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Adeus a um bamba

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Um infarto agudo do miocárdio encerrou as seis décadas de dedicação ao samba do compositor Geraldo Santana, que morreu, ontem, aos 81 anos, em sua residência, no Bairro Granjas Betânia, em Juiz de Fora, deixando dois filhos e duas netas. Seu coração, aliás, foi o grande responsável pela relação íntima que o músico manteve com a canção brasileira. O corpo do músico será enterrado hoje, às 12h30, no Cemitério Municipal.

Uma semana antes do carnaval 2006, Santana eternizou sua vida e obra ao relatar ao Museu da Imagem e do Som (MIS/Funalfa) sua participação em 50 anos de folia na cidade. Um dos méritos de seu depoimento, segundo o historiador Nilo Araújo, foi apresentar os blocos que deram origem à escola de samba Partido Alto, para a qual compôs sambas-enredos como "Festão do Serro", em 1972.

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"No tempo em que os blocos não tinham mulheres, o (bloco) Pastorinhas do Morro inovou pela presença feminina e pela bateria de cadência diferenciada, resultando em um samba mais lento por volta de 1945. Uma década depois, o grupo se transformou em Império do Morro e, posteriormente, em Partido Alto", contou Geraldo Santana ao MIS. "Estimulei o Landinho (Orlando Gonçalves) a montar uma bateria igual à da Juventude (Imperial), e logo ele escolheu o nome da escola", completou.

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Um dos responsáveis pelo museu, Nilo Araújo lembra a ligação do sambista, cantor e instrumentista com a memória local. "Como era muito bem relacionado nesse meio do carnaval, Geraldo Santana estava sempre por aqui (Funalfa), onde conversávamos sobre seu disco e histórias da cidade", conta Araújo, que, na última semana, encontrou-se, pela última vez, com Geraldo Santana no Centro.

Baluarte do samba e um dos gênios de sua geração, Santana, apesar do temperamento difícil, deixa o prazer em trabalhar com música como o seu maior legado. "Lembro-me do desfile de 1974, quando nosso carnaval era maravilhoso. Embora tenha convivido pouco com ele, reconheço o quanto era talentoso. Vai deixar muita saudade, principalmente por ter sido um sambista das antigas, daquela ‘linhagem’ que fazia samba por amor e não por sucesso ou dinheiro", ressalta Armando (Mamão) Aguiar, referindo-se ao ano em que ele e Geraldo Santana compuseram "Chica da Silva, emancipação da mulher brasileira", samba-enredo da Partido Alto. Além de letra fácil de cantar, este samba marcou o primeiro desfile da Verde e Rosa no Grupo 1A.

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Passou a vida torcendo para o Flamengo, apesar de ser o compositor de "Avante Botafogo", um hino em homenagem ao time alvinegro. "Sou flamenguista, mas foi o Botafogo que me quebrou o galho", disse, em entrevista publicada em 2006, informando que foi a partir da composição, gravada com a bateria da Portela, que ele conseguiu emprego no clube carioca.

Nilo Araújo lembra ainda que, embora não trabalhe mais com interferência de entrevistadores convidados para a gravação, a direção do MIS permitiu que Geraldo Santana levasse dois amigos para inspirar suas respostas: a porta-bandeira da Feliz Lembrança, Elizabete Siqueira da Silva, e o companheiro do Terreiro Residencial do Samba, Sadi.

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Dono da primeira carteira de compositor da Associação de Compositores Musicais de Juiz de Fora, fundada em 1953, Santana nasceu no dia 30 de março de 1930 em Coronel Pacheco e mudou-se para Juiz de Fora aos 10 anos. Tão logo era indagado sobre sua idade, Santana sempre desmentia a comprovação dos documentos. O sambista dizia que nasceu dois anos antes do que consta em seu registro.

Frequentou o Morro de Santo Antônio, atrás da Catedral, onde surgiu o Pastorinhas do Morro. Aos 18, começou a carreira profissional na PRB-3, fez música para político e futebol. Em 1969, venceu o programa Flávio Cavalcanti com a música "Menino, Natal e carnaval". Entre seus principais parceiros estão Roberto Medeiros, Messias da Rocha, Moa do Pandeiro, Cocada, Dadinho e Mamão.

Semeador de culturas

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Não só o universo musical do samba serviu de chamariz para a produção de Geraldo Santana, como também a militância em prol do movimento negro. Aos 78 anos, por exemplo, ele estreou o musical "Histórias de José Eutrópio a Onofre Francisco Eva no samba de Euclides Manoel" no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas (CCBM), um bate-papo cultural ao som de composições locais com o objetivo de promover a confraternização entre os que acompanharam e participaram ativamente destas seis décadas dedicadas ao samba e à cultura negra.

"A festa é minha, mas os homenageados serão esses três negros de ouro, que devem ser vistos como as figuras mais ilustres da cidade", afirmou Santana, referindo-se a José Eutrópio – que faleceu na década de 30 e teve sua história de vida resgatada por um livro do historiador juiz-forano Dormevilly Nóbrega -, ao fundador da Associação das Empregadas Domésticas de Juiz de Fora, Francisco Eva, e ao presidente vitalício da Escola de Samba Castelo de Ouro, Euclides Manoel.

No Rio, além de dividir o palco com importantes personalidades da música brasileira, como Jorge Aragão e Jamelão, Santana também demonstrou seu lado versátil, como no relançamento (de 1978) do hino de exaltação ao país "Vamos firme, Brasil" em 2000, visando à Copa de 2002. "Desde criança tenho contato com a arte. Quando ainda era garotinho já ficava nas serestas e nos chorinhos. Quando me mudei para Juiz de Fora, conheci alguns sambistas da região do Alto dos Passos que me influenciaram com o samba. Desde essa época, sabia que a música faria parte da minha vida", assegurou o cantor na época, relatando ainda que, aos 17 anos, já se apresentava com as próprias composições e sambas-enredos. Integrante da União Brasileira de Compositores (UBC), Geraldo Santana tornou-se verbete no Dicionário da MPB, de Ricardo Cravo Albin, mais um registro capaz de imortalizar sua exaltação ao samba.

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Histórias recontadas

"Eternizar seu nome e sua obra na memória musical da nossa cidade é merecido reconhecimento, gratidão e orgulho para todos nós, juiz-foranos!" Com essas palavras, o escritor Wanderley Oliveira pretende iniciar a biografia "Geraldo Santana – Sonho, música e realidade", a ser lançada em março de 2012 com recursos da Lei Murilo Mendes de Incentivo à Cultura.

A obra, conforme Oliveira, tem como objetivo abrir uma janela em que "sua música ainda conquistará o Brasil". "Seus sambas atravessarão os tempos, com a marca de sua criatividade. Ele quis fazer uma revolução para a volta do samba autêntico brasileiro. Ele queria, ainda, procurar amigos, recordar andanças, aventuras, rever parceiros, clubes e escolas de samba, recuperar o tempo perdido. Com músicas gravadas nos estúdios da Rádio MEC e projetos engavetados, estava à espera de um apoio concreto para realizá-los", justifica o biógrafo.

"Ele sempre se queixava da desvalorização do profissional", complementa. Santana viveu com a música e não de música. Sua história é marcada por simplicidade, samba e busca de reconhecimento.

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