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Juiz de Fora ganha novo espaço cultural: Sala de Giz

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Foto: Olavo Prazeres
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Em 2015, na estrada de Juiz de Fora para o Rio, onde faziam uma especialização juntos, Bruno Quiossa e Felipe Moratori trocavam sonhos. A pulsação criativa dos dois foi motivação para criarem o primeiro espetáculo da companhia de teatro Sala de Giz, que acabava de surgir junto à estreia do “Circo dos Quasevelhos”, no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas. Um texto pesado, por ser mais realista do que utópico. A sala em arena e a música sendo feita no instante do espetáculo tomaram a atmosfera do lugar. Na ocasião, o responsável pelos ruídos sonoros foi Luís Gustavo Mandarano, ator da Cia. Trem, que entrava em cena pelo som. Após a estreia, Bruno e Felipe deram continuidade às produções da Sala de Giz, com o “Tempo de afogar 2 cavalos” (2016) e preparam a estreia de “Terra sem acalanto” para este ano.

Uma, não, várias demandas da classe artística seriam supridas se recorrêssemos a espaços e cursos de formação. Felipe Moratori desenvolvia uma oficina de teatro no CCBM, em que muitos atores e atrizes passaram. Foi o ponto de encontro para alguns deslancharem projetos pessoais ou em grupo. Inclusive, em 2014, o espetáculo “Não-vão-além” surgiu em decorrência destes encontros, junto aos alunos.

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Assim, a Sala de Giz percebeu que podia, ainda que fosse em uma pequena salinha na Olegário Maciel, abrir uma brecha para pequenos grupos estudarem teatro e produção. A sala ficou pequena, e alguns têm dito que está virando “casa” (mas só na arquitetura). Neste sábado, 21, ela renasce em novo endereço. Um espaço de teatro, dança, cultura, performance e música. Sobretudo um lugar que une os anseios artísticos de uma cidade com mais de meio milhão de habitantes, com uma universidade federal onde existe um instituto de artes, fora o histórico cultural que nos abrilhanta. Rua Mariano Procópio 65 é o endereço do mezanino, com uma sala constituída, literalmente, com resíduos de giz no chão e nas paredes. Um lugar que surge como possível, aberto, indefinido, espaço de diálogo e de nascimento de projetos, espetáculos e peças.

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Inauguração

Frisando esse poder de encontro, a Sala de Giz abre as portas com um show da Clara Castro, compositora de Barbacena, que lança nesta sexta-feira, 20, seu primeiro álbum, “Caostrofobia”, pela Som Livre e pelo selo Nomad. Ainda não será o show de lançamento do disco, com todos os arranjos, mas é um show intimista, voz e violão, que com certeza vai dar para sacar as novas músicas. O músico Fred Fonseca, compositor da trilha da peça mais nova da companhia, também irá se apresentar inusitadamente. E os donos da Sala, Felipe e Bruno, vão fazer a cena zero do espetáculo “Tempo de afogar 2 cavalos”, vencedora do 8º Festival de Cenas Curtas de Juiz de Fora, em 2016.

Com a mão na massa e um sonho real, Felipe Moratori e Bruno Quiossa acreditam no potencial da cidade para as artes (Foto: Olavo Prazeres)

Um universo

Companhia é estar junto ao outro, em trato íntimo, convivência aguda. É um grupo organizado em torno de um mesmo fim. “Eu li a diretora de teatro norte-americana, Anne Bogart, e ela conta em seu livro um conselho que recebeu de um de seus professores mais antigos: “Você só vai ter conquistas no teatro se tiver uma companhia. Você pode ter inúmeros trabalhos maravilhosos, mas é a companhia que vai fazer criar raízes, é onde você vai pesquisar, onde você vai colocar seus desejos para fora artisticamente”.

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A logo da Sala de Giz é uma planta baixa riscada de giz, e o nome é uma brincadeira com a sonoridade “Giz de Fora”. Por outro lado, este é um material de uso diário nos exercícios de teatro que propõem nos cursos. Um material efêmero. Só de passar a mão, borra, sai. “Eu gosto de pensar nisso de ser um material comum, do dia-a-dia, mas que pode abrir espaço para um mundo de ideias. Eu posso colocar um bastão de giz e não ser nada. Mas à medida que eu começo a usá-lo, ele vira criação, torna-se um universo. E isso tem muito a ver com teatro, quando você pega uma coisa do cotidiano e ela se transforma. Basta o olhar do artista para usar o giz e determinar o que ele é”, explica Bruno.

Juiz de Fora como sala de estar

De permanecer e se arriscar. “É impossível viver nessa cidade? Eu quero viver Juiz de Fora e quero que ela tenha teatro, música, eu quero que ela tenha estabelecimentos diversos que me proporcionem a mesma coisa como se eu estivesse em uma supercidade. E quem faz a cidade? É a gente”, define Bruno refletindo o porquê de se estabelecerem aqui, onde os dois nasceram.

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“No Plano Municipal de Cultura, um dos principais pontos é formação, que a gente abraçou como objetivo. Poderia ter escolhido sair de Juiz de Fora, mas a gente escolhe ficar e afirmar esse espaço. Quando a gente abre a sede, percebe que não é só fazer do espaço uma escola, mas que ele possa ser um estímulo para esses outros artistas da cidade”, afirma Felipe, contando que logo que deram a notícia de que fariam a mudança, naturalmente foram surgindo pedidos de grupos próximos: “A gente pode ensaiar aí?”, além de companhias locais e de fora que já querem ocupar a “Sala” com seus espetáculos.

Sala de Giz abre para apresentações de diversos artistas (Foto: Olavo Prazeres)

O Num Grupo de Dança, sob direção de Cecília Cherem, está utilizando como residência artística para trabalhar o espetáculo “Amanhã talvez eu faça a mesma coisa”, que estreia dia 16 de agosto no OAndarDeBaixo, com Bruno Psi, Maria Clara Nardy e Thais Braga, além da própria coreógrafa. “Essas vozes atuantes das áreas, a Cecília pela dança, que foi para o Sul e voltou agora. O Fred Fonseca, da música. A gente está descobrindo estes parceiros e o espaço está aí de portas abertas para acolher”, diz Felipe.

Para o segundo semestre, trabalhos realizados pela Cia. Sala de Giz, além de outros parceiros, já irão completar a agenda, que acontecerá de maneira constante todos os finais de semana, na intenção de experimentar o local, entender a estrutura e a capacidade de público. Para o ano que vem, vão abrir para toda a cidade preencher a programação. “E são as vozes dessas novas gerações que precisam dizer o que querem, o que vão construir. Porque se a gente for escutando as vozes que já estão instituídas, muitas delas estão carregadas de um certo pessimismo, natural, e são elas que nos alimentaram durante muito tempo. Mas é a nossa vez de construir este espaço e é nessa perspectiva que a gente está ampliando a Sala de Giz”, complementa Felipe Moratori.

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Ficar, mas também sair para estudar, pesquisar e viajar com um espetáculo que não precisa ser somente local. Bruno faz uma reflexão a partir de uma fala do ator Pedro Cardoso, que diz: “Não importa onde você esteja, você é parte da sua terra, porque você leva o seu universo cultural com você, o que você construiu desde que saiu”. Nesse sentido, estar em Juiz de Fora significa, para ele, tentar fazer daqui um lugar que ele ajudou a criar e que é a sua identidade.

Ator de muitos personagens, artistas de múltiplas funções

Em 2017, quando Bruno e Felipe tiveram a ideia do novo espetáculo “Terra sem acalanto”, que tem como pano de fundo o crime ambiental da Samarco/Vale na cidade de Mariana, eles viram que não sairia o Edital da Lei Murilo Mendes, então tiveram que achar saída para conseguirem montar. “Foi a primeira companhia da cidade, pelo menos que a gente tem notícia, que conseguiu fazer um crowdfunding para viabilizar uma peça teatral”, conta Felipe. Bateram a meta antes do prazo final e vão trazer uma diretora do Rio, Tatiana Henrique, para a direção.

A percepção dos dois é a de que ser artista é também ser produtor, empreendedor, sócio-proprietário de um espaço. E dar conta de infinitas demandas além da criação em constante pulsação. “Eu não posso nem ser mais artista e nem menos empreendedor. Ou eu faço arte e não consigo fazer essa arte voltar para mim de uma forma que eu consiga me manter, ou eu faço uma arte que só se mantêm, mas não é interessante artisticamente para o que eu estou pesquisando”, comenta Bruno, que cuida da parte burocrática e financeira do espaço, até mesmo de todos os materiais necessários para a “Sala” funcionar, enquanto Felipe executa a parte de divulgação, de pensar os conteúdos e gerir as publicações.

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“Artista, hoje, não tem como fugir. Ainda que não execute na prática, a gente tem que saber dar as demandas. E é a capacitação e o desenvolvimento desse olhar de produção que fazem o pulo do gato acontecer na cena de teatro da cidade. Não dá para pensar: ‘Ah, eu sou só o artista, então estou esperando aparecer um diretor que me chame, um dramaturgo que vai me dar um texto’. No teatro, em Juiz de Fora, tem muitos atores, mas você não tem por volta deles todos os outros fundamentos para o teatro acontecer. Necessita uma formação técnica. Precisa falar de iluminação, cenário, figurino. Quando a gente conseguir construir esse formato, como um todo, aí daremos um salto”, acredita Felipe.

A possibilidade de um trabalho existir

O financiamento coletivo e o ato em si de abrir uma brecha para escoar uma produção menor, que cabe às companhias da cidade, são estratégias de sobrevivência muito adequadas e potentes. Como Felipe mesmo afirma, é uma resposta à pressão que recai sobre eles. “A gente cria essa potência de ação no momento em que há uma crise institucional muito grande em cima da gente. E eu acho que isso é um reflexo. Porque é um espaço íntimo que vai acolher trabalhos pequenos, para um público alternativo, e que não terá um gasto para ocupar um teatro grande, com equipamento caro. Essa é a possibilidade de tornar possível um trabalho, fazendo uma adaptação estética, que é muito rica e potente.”
A inauguração espelha o movimento que irá girar em torno da Sala de Giz, tudo funcionando com parcerias. Além das atrações já previstas, com a Clara Castro, Fred Fonseca e a encenação da própria companhia, os intervalos serão para poesia, intervenções, performances. Para quem quiser espontaneamente se apresentar, o microfone estará aberto para se inscrever.

Sala de Giz
Inauguração da nova sede neste sábado, 21, das 17h às 23h, na Sala de Giz (Rua Mariano Procópio 65, Centro).

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