O filme “A hora da estrela” volta para os cinemas quase quarenta anos depois de ter sido exibido pela primeira vez, dessa vez em 4K. A obra da diretora Suzana Amaral adapta o romance da escritora Clarice Lispector, e escolhe focar na personagem Macabéa, uma nordestina que se muda para São Paulo e que está tentando entender a si mesma e ao mundo ao seu redor. O filme ganhou diversos prêmios, incluindo o Festival de Cinema de Brasília e o Urso de Prata de Melhor Atriz para Marcélia Cartaxo no Festival Internacional de Cinema de Berlim, sendo também reconhecido como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abbraccine). Por isso, o processo de remasterização destaca a qualidade do filme e faz com que chegue às novas gerações. O longa também é considerado uma boa maneira de começar a conhecer a obra de Clarice LIspector. Além de informações sobre esse processo de remasterização do filme, que ainda não tem data para ser exibido em Juiz de Fora, a Tribuna também faz indicações de outras obras para quem quer começar a conhecer o trabalho de Clarice Lispector.
O processo de remasterização de “A hora da estrela” foi feito através do projeto Sessão Vitrine Petrobras, com o apoio da Cinemateca Brasileira. Com isso, o filme teve desenvolvida a sua versão digital, com qualidade de imagem em 4K, quatro vezes maior que Full HD. Esse processo já foi realizado em filmes como “Poderoso Chefão”, e levou três anos para ser concluído. A remasterização das obras acontece de forma artesanal, sendo preciso passar por diversas etapas, que incluem restauração dos negativos, reparação de manchas e conserto de rasgos. O processo final inclui o uso de softwares e outras tecnologias de estúdio para ser concluído.
No caso de “A hora da estrela”, o resultado trouxe o aumento de qualidade de uma obra que já era consagrada no cinema brasileiro. O filme havia sido um projeto de baixo orçamento, marcando a estreia de Suzana Amaral na direção. Ao voltar para as salas de cinema, em 2024, o filme continua dizendo muito sobre o momento atual e trazendo reflexões subjetivas importantes. A história se desenrola enquanto a personagem trabalha como datilógrafa e se relaciona com Olímpico de Jesus, outro imigrante nordestino. Macabéa busca conforto em planos inalcançáveis para o futuro, inclusive consultando uma cartomante, que lhe dá enfim as respostas que ela deseja ouvir.
Sobre esse processo de criação do filme e sua relação com o livro, que foi lançado em 1977, Suzana Amaral afirma, em entrevista concedida à Universidade Federal do Paraná no ano de 2018: “Eu não adapto obras literárias, eu as transmuto. Eu transformo o livro depois de uma análise profunda, quando vou ao cerne do livro, ao coração do livro, no subtexto. Eu entro no espírito do livro e de seus fatos mais importantes. Eu faço uma recriação. Não tenho respeito nem escrúpulo algum. Sempre deu certo, em todos os meus filmes. Clarice dizia: ‘O que importa não são as palavras, é o que está atrás das palavras’. Junto com meu extrato íntimo, faço uma simbiose entre mim e o autor. Assim nasce a transmutação, ou seja, meu filme.”
Confira obras para começar a ler Clarice Lispector:
“Felicidade clandestina”
O livro “Felicidade clandestina” reúne alguns dos contos mais célebres de Clarice Lispector. Entre eles, está o conto que dá título ao livro, que traz a perspectiva de uma criança esperando ansiosa para ter acesso ao livro que é objeto de seu desejo, e ainda o conto “O ovo e a galinha”, em que a partir dessas duas figuras vão sendo desenvolvidas várias reflexões sobre a vida nas quais a autora explora temas como a perda da inocência, as relações familiares, as frustrações e as distâncias.
“Uma aprendizagem ou o Livro dos prazeres”
“Uma aprendizagem ou o Livro dos prazeres” apresenta aos leitores os personagens Lóri e Ulisses. Os dois se conhecem por acaso, e começam um relacionamento que foge dos padrões, mas que busca a entrega total. Nesse livro, é possível entender melhor a questão da experimentação de linguagem que Clarice Lispector faz em seus livros, principalmente através do uso da pontuação, e como isso está relacionado com os temas que mais lhe interessam.
“A descoberta do mundo”
“A descoberta do mundo” pode ser uma boa forma de começar a ler Clarice Lispector. Apesar de ser uma edição com mais de 600 páginas, todos os textos ali reunidos são curtos, já que foram originalmente como crônicas no Jornal do Brasil de 1967 a 1973, e que podem ser lidas individualmente. No conjunto, essas crônicas trazem para o leitor um panorama maior da obra de uma das escritoras mais importantes do Brasil, do ponto de vista subjetivo e com um olhar original para as sutilezas do cotidiano que marcam a autora. A informalidade maior que Lispector apresenta ao escrever esses textos também pode ajudar o leitor a se situar em sua obra, que mesmo nos textos aparentemente mais leves e atentos ao cotidiano continua sendo densa ao olhar com profundidade para o ser humano.