura, com um disco no qual Murilo declama oito de suas mais de 1.800 criações, a antologia organizada por Moura e Guimarães conta com um caderno de imagens com fotografias do autor e com algumas das obras de sua pinacoteca, hoje integrantes do museu que leva seu nome. Ainda não é uma versão definitiva, mas esse percurso está próximo. “A versão definitiva só existirá quando as anotações feitas por Murilo estiverem de posse da editora”, comenta Moura, referindo-se aos papéis pertencentes à pesquisadora Luciana Stegagno Picchio, organizadora de sua maior antologia. Atualmente, a universidade negocia o material.

De acordo com Moura, “a obra de Murilo é um dos grandes legados da lírica brasileira no século XX”, e seu caráter experimental é o que mais o aproxima dos dias de hoje, além do virtuosismo ao manipular diferentes estilos e formas. Prova disso é “A idade do serrote”, no qual recompõe as próprias lembranças, já maduro e longe de suas raízes, morando na Europa. “Ele refaz o passado e mostra o refinamento que adquiriu desde a infância. Ele recria uma história íntima de como se tornou escrito”, aponta Moura em relação à obra que tem Juiz de Fora como um dos principais cenários. “O fascínio da ficção alia-se ao prazer de reavivar os instantes descontínuos do passado (daí, a reelaboração poética das cenas perdidas), e os dois vêm impregnados pelo desejo insistente de saber de si”, avalia a professora de Letras da USP e pesquisadora, Cleusa Rios Passos, que fez o posfácio da reedição.

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A cidade em festa

O lugar onde Murilo Mendes viu o cometa Halley e sobre o qual sempre retornou em suas palavras será o primeiro a festejar as reedições. Na próxima quinta, 25, e na sexta, 26, o Museu de Arte Murilo Mendes realiza mesas redondas, concerto, exibição de documentário, leituras poéticas e o coquetel de lançamento das obras. Entre os convidados, estão o professor e crítico literário Silviano Santigo, que escreveu o posfácio da reedição de “Poemas”, a escritora memorialista Rachel Jardim, também juiz-forana, a pesquisadora da Unicamp Maria Betânia Amoroso, o jornalista do programa “GloboNews Literatura”, Claufe Rodrigues, o poeta Francisco Alvim, as estudiosas Leila Barbosa e Marisa Timponi, entre muitos outros.

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