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‘Ser artista não garante criatividade’

cultuado professor escoces radicado no rio de janeiro charles watson desembarca em juiz de fora para falar sobre processo criativo lucas de godoy e luiza geoffroydivulgacao

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CULTUADO PROFESSOR escocês radicado no Rio de Janeiro, Charles Watson desembarca em Juiz de Fora para falar sobre processo criativo LUCAS DE GODOY E LUIZA GEOFFROY/DIVULGAÇÃO
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CULTUADO PROFESSOR escocês radicado no Rio de Janeiro, Charles Watson desembarca em Juiz de Fora para falar sobre processo criativo (foto: LUCAS DE GODOY E LUIZA GEOFFROY/DIVULGAÇÃO)

Ainda que tenha chegado ao Brasil há mais de três décadas, o sotaque do escocês Charles Watson se mantém forte. O domínio da língua, no entanto, mesmo amplo, não lhe coloca numa zona de conforto quando confrontado com metáforas. O homem, que desde seu desembarque no Rio de Janeiro tornou-se um dos principais leitores e influenciadores da arte contemporânea nacional, prefere a objetividade da linguagem oral. Tal relação sintetiza, portanto, a pesquisa que ele desenvolve acerca do processo criativo. Para Charles Watson, professor do carioca Parque Lage desde a década de 1980, criativo é aquele que dá conta de percorrer de igual forma os campos subjetivos e objetivos. Técnica e sentimento, tradição e inovação, estudo e prática são companheiros de estrada. Mentor de nomes de peso no cenário artístico brasileiro, como Daniel Senise e Beatriz Milhazes, Watson viaja o país ministrando cursos e palestrando para empresas do porte da Coca-Cola e Shell. Vai das artes aos números com destreza para falar de um processo, que, segundo ele, é o mesmo para os diferentes espaços. Tomando Oscar Wilde, que certa vez escreveu que “toda poesia ruim brota de sentimentos genuínos”, o “mago da criatividade” explica que inovação prescinde de trabalho e não apenas confabulações. Exige suor. E otimismo. “Pessimismo e criatividade nunca foram bons parceiros de cama, porque pessimismo envolve cinismo. E novas ideias são frágeis, precisam de terreno fértil para que se fortaleçam”, diz. Em “Um leão por dia”, palestra que Watson ministra nesta terça, às 19h, em Juiz de Fora, ele defende o trabalho intenso, preceito que perpassa toda a entrevista, por e-mail e telefone, à Tribuna. “Todo mundo tem muitas ideias na cabeça, criatividade não é sobre isso, criatividade é sobre concretizá-las de maneira que façam algum nível de contribuição para um campo de atividade humana. E tudo isso necessita de energia.”

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TM – Da Escócia para o Brasil, de pescador a artista e professor, o que a arte te inspira?

Charles Watson – Trabalho com arte há décadas. Apesar de ser mais conhecido pelo meu papel de professor e mentor de artistas, minhas pesquisas englobam tanto o campo da ciência quanto o da arte, assim como os da neurociência, psicologia, biologia, sistemas não lineares e evolucionismo. A inspiração de que você fala é fruto do que faço e não o contrário. Em geral, é assim com a maioria dos chamados criadores. Você trabalha, uma coisa esbarra na outra, e te ocorrem questões que não teriam te ocorrido se não estivesse neste platô energético e perceptual que o trabalho intenso fornece.

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É costume distanciar arte do universo da ciência. Uma pertence a outra? O que há em comum?

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A questão não deveria ser o que arte tem em comum com a ciência, mas o que as pessoas criativas têm em comum umas com as outras, independentemente dos seus campos de atuação. Apesar de a arte ter a fama de ser uma atividade criativa, não acho que isso seja necessariamente verdade. Há tanto funcionalismo na arte quanto em qualquer outra disciplina. Quero dizer com isso que ser artista não é uma garantia de nada em termos do tipo da criatividade a que eu me refiro. Arte e ciência envolvem sistemas de pensamento diferenciados. Arte é frequentemente associada com pensamento divergente enquanto ciência é associada com pensamento convergente. Na arte, pensamos em termos de melhor ou pior, enquanto, na ciência, em termos de certo e errado. Mas a verdade é que as pessoas que realmente fazem a diferença nos seus respectivos campos de atuação, seja arte, ciência ou outra área, têm algo em comum. Tendem a ser pessoas que navegam bem entre estes pólos divergentes e convergentes na medida em que seja necessário. Grande parte do meu trabalho parte do princípio que a semelhança entre as atitudes criativas é maior do que a diferença entre as linguagens.

 

Pode explicar melhor o que quer dizer com convergência e divergência?

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O primeiro foca em respostas consideradas certas ou erradas para problemas bem definidos. Normalmente, tem ênfase em reconhecimento de algo familiar e conta com informação já arquivada para reutilização de estratégias que se mostraram eficazes no passado. Envolvem uma série de passos lógicos para chegar a uma solução correta. Esse tipo de pensamento é associado a atividades analíticas e racionais. Pensamento divergente, por outro lado, refere-se à abrangência de várias possíveis respostas, valorizadas por sua diversidade e dando espaço para a ambiguidade. Esse tipo de pensamento está associado a atividades como arte, música e afins. Se Einstein nunca tivesse nascido, uma outra pessoa fatalmente teria descoberto a relação entre massa e energia expressa no equação E = mc2. Mas se Pablo Picasso nunca tivesse nascido, nunca teríamos “Guernica”. Agora, embora a arte seja uma atividade divergente, divergência em si não é garantia de criatividade. Assim como o fato de ser artista também não garantir criatividade.

 

E talento não é importante?

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As pessoas não nascem criativas. As pessoas se tornam criativas a medida em que se envolvem em atividades que trazem forte significados para as suas vidas. Mais do que quatro décadas de pesquisa em psicologia e neurociência (para não falar em opiniões de mentores e professores em diversas atividades humanas) apontam para o fato de que o talento, se é que existe, não tem muita importância na construção de uma vida de contribuições criativas. Os argumentos são tão bem embasados que isso tem se tornado quase uma norma nos estudos sobre este assunto. Agora, vale frisar que, quando falo aqui de “talento”, me refiro à habilidade inata, e não habilidade adquirida. Ninguém nasce com habilidade de tocar piano, desmontar um carburador ou dirigir um carro de Fórmula 1. As pessoas podem nascer com maior disposição para gostar de música, mecânica ou de dirigir e, como resultado, estarão mais disponíveis para fazer isso. Mas as redes neurais necessárias para poder tocar piano se formam tocando piano.

 

Para ser criativo nas artes ou num cotidiano empresarial, é necessário trilhar um mesmo caminho?

Criatividade é uma propriedade das pessoas, não das disciplinas. Logo, os atributos que fazem uma pessoa criativa em uma disciplina são parecidos com os que fazem uma pessoa criativa em outra – só o sistema é que é diferente. Pessoas criativas tendem a ser apaixonadas pelo que fazem, trabalham muito, têm a coragem de enfrentar as suas dificuldades visando melhoramento, são intensamente curiosas, persistentes, toleram ambiguidades e, surpreendentemente, erram mais do as pessoas menos criativas, simplesmente porque experimentam mais. Mas todas estas características decorrem da relação que essas pessoas têm com o que fazem. Alguém que não gosta intensamente do que faz simplesmente não vai fazer uma contribuição significante dentro do seu campo de trabalho. Então a escolha de atividade é fundamental nesta equação.

 

Qual o peso da preguiça nos processos de criação? E qual o peso da motivação?

Não acho que Macunaíma (personagem do livro homônimo de Mário de Andrade) é o melhor modelo para uma vida criativa. “O acaso favorece somente uma mente preparada”, disse Louis Pasteur. O que ele quis dizer com isso é que, por mais que um momento de relaxamento e distração possa ajudar à reorganização de feixes significantes entre ideias antes não relacionadas, sem um forte investimento prévio, isso não vai ter efeito nenhum. Até o filósofo Italiano Domenico De Masi, autor do livro “O ócio criativo”, reclama que as pessoas entendem o termo como não fazer nada. “Espero que o ócio criativo não seja confundido com não fazer nada. Hoje, ócio criativo significa trabalhar, se divertir e aprender.” O problema é que pessoas não leem mais. Pegam o título de um livro ou capítulo e anexam às suas próprias ideais, e fica por isso mesmo. Todo mundo sente preguiça em um momento ou outro, mas a preguiça é muito mais rara quando você acerta o seu relacionamento com seu campo de atividade. Dizem que aproximadamente 82% da população investem suas vidas trabalhando em atividades só para pagar as contas ou para preencher as expectativas dos outros – aí vai ter muita preguiça, não acha? Motivação, por outro lado, é fundamental. Sem forte senso de motivação (preferivelmente intrínseca), a pessoa nem vai ter acesso às fontes de energia necessárias para todos os outros fatores entrarem em ação.

 

Diz-se muito da dispersão que as novas tecnologias criam. É mais difícil ser criativo hoje?

A tecnologia trouxe grandes benefícios para nós, mas pesquisas recentes mostram que há um preço alto a ser pago. Enquanto a internet disponibilizou quantidades de informação antes inimagináveis e velocidades estonteantes de transmissão de informação, não mudou em nada o tempo necessário para assimilar esta informação. Estamos assistindo uma geração se afogando em respostas para problemas que ainda não sabem formular. A primeira, e mais séria vítima disso, é a “deep thinking”, a capacidade de uma reflexão profunda sobre assuntos de extrema importância para nosso presente e futuro.

 

Palestra “Um leão por dia”.

Nesta terça-FEIRA, 22, às 19h, no Centro de Ensino Superior – CES/JF (Rua Halfeld 1179 – Centro).

Inscrições pelo telefone 3217.6538

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