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‘Violetas na janela’, com Ana Rosa, chega pela terceira vez a Juiz de Fora

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Para Ana Rosa, aos 80 anos, estar no palco, há tanto tempo, falando sobre a vida após a morte, é como se fosse sua missão (Foto: Divulgação)
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São 26 anos depois da estreia da peça “Violetas na janela”, e Ana Rosa ainda afirma ter muito o que falar sobre ela. A atriz veterana é quem assina a adaptação do livro, psicografado por Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho, para o teatro. É ela também quem dirige a peça, junto com Guilherme Correa. Além de tudo, é ela quem, há 26 anos, roda o país interpretando várias personagens do espetáculo. Jornada tripla que, no entanto, não cansa Ana Rosa, aos 80 anos. Estar no palco, há tanto tempo, falando sobre a vida após a morte, é como se fosse sua missão. “Eu faço esse espetáculo porque me traz uma satisfação muito grande. Não me cansa. E, se eu parar, ninguém continua. Então, enquanto eu tiver saúde, eu vou seguindo, até quando Deus quiser.”

“Violetas na janela” conta a história de Patrícia. Sua passagem é tratada de maneira leve, com pitadas de humor, para que o público saia do teatro com sentimento de conforto diante de um assunto ainda encarado com dificuldade. Foi conforto para Ana Rosa, que lidou com várias perdas. É conforto para quem assiste e reassiste. Pela terceira vez, a peça chega a Juiz de Fora, neste domingo (21), no Cine-Theatro Central, a partir das 18h. Um convite para assistir ou reassistir, afinal: “O espetáculo nunca é o mesmo: o texto é igual, as marcações são iguais. Mas dependendo do retorno do público, a gente se sente mais motivado. Não quer dizer que a gente faça com menos vibração ou amor. Mas você sente um retorno. É diferente”.

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Tribuna: Qual é o segredo para manter uma peça circulando por tanto tempo?

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Ana Rosa: Eu imagino que seja o tema. Ele é atemporal. Essa história aconteceu. Ela é real. A Patrícia existe. A família dela existe, inclusive alguns deles já foram nos assistir. A Vera Lúcia, psicógrafa, que é tia dela, também nos assistiu. Mas essa história poderia acontecer em qualquer parte do mundo, não só no Brasil. Eu acho que o segredo talvez do sucesso durante esse tempo todo é o tema exatamente. Por que quem na vida já não passou por uma dor tão grande de perder um ente querido? E as religiões, todas elas, trazem um conforto muito grande. Falam sobre a vida após a morte e que nós não somos somente a carne. Não só nasce, vive e morre. Porque o meu ponto de vista e o que eu estudo, aprendo e acredito é que Deus seria injusto se só fosse essa nossa existência. Porque nós nascemos perfeitas. E, de repente, você vê irmãozinhos que nascem aleijados, cegos, surdos e mudos. Então, onde estaria a justiça de Deus? Por que isso? Eu acho que é tudo lógico tudo o que a gente lê e estuda sobre a existência da alma. O corpo, sim, morre. Mas o espírito permanece.

Acha que o grande intuito da peça é trazer conforto para quem assiste?

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Eu tenho certeza. Você sabe que quando nós estreamos em 1997, aqui no Rio de Janeiro, no Teatro Vannucci, nós ficamos 9 meses em cartaz e ainda não existia internet. As pessoas, quando terminavam o espetáculo, escreviam e deixavam depoimentos, contando de como foi importante, do conforto que a peça trouxe. Teve gente que assistiu oito vezes. Eu guardei tudo isso. Depois, agora mais recentemente, com a internet e as páginas nas redes, as pessoas falam muito sobre isso. Porque uma coisa é você saber, outra é você estar vivenciando, relembrando. Eu, por exemplo, um livro que eu gosto, passa um tempo, a gente não lembra dos detalhes. Se você reler, reaviva essa lembrança. O espetáculo faz isso: reaviva para as pessoas essa certeza de que os nossos entes queridos que já desencarnaram não desapareceram. Eles estão em algum lugar e que o reencontro, que se assim Deus permitir, ainda vai acontecer.

Nesse tempo, a peça foi mudando?

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Mudou. Primeiro em termos técnicos. Porque quando nós estreamos, eu tinha um cenário bonito para cada quadro: o quartinho da Patrícia, o bosque, tinha banco, mesa, cadeira de palha, enfim. Uma série de recursos que, inclusive, depois, com muito tempo viajando, eu ainda mandei fazer umas colunas que lembram as colunas do Coliseu e dos teatros para imitar as colunas romanas. E era uma trambolho. Aquilo viajava de caminhão. E chegou uma hora que ficou impossível viajar com todo esse material. Essa é a quarta montagem que eu faço. Eu comecei a limpar o cenário, diminuir o máximo. Até que nessa última eu tirei tudo. Nós pedimos apenas para o produtor conseguir seis cadeiras brancas de plástico e duas mesas. É só isso. E o espetáculo agrada da mesma forma. As pessoas se emocionam. Fica muito em função da luz, que foi criada especialmente para o espetáculo, e da trilha sonora. A mensagem passa direitinho. E muda o figurino. Porque somos 14 no palco, e cada ator faz pelo menos quatro ou cinco personagens. O que muda, a gente não tem tempo de fazer caracterização diferente. A gente muda o figurino e no texto a gente fala os nomes para os personagens. E fica perfeitamente claro para o público.

Os atores também foram mudando nesse tempo?

Também. Imagina você que no começo do espetáculo éramos 25 e tinha música ao vivo. Viajávamos com quatro músicos: tinha teclado, baixo, violão e um outro instrumento. O Cláudio, que fez a música para o espetáculo, ficou sozinho. Mas depois eu optei por fazer sem músico ao vivo, que é um complicador a menos. Mas éramos 21 atores. E cada ator, quando tem uma substituição, é muito interessante, falando como diretora e atriz. É muito bom, quem dirige, que já tenha experiência de ator. Porque eu não quero que, quando o ator venha substituir outro, ela faça exatamente o que o outro fazia. Ele tem, sim, que entender o personagem, falar o texto com propriedade, mas cada ator coloca sua interpretação. Cada um tem um brilho especial. Cada ator que entra, e faz com verdade, e passa a mensagem como ela deve ser passada, isso faz com que o espetáculo fique mais vivo e mais vibrante.

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Como foi conciliar novelas com esse trabalho por tanto tempo? Por que insistiu nessa peça?

Pois é: veja você. Nos primeiros 11 anos nós viajávamos direto, sem parar, fazendo concomitantemente novelas, eu e meu marido. E eu tive que dar uma pausa. Imagina. Com um monte de filhos e novelas, e viajando. Demos uma pausa. Depois eu remontei uma segunda vez. Na terceira, meu marido tinha desencarnado, convidei outro ator para substituí-lo, fizemos mais uma temporada e de novo dei uma paradinha. Essa montagem nós estamos com ela desde 2016, com esse elenco. Engraçado que na vida a gente programa algumas coisas e elas acabam não dando certo ou não acontecendo. E coisas que você não espera, de repente, vão te levando, e, quando vê, você trilhou um caminho longo, como é o caso da peça.

Como o teatro se fez presente na sua vida?

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Eu nasci no circo e, como criança, já tinha alguns papéis. Algumas encenações tinham criança. E pequena eu já fui ensaiada para esses papéis. Minha estreia falando o texto foi com quatro anos. Inconsciente mesmo, minha estreia foi com 15 dias. Porque tinha uma peça que o recém-nascido é abandonado na porta do convento, “O mundo não me quis”. E sempre que tem uma criança no circo, ao invés de colocar uma boneca no palco, o pessoal coloca criança no palco, porque às vezes se mexe, chora, e dá mais veracidade. Eu sempre fiz teatro. Fiz teatro de revista. Fui bailarina. No circo eu aprendi a dançar e a fazer números de trapézio. Enfim, no circo a gente se vira nos trinta.

O teatro e o circo me parecem muito mais suor que glamour, ao contrário da televisão.

Sim. Totalmente. No circo, principalmente, você tem os seus 5 minutos de glória, no picadeiro. Ali na rua ele é um desconhecido, porque ninguém marca o rosto. Minha vida, desde criança, até quando me casei e meu marido também era de circo, foi assim. Tem números que, às vezes, a gente expõe a vida da gente, expõe a perigos. E na rua você é um desconhecido. O que não deixa de ser bom. A televisão é outra coisa. Você entra na casa da pessoa. Como se a gente não fosse de carne e osso.

É como se ser artista fosse o seu caminho desde sempre.

Eu acho que não por acaso a gente nasce na família que a gente nasce, no país onde a gente nasce, com o sexo que a gente nasce.

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