
Com diversos formatos e tamanhos, esferas ocas promovem experiência sensorial que pode ajudar a (re)descobrir muito a respeito de si mesmo
Ouvir a si mesmo, mas de uma forma diferente. Esta é uma das muitas propostas que o coletivo O Círculo, do Rio de Janeiro, apresenta na exposição “Corpo oco”, que tem início nesta terça-feira e pode ser conferida no Espaço Reitoria da UFJF. Já a abertura será às 10h, no Anfiteatro das Pró-Reitorias, com um café da manhã que contará com a presença das artistas do coletivo. A mostra permanece na instituição até 8 de outubro.
Fruto de um trabalho coletivo das 12 artistas d’O Círculo, a exposição reúne corpos esféricos de cerâmica confeccionados em diversos tamanhos, espessuras e cores, que poderão ser usados pelo público para ouvir os diversos sons que resultam dessa variedade. Com isso, a expectativa é que os visitantes possam ouvir os mais diferentes sons vindos do próprio corpo de acordo com as características de cada peça, promovendo uma imersão em seu próprio eu que possa resultar em um autoconhecimento – ou descoberta, redefinição ou qualquer outra espécie de sentimento. Mas também será possível descobrir em cada esfera de barro sons que venham de fora, como costumamos ouvir o som do mar, da chuva, entre outros, quando colocamos uma concha no ouvido.
Segundo a coordenadora do projeto, Isabela Frade, o coletivo teve início em 2009, quando ainda se chamava O Círculo de Mulheres de Arte da Terra. Era um projeto acadêmico da Universidade Estado do Rio de Janeiro (Uerj) com moradoras da comunidade da Mangueira, na capital fluminense, vizinha à instituição. “Se fôssemos tentar pensar na coisa mais profunda do trabalho, ela vem da busca da questão do feminino”, explica. “É um grupo heterogêneo de mulheres, a mais velha de 73 anos e a mais nova de 12. Começamos a fazer a analogia com o barro, a terra sendo o feminino, e o corpo oco foi uma busca de expressões, de formas femininas que já vinham de outro trabalho, chamado ‘Corpo de mulher’, que é uma coisa mais política, explícita.”
De acordo com Isabela, a mulher há tempos é vista como um corpo despedaçado, que é notada, por exemplo, pelo seu cabelo, a língua ferina, as pernas ou qualquer outra parte específica que é compartimentada pela nossa estrutura social. “A sociedade patriarcal despedaçou a mulher, na sociedade de mercado somos vendidas aos pedaços, a bunda, os peitos”, critica. A partir daí buscamos algo mais profundo, que é a mulher como um continente. Ao fazermos as esferas descobrimos os sons dessas mulheres, nosso encantamento foi descobrir que esses ‘ocos’ reverberavam nosso próprio corpo.”
Processo criativo
Com um conceito desenhado, as integrantes do coletivo começaram a experimentar até onde a ideia poderia ir, confeccionando esferas de diferentes espessuras e tamanhos. “Descobrimos que cada oco faz um som diferente, dependendo do seu tamanho. Alguns estarão espalhados, sozinhos, pela exposição; a pessoa pode pegar, sentar, deitar com eles e ouvi-los, outros estarão agrupados. Não nos preocupamos com a aparência externa, e sim com o que poderíamos encontrar lá dentro.”
Questionada se o ato de ouvir esses sons por meio das esferas de cerâmica seria uma metáfora para se descobrir por inteiro ou inteira, ignorando a aparência exterior – já que as obras foram criadas mais para serem “ouvidas”, tocadas do que vistas, e cada ouvido percebe os sons de forma distinta -, a artista considera a interpretação válida, exemplo do quanto a arte pode encontrar caminhos e entendimentos não imaginados por quem a criou. “Quando ouvimos uma concha, muito do que está ali é a reverberação do nosso corpo. Começamos a nos encantar por essas experiências, por nos ouvir dentro desse oco. Você pode ouvir um som de cachoeira, chuva, uma praia, um vulcão, um vendaval. É o seu som, sua corrente sanguínea, seus sons internos. É um caos sonoro em que essas informações acabam se misturando.”
Isabela conta que as esferas começaram a ser criadas há cerca de um ano e meio, e que a primeira experiência com elas foi em uma exposição, em novembro de 2015, em uma galeria da própria Uerj, ainda no início de um processo que buscava descobrir como dialogar com o público. A diversidade das obras, aliás, pode ser vista como resultado da pluralidade das integrantes do coletivo, que inclui professoras, estudantes de graduação e pessoas da comunidade, num grupo heterogêneo que muda seus integrantes de acordo com a passagem do tempo. “É um círculo em movimento. “Algumas pessoas da comunidade que começaram com a gente hoje promovem oficinas na Uerj. A comunidade da Mangueira foi um grande aprendizado para nós, porque você passa a conhecê-la de dentro, assim como houve o processo inverso”, acredita. “Da mesma forma que é importante trazer a exposição para a UFJF, poder compartilhar com pessoas que estão dispostas a abraçar nossa proposta.”
Questões da feminilidade
Surgido em 2009, o coletivo O Círculo utiliza o barro, a cerâmica não apenas para a transformação da matéria. Como se pode perceber pelas palavras de Isabela Frade, há no grupo uma preocupação com as relações simbólicas entre o orgânico e o geométrico; o saber erudito e o popular; e o feminino no diálogo com o masculino, entre outros. É o feminino na arte, com os diversos discursos observados atualmente – resultando no desenvolvimento de seus próprios referenciais -, o norteador do trabalho das artistas, que já realizaram outros projetos além do “Corpo oco” e “Corpo de mulher”.
“Nós realizamos o ‘Projeto Falange’ com mil e um dedos femininos. Há todo um caráter erótico nos dedos, como se fossem dez falos que tivéssemos nas mãos. Ele foi apresentado na Universidade Federal da Bahia (UFBA) durante o Encontro Nacional de Cultura. Fizemos uma mandala com os mil e um dedos, e o público interagiu de uma forma muito vibrante com esses dedos-falos”, relembra. “O nosso primeiro trabalho em conjunto foi o ‘Lembrancinhas’, ainda em 2009. Ele foi interessante porque as mulheres da comunidade queriam fazer algo útil, enquanto que na universidade temos a ideia de que arte não tem função, que ‘não serve para nada’, então resolvemos fazer coisas que pudessem ser usadas em casa. Começamos a produzir vasos de cerâmica. Foi um exercício de aprendizagem e também uma experiência de troca, pois começamos a pensar na utilidade deles, uma lembrava de algo que tinha em casa que poderia dar para outra, e as trocas foram acontecendo.”
CORPO OCO
Abertura da exposição nesta terça-feira, às 10h, no Anfiteatro das Pró-Reitorias da UFFJ
De segunda a sexta-feira, das 9h às 18h, e sábados das 9h ao meio-dia no Espaço Reitoria
Entrada franca