Deixe que façam. Afinal, “se mandar chorar eu canto” e “se mandar cantar eu choro”. Eles sabem da força que têm e o poder que guardam na voz. Em “Cantorias”, composição de Rufo Herrera que abre e dá título ao terceiro disco da carreira, o Coral da UFJF sintetiza o que falam em nove faixas: há uma consciência do caminho ousado que decidiram trilhar. Cantando rock, tango, negro spiritual, erudito, MPB e regional, os 20 integrantes regidos pelo maestro Guilherme Oliveira exibem a versatilidade que mantém jovem um conjunto com mais de quatro décadas de existência. “Queríamos um nome que com uma palavra registrasse a questão da diversidade. O Rufo Herrera foi um professor meu da faculdade, e sempre tive um carinho muito grande por ele. Desde a década de 1960, ele mora no país”, diz o regente, falando sobre o autor da canção baseada em “Grande sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa.
“O repertório deste CD é bem eclético. Os dois primeiros eram prioritariamente de música brasileira. Quando entrei, continuamos desenvolvendo a parte cênica, mas o repertório foi mudado, pareando um pouco mais com negro spiritual e canções em outros idiomas”, comenta Guilherme, que em 2011 assumiu o comando do grupo com o projeto de lançar o terceiro álbum, após um hiato de dez anos sem entrar em estúdio. Distribuída gratuitamente, a obra tem lançamento nesta sexta, no Cine-Theatro Central, mas o espetáculo originado do disco tem previsão de estreia nos próximos meses.
“Ao chegar no Coral da UFJF, vi que era um grupo muito bom, com muito potencial. Pensei: porque não aproveitar isso para fazer música de qualidade, o que eles já faziam, mas também para mostrar versatilidade? O mesmo coral, no mesmo contexto, canta uma música sacra e logo depois canta um rock, como ‘Bohemian Rhapsody’, do Queen. Foi desafiador trazer isso”, conta Guilherme.
Ponto alto do trabalho, a canção eternizada na voz de Freddie Mercury reforça a postura descontraída do grupo, cujas primeiras apresentações, ainda com nome de Coral Pio XII, eram feitas na Igreja da Glória e posteriormente na Galeria de Arte Celina. “Somos resistentes, ousados, não aceitamos padrões impostos”, destaca uma das integrantes, Laura Castro, que também atuou como uma das produtoras do CD. “O coral sempre quis cantar ‘Bohemian Rhapsody’. Para coro sem o acompanhamento de instrumentos, essa é uma música bem difícil de criar o clima do rock, que tem bateria, guitarra e baixo”, reforça Guilherme, apontando para a garra dos 20 integrantes, que, no novo álbum, cantam dois clássicos da música popular brasileira: “Roda viva”, de Chico Buarque, e “De frente pro crime”, de João Bosco e Aldir Blanc.
Enquanto em “Roda viva” o grupo revive o arranjo de Magro Waghabi, do MPB-4 – o músico cedeu os direitos meses antes de partir -, em “De frente pro crime” pesa a mão (ou a voz) ao criar o clima tenso de uma música cantada com excessiva dramaticidade por Elis Regina. “Há três anos, estamos trabalhando nesse projeto. Ficou bem diferente dos outros dois discos e mostra bem a cara do coral hoje”, comenta Guilherme de Oliveira. De acordo com ele, alguns compositores cederam os direitos autorais de suas obras, como o Rufo, de “Cantorias”, e o Max Gonzaga, de “Classe média”, e outros precisaram ser adquiridos pela universidade. Afinal, após tanto tempo sem gravar, o coral, hoje renovado, queria ter a segurança de estar cantando algo que refletisse sua identidade.
“Pelo fato de ser um coro pequeno, somos 20 pessoas – nosso coral é à quatro vozes, duas masculinas e duas femininas, com cinco pessoas em cada uma -, sempre prezamos para que cada cantor tenha o potencial de solista. Por se tratar de um coro pequeno, com a falta de alguém, os integrantes precisam ter a potência vocal para dar conta do recado”, explica o regente. E o tal recado desse grupo de 20 jovens – alguns nem tão jovens, assim – é composto pela emoção das vozes. “Sinto muito prazer em cantar em grupo. Cantar junto é muito diferente”, aponta a coralista Laura Castro, mas também pelo pensamento do que cantam. De acordo com Laura, algumas músicas foram escolhidas pelo prazer de todo o grupo ao executar, e outras pela empatia que criavam com o público. “Todas as decisões que tomamos são em conjunto, faz parte da identidade do grupo”, diz.
E se o disco se abre indicando as nove faixas, o mesmo acontece com a música de encerramento, que repensa a trajetória traçada pelo álbum e aponta para a força que há no que se fala em conjunto. “Classe média”, do compositor Max Gonzaga, emociona pela vitalidade dos solos que se revezam e também pela riqueza de um texto extremamente consciente (pelo viés da ironia). “Sou classe média/ compro roupa e gasolina no cartão/ odeio ‘coletivos’/ e vou de carro que comprei a prestação”, diz a letra, fazendo troça em uma acidez rara na música de hoje. “Essa música, quem trouxe para a gente foi o André Pires, que é o autor do arranjo. Mexemos com as pessoas ao cantá-la, é uma crítica muito grande. Para nós, poder levar essa crítica e ver a reação das pessoas é muito interessante”, comenta Laura. Ainda que o disco se encerre com “Eu quero é que se exploda a periferia toda”, na graça de uma música instigante e incômoda por isso, fica a sensação de que um coral é muito mais que o encontro de vozes.
CORAL DA UFJF
Nesta sexta, às 20h, abrindo solenidade de posse do reitor Júlio Chebli
Cine-Theatro Central
Entrada gratuita