Iniciadas com as mesmas letras, as palavras resignação e resiliência se distinguem em significado. Enquanto a primeira diz respeito a certa aceitação sem revolta, a segunda refere-se à capacidade de adaptação. No vocabulário de vida da atriz Ana Rosa, tratam-se de equivalentes. Em “Violetas na janela”, livro escrito pelo espírito Patrícia e psicografado por Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, tratam-se de termos que fundamentam qualquer trajeto. Na peça que reúne a artista e o texto, as palavras são norte. Para todo florescer, há os que se resignaram e os resilientes. Longevos, a trajetória da atriz e o espetáculo expressam os termos postos em prática. Em 2017, Ana Rosa completou 75 anos e 20 anos de “Violetas na janela”, montagem produzida despretensiosamente que ancora no Cine-Theatro Central neste sábado, 22, às 21h.
“Há 21 anos, uma filha desencarnou às vésperas de completar 19 anos. Ganhei esse livro de uma vizinha, e meu marido e minha outra filha também ganharam. Nós já frequentávamos o Seara Fraterna, que fica no Catete. A cada seis meses, o centro espírita fazia um bazar para arrecadar fundos para despesas sociais. Depois que Ana Luisa desencarnou, fomos convidados, eu e meu marido (o ator Guilherme Corrêa, de quem ficou viúva em 2006), para um evento, e eu sugeri que trabalhássemos com o livro”, conta a atriz, por telefone, à Tribuna. Em um ano, o casal fez surgir o espetáculo, que logo ganhou o palco profissional, em 7 de maio de 1997.
“Até então, eu nunca tinha dito abertamente a minha religião. Como não tinha porque esconder, seguimos em frente”, diz Ana Rosa, apontando para os acordados três meses iniciais no Teatro Vannucci, no Shopping da Gávea, em horários alternativos. “Para minha surpresa, na segunda ou terceira semana, nos foi pedido uma segunda sessão para as pessoas que aguardavam do lado de fora. Eu perguntei quantas eram. A responsável pelo teatro me disse: tem 50 pessoas lá fora. Todos aceitaram, e fizemos uma segunda sessão. Dali para frente, começamos a lotar duas sessões, às terças e quartas, e ainda abrimos um terceiro dia. Começamos a vender ingressos antecipadamente, e até cambistas apareceram”, recorda-se a atriz, responsável pela montagem de maior bilheteria daquele ano no Rio de Janeiro.
Naquele ano, diferentemente do que temia, Ana Rosa foi convidada para três diferentes produções televisivas. Aceitou interpretar Camila, na novela global “Corpo dourado”, um dos 63 trabalhos que lhe deram o título de atriz com maior participação em novelas e seriados do mundo segundo o Guinness Book. “Desde que entrei no livro, em 1997, tenho feito pelo menos uma obra por ano. Por enquanto, ninguém me passou”, ri a artista que se envolveu com as artes ainda no ventre da mãe, artista circense do interior paulista.
“Comecei na TV Tupi em 1964. Foi a primeira novela gravada em videoteipe da Tupi. Na época, fui divulgar uma peça de teatro no programa ‘Almoço com as estrelas’, do Airton e da Lolita Rodrigues, e fui indicada para o Cassiano Gabus Mendes”, lembra a protagonista de “Alma cigana”, um estrondoso sucesso. “O vedeoteipe exigia um cuidado extremo. Era a primeira novela diária em horário noturno. Dava 2% de Ibope nessa faixa de horário e, após os primeiros capítulos da novela, foi subindo até chegar a mais de 50% do Ibope no fim. Finalizamos a novela com 44 capítulos, o que era inimaginável para a época.”
Veterana, Ana Rosa passou por diferentes canais e participou de importantes produções, como a revolucionária “Beto Rockfeller”, de 1968. Na próxima quinta-feira, aparece no episódio do seriado “A fórmula”. Onipresente na telinha, tornou-se símbolo da docilidade expressa na maioria dos papéis que acolheu. “Tenho um outro lado. Sei que passo a imagem de candura ou docilidade. Tanto é que quando faço uma vilã, como em “História de amor”, as pessoas não gostaram. Não porque eu não convencia, mas porque o público julgava que não combinavam comigo as maldades de Dalva”, pontua.
‘As perdas são inevitáveis’
História de uma jovem que, após adoecer e desencarnar, relata em psicografias a vida no plano espiritual, que tinha as mesmas flores cultivadas pela mãe na janela da cozinha, a peça e o livro “Violetas na janela” oferecem à Ana Rosa dois de seus grandes papéis: o da atriz veterana, cuja narrativa profissional está intimamente entrelaçada à história da TV no Brasil, e também o da militante espírita comprometida com a doutrina que lhe ofereceu conforto nas dores que tanto marcaram sua estrada.
“Quando o Mauricinho (filho dela com o eterno trapalhão Dedé Santana) desencarnou, eu estava com 18 anos, e fiquei muito revoltada. Fui criada na Igreja Católica e conhecia o espiritismo por alto. Literalmente briguei com Deus. Por que meu filho? Por que comigo? O Augusto César Vannucci (ator e diretor) me presenteou com o ‘Evangelho segundo o espiritismo’. Li, entendi, mas não segui. Fui fazer televisão, minha carreira deslanchou, vieram os outros filhos (oito, no total). Quando fui fazer uma novela com o Carlos Augusto Strazzer (ator e diretor), comentei com ele que minha vida estava uma loucura. Ele me sugeriu ir ao centro espírita para tomar um passe. Foi então que passei a frequentar”, recorda-se a atriz.
Quando Ana Luisa, aos 19, foi embora, Ana Rosa tinha o cobertor necessário para enfrentar aquele rigoroso frio. “A dor existe, mas quando sabemos que não somos uma carne com um espírito animado, pelo contrário, somos um espírito revestido de carne, isso nos dá um consolo muito grande. Não fiquei revoltada. Não tivemos raiva da pessoa que atropelou minha filha e fugiu. Essa doutrina nos dá a ferramenta para encarar as vicissitudes da vida. Estamos aqui de passagem, e as perdas são inevitáveis”, ensina.
Para a atriz, que no ano passado deu vida à Zuza de “A lei do amor”, o autoconhecimento proporcionado pela religião lhe permitiu acessar com mais sensibilidade as tantas personalidades que lhe são entregues no ofício de atriz. Também lhe auxilia no cotidiano de um meio tão repleto de vaidades e fugacidades. “É inevitável que, trabalhando em TV e teatro, divulguemos o trabalho. Mas isso é diferente de usar sua personalidade para que as pessoas te admirem. Em ‘Violetas na janela’ divulgo meu trabalho e a doutrina espírita. As pessoas devem assistir não porque sou eu, mas porque somos 14 atores no palco, temos uma trilha sonora belíssima do Claudio Suísso, e uma mensagem importante, de que existe um poder superior capaz de você se conectar a ele.”
Para Ana Rosa, as mensagens valem mais. Por isso, sua resposta precisa à pergunta sobre o passar do tempo. Sente o peso da idade? “É um exercício. Quando a gente passa dos 40, é inevitável o envelhecimento. É um exercício de aceitação. A própria vida ajuda a gente com compensações incríveis, como meus seis netos. É uma delícia tê-los. Curto mais do que quando tinha meus filhos. Naquela época, eu precisava administrar os sete filhos e o marido. Hoje posso curtir os momentos cotidianos. Aceitar a velhice não é deixar de se cuidar. Cuido muito da minha saúde e da alimentação. A beleza vem de dentro”, diz. “Não troco toda a minha experiência de vida para ter meus 20 e poucos anos. Fui uma mulher bonita, mas existe beleza em todas as idades. Isso, meu amor, é envelhecimento.”