
Helvécio Ratton no set de filmagens com os protagonistas de seu mais novo filme, “O segredo dos diamantes”
Nos anos 1950, um pedreiro que trabalhava na reforma da casa que havia pertencido ao poeta inconfidente Cláudio Manuel da Costa, em Ouro Preto, descobriu um baú em uma das paredes. O objeto continha moedas de ouro e manuscritos. Pouco a pouco, o homem foi trocando o que tinha até que uma das cartas chegou às mãos de Angelo Dettori. “Quando filmei ‘A dança dos bonecos’, em Diamantina, o ator que faria o avô da menina adoeceu, e tive que buscar um substituto. Encontramos lá um italiano, o Angelo, que tinha uma casa de máquinas e parecia um Gepetto. Ele tinha feito pequenos papéis no cinema mudo italiano. Durante as filmagens dizia ter uma história para contar. Passaram-se os anos, e voltei para ouvi-lo”, conta o cineasta Helvécio Ratton. Ao retornar, Angelo lhe contou o que fez com o manuscrito.
No papel, estava a confissão do roubo de diamantes e o destino das pedras, que haviam sido enterradas perto de Diamantina. Angelo comprou a carta, as terras indicadas, mas não encontrou nada, passados mais de 200 anos. O italiano havia lutado na Segunda Guerra e veio para o Brasil. Como prova de gratidão, queria encontrar o tesouro e pagar a dívida externa brasileira. Angelo novamente resolveu investigar e concluiu que o Conde de Monte Cristo havia ouvido a história em uma prisão em Lisboa e, ao ser libertado, passou pelo país e resgatou os diamantes. Ainda que não esteja no filme, a história serviu como ponto de partida para “O segredo dos diamantes”, sétimo longa-metragem de Helvécio.
A obra, que estreou na última quinta, em apenas 20 salas do país (em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília), narra a aventura do menino Angelo (eis a homenagem ao italiano que despertou o diretor para o trabalho), que sofre um acidente de carro com os pais a caminho da casa da avó, em Minas Gerais. Ao chegar em seu destino, o garoto fica sabendo sobre a descoberta de um tesouro e resolve investigar, com o intuito de conseguir pagar a cirurgia da qual o pai necessita. Com Dira Paes no papel da mãe e três jovens atores, a produção já recebe elogios da crítica, que pontua o vigor de uma linguagem já vista em “Menino Maluquinho – o filme”, de 1994. Por telefone, Helvécio Ratton conversou com a Tribuna e comentou sobre o desafio de falar aos jovens e sobre sua relação com Minas. O diretor também revelou seu entusiasmo para o início das filmagens do documentário baseado no livro “Holocausto brasileiro”, da repórter especial da Tribuna Daniela Arbex, que devem ocorrer no primeiro semestre de 2015.
Tribuna – Porque fazer um filme infantojuvenil?
Helvécio Ratton – É uma ousadia enorme. Quando vislumbramos a coisa em termos econômicos, compreendemos um pouco isso. No Brasil, temos cerca de 2.800 salas. Recentemente, teve um filme norte-americano, “Jogos Vorazes”, lançado em 1.400. Brinco que esse é um filme voraz. Nosso país é o único do mundo que permite uma coisa dessas. Todos os outros países regulam para que não haja monopólio e impõe limites. Na França, nenhum filme pode ocupar mais de 30% das salas. Aqui ocupam 50%. Esse público infantojuvenil é a maior audiência de cinema do mundo, o que gera a maior fonte de renda nos Estados Unidos. É a galinha dos ovos de ouro. O Brasil não faz filmes assim, e é fácil entender. Há uma questão econômica de fundo muito forte, uma ocupação de mercado, e a política é não dar espaço para os brasileiros. A Disney não topa apoiar produções nacionais para o público jovem. Eles não largam mão desse mercado com a cumplicidade de meios de comunicação, esquemas de exibição e muito mais. Fazer, então, é uma luta para abrir espaço em um mercado. Sinto como se fazer aqui fosse uma ocupação estrangeira. Mas sinto que é possível e já fiz. Não faço por missão, mas por prazer. Esse período da minha vida foi intenso, li muitas histórias, assisti a muitos filmes, fabulei muito.
– Esse público tem alavancado o mercado literário no Brasil e fora dele. Isso mostra que essa audiência também é exigente. Em termos narrativos, também há um desafio…
– Quando provoca a inteligência deles, eles respondem. Não é só um setor importante economicamente, mas culturalmente também. Já ouvi uma pessoa dizendo que foi ver um filme brasileiro aos 25 anos. Para ela, o filme nacional é que é estrangeiro, provoca rejeição, porque é algo a que não foi acostumada desde pequena. Essa lacuna na formação cultural é muito grande. E o cinema é um instrumento poderoso de afirmação cultural. A imagem dos Estados Unidos foi fortalecida pelo cinema. Sinto que meus filmes rodados em Minas acabam virando uma vitrine do estado.
– E como “O segredo dos diamantes” te tocou?
– Caça ao tesouro é universal, e pedras preciosas sempre exerceram fascínio no ser humano. Conheço muitas histórias, e Minas é um território disso. Onde tem ouro tem lendas. Na época dos portugueses muita gente escondia pedras para não pagar impostos ou perder. Muitos morriam, e esses tesouros ficavam escondidos. Sempre quis falar disso.
– Mais uma vez, você usa Minas como cenário e personagem. Porque tornou-se um cineasta tão identificado com o estado?
– Já filmei na Espanha para a TV Cultura, na França para “Batismo de sangue”, e em outros estados. Conheço muito os cenários de Minas e, quando começo a escrever, acabo criando em função desses lugares. Aqui temos uma diversidade de cenários muito grande. No Norte, é uma coisa, o Sul é outra, a região metropolitana, ainda outra. Temos cidades grandes, médias e pequenas. Temos preservadas ilhas de histórias do colonialismo, que ainda achamos dentro de Belo Horizonte e até em Juiz de Fora, o que dá para recriar época. Manejo muito esse cenário e, por razões econômicas, fico aqui. Tenho uma predileção, porque sou daqui e me dou bem com as pessoas daqui. Não foi uma escolha, mas foi algo natural.
– E como foi filmar com um jovem elenco?
– Nos três filmes infantojuvenis que fiz, foram muitos testes. Para “O segredo dos diamantes”, fiz mais de 600. Não queria garotos que já haviam entrado no mundo do audiovisual. Esses três garotos que encontrei aqui são muito bons. O Matheus é de Ouro Branco, a Rachel, de Belo Horizonte, e o Alberto é de Santa Luzia. Exige certos cuidados para preservar a espontaneidade e a naturalidade com que eles podem interpretar. Tomo o cuidado para que percebam que o cinema é um jogo, e, como toda brincadeira, tem regras.
– Em contrapartida, você também trabalhou com uma atriz muito identificada com a história recente do cinema nacional, a Dira Paes. Como foi tê-la no elenco?
– Considerava uma lacuna no meu trabalho nunca ter filmado com ela. Sou encantado por ela, por esse rosto tão brasileiro e bonito e por essa tão boa atriz. O Rui Rezende também é um ator emblemático e faz um vilão sensacional.
– Esse foi o último trabalho da Manoelita Lustosa?
– Ela não chegou a ver o filme pronto. Planejamos uma sessão em minha casa, mas não deu tempo. Deixou na tela um trabalho incrível. Foi muito profissional e generosa com os meninos.
– “Holocausto brasileiro” é seu próximo projeto?
– Estou muito entusiasmado com isso. “Em nome da razão”, que rodei no hospício de Barbacena, foi meu primeiro filme e foi muito forte, não só na minha carreira, mas na minha vida. Sou muito marcado por ele e consigo sentir cheiros. A Daniela (Arbex) fez um trabalho muito bom. Tanto no meu filme, quanto em vários outros feitos em hospícios, nunca se fala nesses seres que viram uma massa anônima. Ela foi resgatar e reconstruir as histórias deles. Muitos deles estão no meu filme. A Débora, que está no livro, só viu a mãe dela em meu filme. Num primeiro momento, meu filme foi uma porrada, a denúncia, mas agora quero lançar um olhar mais poético sobre o hospício e sobre aqueles personagens. O momento é muito diferente. Esse filme vem quando se discute para onde deve ir o tratamento da saúde mental no Brasil.