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‘O verso livre quando é benfeito não é livre’

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"Escrever, mas não por ter vontade:/ escrever por determinação./ Não que ainda haja necessidade /(se é que já houve) de autoexpressão", escreve na primeira parte do poema "Oficina", do mais recente livro "Formas do nada" (Companhia das Letras, 80 páginas), o professor e escritor Paulo Henriques Britto, 63 anos. Considerado uma das mais potentes vozes da poesia contemporânea brasileira, seja escrevendo, seja pesquisando, o prestigiado escritor confirma em apenas oito títulos, lançados em seus 25 anos de carreira literária, a dicção bastante própria de quem sabe o terreno que pisa. "Na minha geração, todo mundo queria ser João Cabral: a poesia tem que ser disciplinada e não pode ser subjetiva. Hoje em dia, não tem disso, os modelos podem ser os mais diferentes possíveis", conta Paulo, em entrevista por telefone à Tribuna. Elogiado pela crítica especializada e reverenciado no meio literário, o tradutor da obra de autores como Elizabeth Bishop, Thomas Pynchon, Philip Roth, Charles Dickens, entre outros, tem olhos para o passado e para o presente.

"O que se vê nesse livro são as marcas inconfundíveis de um autor que possui uma gramática própria. As expressões triviais da fala, a dialética e o chiste inteligente, o modo como se articulam dentro da forma clássica, compõem essa gramática singular que subverte a distinção entre clássico e moderno, tornando-os uma coisa só", pontuou a poeta Mariana Ianelli em crítica de "Formas do nada", publicada no caderno "Prosa e verso" do "Globo". Convidado do Eco – Performances Poéticas deste mês, o carioca – um dos mais queridos professores da PUC-Rio, nos cursos de letras e formação de escritor, e vencedor de prêmios como o Portugal Telecom, em 2004 – lê alguns de seus poemas nesta sexta, em noite que divide com os também poetas Edimilson de Almeida Pereira (o qual aponta como um dos melhores dessa geração), Fabrícia Valle (em pré-lançamento do livro "Baião de uma") e Anderson Pires.

 

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Tribuna – O "Formas do nada" foi muito bem recebido pelo público e pela crítica. O que há de diferente nele dentro de seu percurso?

Paulo Henriques Britto – Vejo sempre uma continuidade. De forma geral, as pessoas acharam o livro mais pesado que os anteriores, o que acho que tem a ver com a idade. Eu mesmo percebi certo tom de cansaço, há humor também. A diferença principal que vejo é que cada livro reúne, em média, o trabalho de seis ou sete anos. Esse livro, praticamente tudo o que está nele, foi escrito num intervalo de pouco mais de um ano. Foi um ano, 2010, anormalmente produtivo. Imagino que deva haver mais unidade.

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– Quando fala desse cansaço confirma que a poesia é resultado da experiência…

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– Sem dúvida, só é. A matéria-prima do trabalho de qualquer artista é sua vida, as obras que leu, mas não só isso. Tem toda uma ligação muito clara com o que você vive e o que escreve. Não há como não inserir isso no trabalho.

 

– Como é seu processo de criação?

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– Não tenho certa disciplina. Trabalho muito, mais como professor ou tradutor. Meu trabalho de escrita é quando tenho tempo, quando acontece. Há coisas que, evidentemente, me influenciam a escrever mais: quando há uma cobrança, quando me convidam para escrever um poema em cima de algo. A maior parte do estímulo é interna. Há épocas em que produzo mais, há épocas em que produzo menos. O ano de 2010 foi diferente, mas o normal é aproveitar por ano uma média de cinco ou seis poemas. Produzo mais do que isso em rascunho, mas tendo a elaborar no máximo seis poemas. Aquilo passa por uma reescrita, reescrita, reescrita, e quando vejo que há um número razoável para fazer um livro começo a agrupar. Normalmente dou títulos a grupos – muitos individuais não têm títulos. Vou vendo que há afinidades formais ou semânticas. À medida que faço isso, me sinto incentivado a escrever mais. Tem sempre uns poemas que saem nessa hora. Se sinto que tem um grupo de três ou quatro poemas que levantam uma questão, faço um outro para aprofundar ou responder. O último livro foi bem diferente, mas, de lá para cá, praticamente não escrevi mais nada.

 

– De que forma a sala de aula interfere ou influencia sua criação?

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– Na PUC, quando dou oficinas de criação poética para a graduação, proponho uma série de exercícios. Boa parte do curso consiste em eu mandar uma quantidade imensa de poemas para os alunos, por e-mail, para lerem e discutirem em sala. Nessa de selecionar, discutir e propor ideias, acabo embarcando, e dali resulta um poema novo.

 

– E qual a sua avaliação dessa nova geração?

– Algumas coisas já podemos dizer. Em primeiro lugar, o que já é um lugar comum, é que não existem mais escolas. Tem muita gente escrevendo, muita exposição, muitas editoras publicando poesia. E eu até me propus a não ler blogs de poesia, porque senão não tenho tempo de fazer mais nada. É muito difícil detectar movimentos assumidos. É claro que, no futuro, os historiadores da literatura vão pegar o que sobrou dessa enxurrada de versos e ver tendências. Para quem está no meio da coisa fica mais difícil. O que posso dizer é que o poeta jovem de hoje tende a ser uma pessoa muito ligada em poesia de outras línguas, quase todos fazem tradução de poesia. Outra coisa é que muitos dos poetas atuais têm algum tipo de inserção acadêmica, ou cursam letras ou são professores da área. Boa parte dos poetas modernistas fazia outras coisas, Mario de Andrade era professor de música, e muitos eram diplomatas. Agora não, um número muito grande de poetas é professor ou estudioso que atuam na área de letras. Há, ainda, um número muito grande de mulheres escrevendo poesia. Praticamente, a grande linguagem comum agora é o verso livre. Existe uma corrente minoritária trabalhando com formas fixas. Ao contrário do que aconteceu no século passado, em que adotar o verso formal vinha com uma postura anti-moderna de restaurar valores eternos, hoje uma coisa não tem nada a ver com a outra. Há poetas que trabalham com formas tradicionais e fazem uma poesia que não tem nada de reverente ao passado. Um bom exemplo disso é o Glauco Mattoso, poeta paulistano que escreveu 5.555 sonetos, clássicos, dentro dos moldes camonianos, com uma temática pornográfica e irreverente, sem compromisso com o passadismo.

 

– Em um de seus ensaios, você diz que o verso livre não é tão livre assim. O que existe nele?

– Na verdade, o verso livre quando é benfeito não é livre. O poeta vai criando regras à medida em que escreve, o que torna o poema interessante. Claro que existe muita poesia em verso livre que não tem regra alguma, mas, normalmente, é uma poesia ruim. O lado mau do verso livre foi que ele facilitou a escrita da má poesia.

 

– Existe hoje uma grande admiração dos jovens poetas por sua trajetória. Como dialoga com essa geração?

– Já estou há alguns anos nesse projeto de estudar a poesia contemporânea, e isso me obriga a estar em contato com eles. Embora meu trabalho tenha marcas de uma outra época, e eu não poderia fazer o que eles fazem agora, entendo esse momento e acho que tem coisas muito boas saindo agora. Acho que um dos nomes mais interessantes da poesia brasileira contemporânea é um poeta daí, o Edimilson de Almeida Pereira, um poeta excepcional. Ele tem muita coisa publicada, e é uma pena que não tenha a divulgação que merece ter dentro do Brasil.

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