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Arquibancada do antigo Clube Hípico será restaurada

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Abandonada há anos, edificação é uma lembrança melancólica do que já foi (Foto: Fernando Priamo)
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Maria Apparecida Brück, 83 anos, comia pipoca quando o pai a levava aos domingos ao então Jockey Club, no bairro homônimo, junto aos irmãos Sebastião e Mário, para assistir às corridas de cavalo. “Antigamente não tinha muito essas coisas de salgado”, ressalva aos risos. “Ele também tinha mania de levar frutas aonde quer que a gente fosse. Eu lembro disso. Ele levava fruta pra gente. Éramos eu e meus irmãos, às vezes a Belinha (irmã). A minha mãe não gostava muito, não.” Embora datadas na década de 1940, as idas ao Jockey, que viria a ser conhecido posteriormente como Clube Hípico e Campestre Juiz de Fora, estão vivas na memória de Maria Apparecida. “Sei que era um domingo muito bom. A gente ficava aguardando para ir, porque era um passeio. Parecia que daqui até lá era longe.”

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Ela só não tem certeza se o pai a levava de carro ou ônibus, afinal de contas, à época certamente não havia muitos coletivos. Maria Apparecida frequentava o Jockey na infância, dos 8 aos 12 anos, “sei que era pequena”. “A gente ficava na arquibancada, comia as coisas que ele comprava pra gente”, rememora. “Sabia que eu tenho direitinho na cabeça a imagem do meu pai na fila para apostar? Conforme eram as corridas, ele descia para fazer as apostas. Tinha os cavalos em que ele apostava. Já eram os favoritos, o meu pai já sabia. Mas, engraçado, lembro que ele não ganhava muito, não, senão eu guardaria na memória, né?” Entretanto, Maria Apparecida não lembra o nome dos cavalos. “Sei que a gente falava que tinha o azarão, que era aquele que ninguém apostava, mas ganhava.”

Ela voltou ao local apenas em exposições, e, hoje em dia, mal sabe como está. À sua época, o Jockey Club, cujos registros são raros, apenas começava a construir o próprio valor histórico e a identidade para com os juiz-foranos. Aliás, não se sabe ao certo o ano em que foi construído, tampouco quem projetou a arquibancada tombada pelo Município de Juiz de Fora enquanto bem material desde 2003 – sabe-se apenas que foi fundado no segundo quarto do século XX. O tombamento preserva a volumetria construtiva do imóvel, ou seja, a arquibancada e a cobertura voltada para a parte interna, bem como as fachadas frontal e laterais. A caminho do possível centenário, o bem, em estado de abandono, será finalmente restaurado em obras a princípio projetadas para serem encerradas em quatro meses, mas sem data definida para o início.

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Quem conduz?
O projeto, assinado pelo arquiteto Eduardo Felga, da Arquitetônica, foi aprovado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac) em abril de 2018. Ainda que o proprietário do antigo Clube Hípico e Campestre seja o Atacadão S.A., a restauração estaria sendo conduzida pela MRV Engenharia, o que a própria construtora, entretanto, não confirma. “A MRV está em processo de negociação do terreno. Por isso, até que a transferência da propriedade seja consolidada, entendemos que mais informações poderão ser passadas em um momento oportuno futuro”, pontua. “No entanto, reconhecemos a importância histórica e cultural da arquibancada e de sua preservação para o Município.” A restauração já foi projetada para integrar a edificação à área do entorno, que, futuramente, será residencial.

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‘Sou um cavaleiro do desejo reprimido’

A pujança do parque às margens da Avenida Juscelino Kubitschek se deu entre as décadas de 1980 e 1990. As apostas do pai de Maria Apparecida já não tinham lugar. E o Jockey Club, então, era conhecido como Clube Hípico e Campestre Juiz de Fora – ou, simplesmente, hípica. Quando José Alfredo Brandão Costa, 50, então residente em Brasília (DF), vinha a Juiz de Fora, o avô sempre brincava que o levaria à hípica. Porém, foi com familiares do Distrito Federal, desses que não são tios, mas chamamos de tios, ou primos, mas consideramos como se fossem, que José Alfredo passou a frequentar o clube já depois de ter se mudado com a família para Juiz de Fora aos 6 anos de idade. “Eles ficavam hospedados na minha casa no Alto dos Passos e ficávamos por conta deles.”

Um dos primos de José Alfredo é o cavaleiro Vitor Alves Teixeira, 63, a quem considera um ídolo, presente nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1984; de Seul, Coreia do Sul, em 1988; e de Barcelona, Espanha, em 1992. A hípica representa para José Alfredo não apenas as memórias com o avô, mas também a relação com a família afetiva de Brasília durante a infância e a adolescência. “Eu sempre acompanhava o Vitor quando ele vinha para cá para disputar os concursos de hipismo, que eram um evento na cidade aos finais de semana. Eu ia pra lá na sexta-feira e só saía no domingo quando as luzes se apagavam. Ficava com eles percorrendo tudo, pista, cocheiro etc., aquele mundo mesmo do hipismo.” Mas José Alfredo não chegou a ser proprietário de cavalos. “Sou um cavaleiro do desejo reprimido.”

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Como viveu a hípica lotada durante os eventos, José Alfredo temia que, porventura, a arquibancada fosse desmontada nos últimos anos. “Me lembro perfeitamente, mais ou menos em 1984, dos concursos nacionais da Coca-Cola, que eram encerrados, no domingo, com a prova d’O Globo, que era a mais importante”, detalha. “Aquilo ali é uma lembrança muito forte. Via sempre lotado, então o receio que eu tinha daquilo ser derrubado quando começaram o loteamento residencial… a história simplesmente iria embora. Aquela arquibancada existe ao menos desde a época do meu avô. A restauração nos vai fazer remeter a décadas passadas, voltar no tempo. Isso não tem preço.” À época, José Alfredo temia que o apito do trem atrapalhasse os cavalos durante as provas. Hoje, ele é ferroviário.

Receio pelo apagamento

No entanto, as memórias saudosas podem ficar restritas às gerações de Maria Apparecida e José Alfredo, já que, ao menos desde a mudança do Clube Hípico e Campestre para a MG-393, em Rio Novo, a estrutura de arquitetura neocolonial está em estado de degradação. A restauração permitiria a novas gerações o estabelecimento de novos laços com o bem, assim como o conhecimento de um marco histórico para o desenvolvimento da Zona Norte de Juiz de Fora. “São muitos anos de abandono. Não adianta ser apenas protegido pelo Município. É uma história que se arrasta há tantos anos, que eu tenho medo de que as pessoas comecem a perder um pouco o aspecto da identidade, porque (a arquibancada) está ali abandonada. As pessoas, por fim, criam na cabeça uma memória ruim. Apenas ruim”, receia o historiador e conselheiro de Cultura e Preservação de Patrimônio Cultural, Fabricio Fernandes.

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A Tribuna teve acesso ao projeto de restauração encaminhado ao Comppac ainda em 2017 pelo escritório Arquitetônica. Dentre outras coisas, o documento classifica, por exemplo, o grau de caracterização em que se encontram os elementos da edificação, além do próprio estado de conservação. Embora as fachadas frontal e lateral direita tenham sido classificadas enquanto caracterizadas, a cobertura, por exemplo, é apontada em ruínas. Já elementos como a fachada lateral esquerda, a fachada posterior e o interior são classificados como reversivelmente descaracterizados, ou seja, quando a recuperação dos elementos alterados é possível a partir de informações obtidas na própria edificação. Ao classificar o estado de conservação dos elementos arquitetônicos, a fachada frontal e a fachada posterior foram classificadas como ruins, e a cobertura, péssima. Ao ser questionada se relatava ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) o estado da obra, a Funalfa ponderou apenas que “mantém diálogo permanente no que diz respeito ao patrimônio tombado”.

As intervenções a serem feitas, conforme registra o projeto, vão desde a recomposição da cobertura em telhas francesas e do amadeiramento com reconstituição de terças, caibros e engradamento em ripa até a recuperação e a limpeza do piso cerâmico, do granilite do salão e dos degraus da arquibancada em cimentado. Além disso, a restauração prevê a utilização da arquibancada, já que o projeto propõe a criação de um palco com rebatedores acústicos, bem como a abertura de uma rua compartilhada entre veículos e pedestres. O espaço ainda deve contar com equipamentos de ginástica ao ar livre, mesas de jogos e parcão. “Conforme foram avançando as discussões em busca de integrar a arquibancada, fomos dando algumas ideias, pedindo que o foco fosse a integração. Já que é uma arquibancada, por exemplo, fazê-la de frente para uma praça etc. Como o próprio proprietário está transformando aquela área, é mais do que justo que o bem tombado esteja dentro daquele contexto. Que haja o zelo”, conclui Fabricio.

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De acordo com o projeto, a cor do corpo da edificação, da divisão dos tramos, elementos verticais e horizontais, e dos ornamentos, fitas e laços serão, respectivamente, lerida máximo, akumal cheio e tours mínimo (Fotos: Divulgação/Arquitetônica)
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