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‘Nascer preto é um desafio de vida’, diz congolês

ollivier by arquivo pessoal
Olivier Nong’Olela Shamololo: “O conhecimento não tem lugar, se ele está no barro, vou ao barro” (Foto: Arquivo pessoal)
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Na bagagem, Olivier Nong’Olela Shamololo trazia a informação de que o Brasil é um país de maioria negra. Vindo da República Democrática do Congo, sabia que não encontraria um país como o seu, com 97% da população negra. Não esperava, no entanto, encontrar uma paisagem racial tão contraditória quanto cruel. “Eu duvidei. Pensei: Isso não é possível!. Se tem essa população toda, onde ela está? Mas quando morei no Rio de Janeiro, numa comunidade, fui conhecendo. Cada vez que me afastava mais das zonas nobres, eu via o povo preto, que ainda está nas periferias, nos quilombos”, diz ele, que há nove anos deixou sua terra natal e, com um grupo de amigos, aderiu ao programa de convênio que o permitia cursar arquitetura na UFJF. Estudou português na capital fluminense e, no ano seguinte, iniciou a graduação em Juiz de Fora. Há dois anos, Olivier se formou, mas, pai de uma menina (brasileira!) de pouco mais de 3 anos, decidiu-se por permanecer.

Saído de um país rico em minerais, mas pobre socialmente, Olivier precisou sair de seu lugar de origem para alcançar outras oportunidades. Num novo país, também precisa resistir. E isso dia após dia. “Não gosto de colocar o racismo na minha mente. Nascer preto é um desafio de vida”, lamenta ele, que traz a ancestralidade no próprio cotidiano profissional. “O conhecimento não tem lugar, se ele está no barro, vou ao barro. As pessoas acham que só as universidade são os lugares do conhecimento. Mas e a história? E os legados dos quilombos?”, questiona o arquiteto e urbanista que se encontra, nesta sexta (22), às 17h, na Escola Municipal Carolina de Assis, no Floresta, com a militante social, historiadora e doutora Honoris Causa pela UFJF Adenilde Petrina, no debate “Ancestralidade e memória”. O evento, acompanhado de apresentações artísticas do Coletivo Vozes da Rua, do qual Adenilde é fundadora, do Maracatu Estrela na Mata e do Grupo Macamba, celebra a semana da Consciência Negra na cidade.

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Afinal, que consciência negra é esta que se celebra no Dia Nacional de Zumbi dos Palmares? Adenilde responde tomando nas mãos o livro “Escrevo o que eu quero”, de Steve Biko. “Isso é um dom divino. Deus fez a gente negro e se a gente não aceita nossa condição, estamos negando aquele que nos criou. Por isso é importante levar esse conceito para que as pessoas se aceitem mais e combatam mais o racismo tão presente ainda em nossa sociedade”, explica ela. E acrescenta: “Minha bíblia é a biografia do Malcom X. Depois que ele foi na Arábia Saudita, que teve contato com os muçulmanos, ele percebeu que o racismo e o capitalismo andam de mãos dadas. Ele fala da necessidade de a gente conscientizar os brancos, fazendo-os reconhecer que a sociedade em que vivemos é racista. Ele cunhou aquela frase famosa, que diz que nem todo negro é meu amigo e nem todo branco é meu inimigo. Ter essa visão é superimportante.”

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‘O Brasil precisa se conectar com a África’

A distância entre o Congo e o Brasil são muitas e diferentes, aponta Olivier Nong’Olela Shamololo. “Quando cheguei, minha reação foi de espanto com novas coisas, novos modos de viver e, principalmente, a língua. O Congo sempre manteve um contato com o Brasil. Na questão do futebol, o pessoal de lá torce pelo Brasil. Sempre víamos aqueles times misturados, e isso dava uma alegria maior”, conta ele, que pouco a pouco foi se dando conta de outras dimensões de um país tão próximo e tão longe do seu. “A gente foi percebendo que a universidade não tinha muito preto. Ao mesmo tempo, percebíamos que a história tem muito da África”, reflete o arquiteto e urbanista, cujo domínio acerca do tema escravidão se ampliou no Brasil.

“Lá é falado, sabemos que aconteceu, mas chega a um certo momento que parece que não faz mais parte da gente, um legado isolado, com todo mundo meio que ignorando aquilo. Saber da formação histórica me deu um novo modo de ver a minha pessoa, minha própria cultura. Isso dá um pouco de emancipação”.

“O Brasil precisa se conectar com a África. De onde vieram nossos ancestrais? De lá! Tenho que ter noção de quem sou. Para mim é um país que tem uma importância muito grande na questão racial. Tem uma maioria da população preta e que sofre”, completa, citando a potência dos quilombos como paradigma de consciência e resistência.

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Recordando sua extinta Rádio Mega FM, Adenilde Petrina exemplifica essa emancipação através das memórias do programa “Voz da África”, apresentado pelo angolano Augusto Alfredo. “Ele mostrou que África é um continente, com culturas diversas e riquíssimas. Em contrapartida, ele mostrou para gente que os negros no Brasil não sabem de onde viveram. Só sabemos genericamente que viemos da África. É uma falha muito grande para a percepção de nós mesmos. Aprendi, ouvindo blues, que se não sabemos de onde viemos, não sabemos para onde nós vamos”, pontua a militante, que visita escolas da cidade durante o mês de agosto, no evento chamado “Agosto Negro”, promovido pelo Coletivo Vozes da Rua.

Adenilde Petrina: “Os nossos motivos para lutar continuam os mesmos” (Foto: Felipe Couri/Arquivo TM)

“Apesar de nas escolas os negros continuarem a ser turistas do calendário escolar, nas visitas, falando da África negra, percebemos que algumas escolas mudaram a postura”, celebra a moradora do Bairro Santa Cândida, onde fica uma escola que sensivelmente mudou o jeito de retratar o passado. “A história tem que ser falada o ano inteiro. Na periferia, principalmente, onde a maioria é formada por negros que não conhecem sua própria história. O negro não deve ser lembrado só em novembro, mas durante o ano inteiro, assim como as mulheres e os índios”, sugere ela, que na própria casa montou a biblioteca do Coletivo Vozes da Rua para estimular os jovens a conhecerem escritores e pensadores negros.

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‘Nossos problemas continuam os mesmos’

Nesse dia 20, o que há para ser comemorado? Não muito, garante Adenilde Petrina. “Nossos problemas continuam os mesmos. Nossas dificuldades continuam as mesmas. Esse atual governo nos joga cada vez mais no fundão da história. Vamos ter que conquistar tudo de novo”, lamenta a doutora honoris causa da UFJF. “O povo preto precisa de uma autoestima muito maior do que simplesmente dar universidade para eles. As cotas raciais são uma coisa boa, mas é a autoestima que precisa vir à tona. Precisamos decodificar a história. Temos que nos emancipar da escravidão”, acrescenta Olivier Nong’Olela Shamololo, que conheceu o racismo no Brasil, onde permanece na esperança de ajudar a mudar essa perspectiva. “Não existe racismo no Congo. A gente fala de um tribalismo”, referindo-se à rivalidade entre grupos étnicos. “Acredito que nesses últimos anos as pessoas tomaram mais consciência da importância do novembro. Mudou-se a autoestima, mas a sociedade ainda tem muita estrada para caminhar. Como dizem os Racionais MCs, os nossos motivos para lutar continuam os mesmos”, garante Adenilde, defendendo que o racismo existe, é mal e é estrutural.

A solidão, no entanto, é outra. Em suas memórias, Adenilde guarda a sensação que a perseguiu por 28 anos dando aulas na rede pública municipal. “Eu sentia a solidão como mulher negra por não ter com quem conversar, por não ver outros negros”, conta ela, a única negra da sala na universidade e a única negra professora no trabalho. “Isso mudou bastante. Principalmente por conta do crescimento do escritor negro falando para os negros, dos poetas negros das quebradas falando para as quebradas. Esse ano no ‘Agosto negro’ usamos como tema a ‘Primavera periférica’ que retrata as poesias nas periferias. Esse movimento existe há mais de 20 anos e agora está se tornando mais visível por conta da popularidade de autores como Sérgio Vaz e Ferréz. Isso graças, também, à cultura hip-hop, a grupos como Racionais MCs que deram consciência de que nós, negros, também poderíamos produzir arte. A Carolina Maria de Jesus foi muito importante para nós. Uma catadora de lixo que se destacou e falou coisas importantes, como a percepção dela de que as favelas eram os quartos de despejos da cidade. Essa é uma grande verdade. As cotas aumentaram o número de alunos negros, e isso é fundamental para dar mais força para a gente lutar e combater o racismo”, diz Adenilde, para logo fazer um convite: “Juntos temos que mudar.”

DEBATE ANCESTRALIDADE E MEMÓRIA
Com Adenilde Petrina Bispo e Olivier Nong´Olela Shamololo, nesta sexta (22), às 17h, na Escola Municipal Carolina de Assis (Rua Coronel Assis 15 – Floresta)

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Semana da Consciência Negra – Programação

Dia 20 – Quarta-feira

– E. M. Padre Wilson (Rua Cleir Reis Duque, 200 – Igrejinha) | Mural “Projeto Cidadania” (fotografia)

– Teatro “Paschoal Carlos Magno” (Rua Gilberto de Alencar s/n – Centro)

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Das 9h às 19h – Visitação à mostra “DaMinhaCor” (fotografia)

20h – Show “Batuque Afro-brasileiro e seus encantos” (música) + Roda de Conversa com a Mesa Diretora do Conselho Municipal para a Promoção da Igualdade Racial

Dia 21 – Quinta-feira

– E. M. Padre Wilson (Rua Cleir Reis Duque, 200 – Igrejinha) | Mural de fotos do “Projeto Cidadania” (fotografia)

– Centro Cultural Dnar Rocha (Rua Mariano Procópio, 973 – Mariano Procópio)

19h às 21h – Fuzuê de Malungo – vivência centrada nas manifestações festivas afro-brasileiras, tendo a Capoeira como fio condutor. A ideia é promover uma experiência de transmissão de saberes pela oralidade, pelo canto, dança, jogo e musicalidade.

– Anfiteatro João Carriço (Avenida Rio Branco 2.234 – Centro)

19h – Roda de conversa sobre racismo estrutural, com Diego Dhermani Lopes, professor de geografia licenciado pela UFJF, integrante da Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB) – Seção Juiz de Fora e do Grupo de Trabalho de Geografia e Relações Étnico-raciais da AGB

Dia 22 – Sexta-feira

– E. M. Padre Wilson (Rua Cleir Reis Duque, 200 _ Igrejinha) | Mural do “Projeto Cidadania” (fotografia)

– Sintufejuf (Rua Santo Antônio, 309)

9 às 17h | Seminário Semana da Consciência Negra

– E.M. Carolina de Assis (Rua Coronel Assis, 15 – Floresta)

17h | Tarde Cultural “Para Todos” – Reflexão sobre “Ancestralidade e Memória”, através de roda de conversa com a participação de Olivier Nong´Olela Shamololo, da República Democrática do Congo, e Adenilde Petrina Bispo, Dra. Honoris Causa pela UFJF. Apresentações artísticas do Coletivo Vozes da Rua, Maracatu Estrela na Mata e Grupo Macamba

Dia 23 – Sábado

– Parque Halfeld

10h | Marcha Zumbi dos Palmares

10h| Batuque Afro-brasileiro e seus encantos (música)

– Praça João Pessoa

10h| Raízes do Maracatu, com o Grupo Estrela da Mata (música)

– Rua Halfeld

10h às 13h – “Vil” – Com Noah Mancini (performance)

– E. M. Carolina de Assis (Rua Coronel Assis, 15 – Floresta)

12h – Tarde Cultural “Para Todos” – Reflexão sobre “Ancestralidade e Memória”, através de roda de conversa com a participação de Olivier Nong´Olela Shamololo, da República Democrática do Congo, e Adenilde Petrina Bispo, Dra. Honoris Causa pela UFJF. Apresentações artísticas do Coletivo Vozes da Rua, Maracatu Estrela na Mata e Grupo Macamba

Livraria Cadori (Rua Braz Bernardino 199, Loja 107 – Galeria Pátio Central)

13h – Cabeça de Nêga – OriVivência – Reunião de produtores de saberes, negras e negros de diversas áreas de conhecimento, com a finalidade de promover uma vivência sobre as produções de conhecimento da população negra. A proposta é mostrar algumas das diversas possibilidades de escrita das histórias negras no Brasil, a partir de pesquisas e estudos de intelectuais das áreas de literatura e corporeidades e suas imbricações com a luta antirracista

Praça João Pessoa

13h30 – Raízes – Grupo Makamba (dança afro-brasileira)

E. M. Belmira Duarte Dias (Rua Adaílton García, 110 – JK)

15h – Batuque Afro-brasileiro e seus encantos (música)

Sindicato dos Bancários (Rua Batista de Oliveira, 745 – Centro)

15h – 4ª Edição Denigra JF – apresentações artísticas e feira de empreendedorismo afrodescendente.

17h – Cabeça de Nêga – OriVivência – Reunião de produtores de saberes, negras e negros de diversas áreas de conhecimento, com a finalidade de promover uma vivência sobre as produções de conhecimento da população negra. A proposta é mostrar algumas das diversas possibilidades de escrita das histórias negras no Brasil, a partir de pesquisas e estudos de intelectuais das áreas de literatura e corporeidades e suas imbricações com a luta antirracista

Núcleo Travessia (Rua Jacinto Marcelino, 25 – Vila Olavo Costa)

18h – Bacharéis do Samba (música)

Dia 24 – Domingo

– Sindicato dos Trabalhadores Têxteis (Rua Farmacêutico Vespasiano Pinto Vieira 46 – Centro)

9h às 18h – 4ª Roda de Conversa de Terreiro

– Salão de Festas (Rua Jorge Raimundo 595 – Santa Cândida)

16h – CineXuxu #candinha – Exibição de clips e roda de conversa

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