Que Minas Gerais são muitas não há dúvidas. Cada curva das estradas dos interiores do estado revela uma nova história, um novo pedaço ou sabor. Principalmente as pequenas cidades, já que visitá-las é como estar diante do passado: conhecer o que era Minas Gerais quando tudo era ainda ouro e mato. Centenas de anos depois, com a mudança dos bens econômicos e das próprias culturas, algumas delas ainda preservam esse passado, principalmente através dos costumes e das casas e fazendas tombadas. É o caso de Santana dos Montes: cidadezinha próxima a Conselheiro Lafaiete e que os leitores da Tribuna conhecem nesta reportagem, que dá continuidade a uma série especial sobre a Estrada Real, a partir da viagem proposta pela Secretaria de Cultura e Turismo do Estado de Minas Gerais (Secult-MG) a jornalistas de todo o país.
Santana dos Montes surgiu por volta de 1720, a princípio como um ajuntamento de fazendeiros que produziam alimentos para a região de Ouro Preto, que, na época, era o centro de todas as atenções. Sua localização é estratégica e facilitava o escoamento. Chamava-se, a princípio, Morro do Chapéu e, depois de anos de adaptações quanto à produção local, que passou pela agricultura e pecuária, recebeu este nome e se voltou, principalmente, ao turismo rural. Isso aconteceu por estar, dentre outros fatores, cercada pela Serra do Espinhaço e possuir reservar da Mata Atlântica, com várias trilhas e cachoeiras.
Casarões de história
Mas é nas casas que a história, de fato, reside. Os caminhos de Santana dos Montes direcionam a uma grande e arborizada praça, rodeada de casas que remetem ao início da ocupação da cidade. No alto dela, uma simples igreja barraca que, como de costume, se desvela no abrir das portas. Com um interior também simples, mas impactante, a Igreja Matriz de Sant’ana foi construída praticamente junto com a fundação do vilarejo. Suas portas e janelas são originais, e as imagens são do século XVIII e XIX, além de conter pinturas de Francisco Xavier Carneiro.
Bem ao lado da igreja, uma outra importante construção chama atenção. É o Solar dos Montes: um casarão também do século de fundação de Santana dos Montes e que foi restaurado pelos aturais proprietários, Ana e José Maria Medina, que transformaram o lugar em um hotel. Com todo cuidado, entrar no Solar é como entrar na história. E o ambiente pacato contribui com essa sensação.
Mas nem só de calmaria se vive a cidade. Isso porque Santana dos Montes é também conhecida pela produção de bebidas artesanais, como cerveja, cachaça e vinho, e a maioria das fábricas é aberta aos turistas.
Além disso, os próprios moradores mantêm vivas algumas tradição também seculares. Exemplos disso são a Festa do Rosário, a Folia de Reis e o Congado. Acontece, ainda, geralmente em julho, a Festa da Padroeira, com uma programação diversa e extensa para celebrar a padroeira de Santana dos Montes. São festas religiosas, mas que também contam a história de formação e funcionam como um encontro popular, principalmente de resistência.
Mas nem toda tradição resiste, realmente, ao tempo. É o caso da viola caipira: instrumento que acompanhou o descobrimento do Brasil, mas que, por tempos, ficou longe dos holofotes, inclusive em Santana dos Montes.
Viola de Santana dos Montes
“A história da viola no Brasil é bonita porque se mistura com a nossa própria história”, afirma o violeiro Rogério Rodrigues de Castro. Ele conta que o instrumento veio para o Brasil junto com os portugueses, e era usado, principalmente, pelos jesuítas no processo de catequização dos indígenas. “Porque ela tem um som muito forte e, por isso, tem muito poder.” Os brasileiros, gostando do instrumentos, passaram a usá-lo também da forma como queriam: em festas religiosas e pagãs, sobretudo nos interiores e nos momentos de descontração. O modo de fazer e o modo de tocar foram mudando com o tempo e, no Brasil, o instrumento recebeu o nome de viola caipira.
“Quando a igreja teve a oportunidade, ela começou a desfazer da viola, que vai para o interior. Ficou esquecida”, afirma Rogério. Exatamente por estar inserida na rota do ouro, Santana dos Montes, acredita-se, tinha, sim, o costume das violas. Mas isso foi se perdendo. O instrumento era usado, principalmente, em outros movimentos da cidade, como a Folia de Reis.
O violeiro Chico Lobo foi à cidade e acabou por assistir à Folia de Reis. Ao ver os violeiros do grupo, de imediato, sugeriu que se criasse uma escola, para resgatar e apresentar o instrumento à nova geração. Assim foi feito: em maio de 2005 nasce a Escola de Violeiros Chico Lobo.
Seus fundadores são, principalmente, foliões, que, agora, são mestres na escola, como é o caso de Rogério. Ele conta que, no começo, o trabalho foi de “cavar o espaço” e aproximar a viola principalmente dos mais jovens, com o intuito de fazer perdurar o movimento. Nesse tempo, houve uma espécie de recuperação da viola, que se tornou patrimônio em Minas Gerais e ganhou um dia para sua celebração, comemorado neste mês, em 13 de julho.
Continuidade
Na Escola de Violeiros de Santana dos Montes, o processo, de acordo com Rogério, começa já no ensinamento do que é a viola e, depois, no modo de tocar. Diferentes módulos são trabalhados até que os alunos passem a ocupar o grupo de apresentação, que tem rodado o Brasil apresentando um pouco da cidade e, também, da história da viola. “Com o iniciante, a gente explica o que é a viola caipira, que está aberta a diversos ritmos, sendo mais conhecidos os cururus, as toadas, os pagodes. Depois ensina a mão direita que faz a toda, trabalha a escala. Na escola tem pessoas de 6 a 80 anos. E a viola nivela. Não tem gênero, cor, idade. Você entrou, é violeiro.”
Atualmente, a escola conta com 30 violas, e o intuito é fazer com que os alunos se apresentem para além do grupo, tornando-se, de fato, músicos – o que tem acontecido. “Tem final de semana que eles tocam. Eles já ganham o cachê deles. Fica além da escola. Tem um tempo que eu estou aqui. Mas terá um tempo em que eu não vou estar aqui mais. Eles têm que ter essa tendência para caminhar. Eles não podem ficar presos à escola e nem a escola a eles. Eu vim para cá por isso, porque a viola não pode acabar”, conta.
Existe ainda um encontro entre os movimentos de cultura popular em Santana dos Montes. A viola é um exemplo porque é formada por muitos foliões. Enquanto Rogério dava entrevista, os violeiros tocavam “Cálix Bento”, música ligada à folia e que mostra esse encontro entre o popular e o religioso que, na verdade, resume tanto a história da viola quanto da cidade.