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Como os palcos e os artistas podem se ajudar na retomada

Central fernando priamo
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O ator e dramaturgo Felipe Moratori durante a primeira live gravada no palco do Teatro Paschoal Carlos Magno. (Reprodução)
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Num mundo onde não existissem artistas, não haveria palcos. Ainda que regras de mercado favoreçam uma relação, por vezes, desequilibrada, é certo que há uma consonância entre quem faz um espetáculo e o lugar que ocupa. No presente, enquanto sofre a classe artística, o que fazem as casas de shows fechadas há mais de quatro meses após o decreto municipal de 17 de março, que estabeleceu as primeiras diretrizes para o enfrentamento à pandemia do coronavírus em Juiz de Fora? Após o longo silêncio e a inação da maioria dos espaços locais, a cidade assiste iniciativas – ou projetos de iniciativas – para a sobrevivência de uma fragilizada categoria e em prol de um incerto futuro da cena.

No último domingo (12), o Teatro Paschoal Carlos Magno abriu as portas pela primeira vez para sediar uma live solidária produzida pelo Coletivo Salto com artistas locais. No dia anterior, no sábado (11), o Cultural Bar também se abriu para a exibição de quase sete horas da live do JF Rock City, com as bandas Obey!, Acoustic N’Roll e Martiataka. “Tínhamos uma expectativa em caráter de teste. Como não havíamos feito esse experimento de transmissão e nem o coletivo tinha essa experiência, foi novidade para todo mundo. Nesse sentido, foi superválido”, comemora Luiz Fernando Priamo, diretor do departamento de espaços culturais da Funalfa, responsável pela gestão não só do novo teatro, como de outros centros culturais do município, como o Centro Cultural Bernardo Mascarenhas e o Museu Ferroviário.

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A banda Acoustic N’ Roll foi uma das que se apresentaram na primeira live gravada no palco do Cultural Bar. (Reprodução)

De acordo com Priamo, a Funalfa estuda disponibilizar seus palcos para lives por meio de editais ou outros instrumentos pelos quais os artistas possam submeter projetos e serem contratados. “Também estudamos outras possibilidades. Temos visto teatros no Rio de Janeiro, onde a coisa já está aberta há algum tempo, funcionando com transmissão de peças. Temos avaliado, por enquanto, maneiras de utilizar o espaço. Não temos um protocolo fechado em relação a isso e não atingimos a onda roxa do Minas Consciente. Tudo está na previsão”, diz, referindo-se à etapa prevista para depois da pandemia.

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UFJF prepara edital para a classe

Quando o diretor do Museu de Arte Murilo Mendes, Ricardo Cristofaro, e a produtora do espaço, Carmem Altomar, apresentaram uma proposta de ocupação para a Pró-Reitoria de Cultura, alguns dos demais centros culturais administrados pela UFJF mostraram-se consonantes com a ideia de, mesmo fechados para o público, abrirem-se para os artistas. Surgiu, então, um grande edital que contempla diferentes endereços e variadas linguagens (teatro, dança, música, artes visuais, literatura, audiovisual, dentre outros) e que deverá atender 150 artistas ou grupos.

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Em tramitação, a proposta coloca à disposição os equipamentos, seus técnicos e ainda prevê o pagamento de um pequeno prêmio para os selecionados. “A live, em geral, tem um empecilho em nossos equipamentos por uma questão técnica de não termos a internet ideal, mas propomos gravar e disponibilizar os espetáculos nas plataformas on-line”, indica Luiz Cláudio Ribeiro, o Cacáudio, diretor do Cine-Theatro Central. Maior palco da cidade, o Central já vinha praticando desde 2018 um projeto capaz de valorizar e divulgar a cena local. Fazendo do palco também espaço para a plateia, o Palco Central parecia já prever o tempo das lives com seu formato intimista. Por que não agora, então?

Central integra espaços previstos em edital preparado pela Pró-reitoria de Cultura da UFJF. (Foto: Fernando Priamo)

Segundo Cacáudio, o edital, bem mais abrangente, permitirá eventos semelhantes. “A gente reconhece a importância dos espaços culturais, dos palcos que temos na cidade, em especial os que são administrados pelo Poder Público, e sabemos que temos um compromisso e uma responsabilidade com a classe artística. E estou pensando não só nos artistas que a gente vê nos palcos, mas nos que estão por trás, também”, diz, referindo-se a um conjunto composto por técnicos de luz e som, figurinistas, cenografistas, roadies, camareiras, dentre outros ainda mais invisibilizados neste momento.

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“Há uma grande responsabilidade dos palcos privados e públicos, não só os municipais, mas os estaduais e federais também. Temos que entender isso de forma bastante ampla, porque esses palcos não atendem só as demandas artísticas, mas a sociedade como um todo”, pontua Luiz Fernando Priamo. “Enquanto promotores de cultura, temos uma grande responsabilidade em tornar possível o consumo de cultura, mas antes disso precisamos ter a preocupação do cuidado com o próximo. Antes de realizar essas ocupações, precisamos ter protocolos bem estabelecidos. Por enquanto, o que temos visto é a questão das equipes bem pequenas, como foi domingo, com apenas cinco pessoas trabalhando na técnica, mais três artistas no palco e um apresentador. Tudo com portas abertas e todos com máscaras o tempo todo e usando álcool em gel”, alerta o diretor do departamento de espaços culturais da Funalfa.

‘A gente não quer só comida’

Em um dos debates com a classe artística promovidos pela Funalfa, no projeto Cultura Conecta, a bailarina e pesquisadora Letícia Nabuco, gestora do Espaço Diversão & Arte, na Rua Halfeld, afirmou reconhecer a incapacidade da gestão municipal de apoiar financeiramente toda a categoria, mas destacou a potência que existe na simples divulgação da cena local neste momento de virtualidades. Estendendo a proposta às casas de shows, é evidente que espaços que recebem públicos distintos possuem mais visibilidade e alcance do que muitos artistas. Promover, portanto, seria uma relevante moeda.

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Guilherme Imbroisi, produtor do Uthopia, concorda. E age nesse sentido, no único gesto que lhe é possível no momento. Antes mesmo da pandemia, uma construtora comprou o terreno onde fica a casa do Uthopia e avisou dos planos de demolição para 2021. Quando os espaços culturais fecharam as portas na cidade, a ideia de encerrar as atividades presenciais foi adiantada. Mas os sócios seguem pesquisando um novo pouso, já com diretrizes provocadas pelas demandas que o futuro exige, como a prevalência de áreas abertas.

“Mais do que arranjar uma live para que os músicos se mantenham vivos e na ativa, essa é uma necessidade que também temos, de nos mantermos fortes no cenário para que quando isso tudo passar ainda estejamos prontos para lutar e para que as pessoas, durante esse tempo, não abandonem nosso conteúdo”, conta Imbroisi, que acaba de encerrar a primeira temporada do programa “Cultura de Roda”, com debates sobre os impasses culturais do momento e previsões para os dias que chegam. “Estamos terminando um manifesto que vamos liberar sobre o que foi absorvido de toda a conversa e quais apontamentos a classe artística pode seguir”, pontua o produtor, preparando, ainda, um especial com artistas visuais e amantes do vinil.

“A ideia é acessar o âmago dos artistas, o que ele faz, como cria, com detalhes do processo. Isso não era tão falado, mas, durante a pandemia, abordar isso tem criado interesse, porque ajuda a quebrar a ilusão da quarta parede, de que o palco está distante, de que o artista está num totem intocado. O artista também está se reinventando neste momento”, defende Imbroisi. “Cultura é uma ferramenta de vida, de difusão de informação, que traz à tona assuntos difíceis de abordar. Ajudar a cultura não é ação de caridade, mas fortalecimento de uma espécie.”

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Funalfa estuda plataforma
Em direção semelhante, a Funalfa estuda a criação de plataformas para divulgar os artistas locais. Tanto o Centro Cultural Bernardo Mascarenhas quanto o Museu Ferroviário avaliam aderir ao Projeto Tainacan, do Instituto Brasileiro de Museus, que possibilita a gestão e a divulgação de coleções digitais, compreendendo, assim, a produção local como uma possível coleção. “O que podemos fazer, com as ferramentas que temos, nós temos feito”, assegura Luiz Fernando Priamo, indicando as redes sociais da fundação com suas propostas de reverberação da cena juiz-forana.

‘Vai existir um buraco na história cultural’

Ainda na fase branca do plano estadual Minas Consciente, que prevê quatro etapas específicas, reavaliadas a cada 20 dias, e que inclui a reabertura dos espaços culturais somente após vencidas todas as fases, Juiz de Fora não dispõe de datas, nem mesmo previsão, para que as plateias voltem a receber espectadores. O que não impede as casas de shows de projetarem um futuro bastante diferente do passado. “A arte será muito afetada, como já está sendo e como continuará sendo. Dadas as condições que temos hoje, como reabrimos os teatros? O Central recebe os grandes espetáculos nacionais, regionais e locais, com 1.800 pessoas lá dentro. Se reduzirmos a um quarto da capacidade, como pagamos um espetáculo? Fica impossível”, defende Cacáudio, que, além de diretor do Central, é professor do curso de estatística da UFJF e músico com frequentes lives em suas redes sociais.

Maior plateia da cidade, com capacidade para 1.800 espectadores: Central, com redução, deixará de comportar grandes espetáculos. (Foto: Fernando Priamo)

Conforme aponta o gestor, produções com plateias menores conseguirão ocupar o Central com 300 ou 400 espectadores. A cidade, porém, pode não mais comportar produções agigantadas. “A questão, então, é pensar a responsabilidade do Poder Público com a cultura, que tem muita gente envolvida e que vai perder espaço. É preciso pensar a cultura de maneira ampla e como uma questão econômica”, sugere Cacáudio, representante da UFJF no Conselho Municipal de Cultura, o Concult.

Redução de 20% a 30%
Segundo Luiz Fernando Priamo, os estudos atuais indicam redução de plateias entre 20% e 30% da capacidade, o que resultaria em, no máximo, 40 lugares no teatro do Centro Cultural Bernardo Mascarenhas e 80 espectadores no Teatro Paschoal Carlos Magno. “É uma previsão que fazemos e entristece”, comenta, afirmando respeitar o resultado do edital de ocupação do Paschoal, divulgado dois dias antes do decreto que fechou os espaços de cultura da cidade. “É muito angustiante, porque não cabe só à gestão pública. Diante do cenário que vemos, sem uma coordenação federal com consciência suficiente para fazer a coisa corretamente, não tende a ter uma melhoria tão rápido”, lamenta.

“Resolver a questão da lotação agora é precoce”, pontua Cacáudio, indicando muitos outros dilemas por trás do assunto. “É possível adaptar o Central, mas quem vamos atender? Que tipo de produção vai se satisfazer com um espaço desses?”, indaga, resgatando o primeiro show a ser cancelado pela pandemia, de Milton Nascimento. “Como realizamos show dele no Central com apenas 400 lugares? Qual o custo de um ingresso para isso?”, questiona. “Quando tudo começou, havia o medo de que as lives fossem um atrativo maçante e de que perdêssemos o envolvimento das pessoas, mas chegamos à conclusão de que não tem jeito”, reflete Guilherme Imbroisi, do Uthopia. “Vai existir um grande buraco na história cultural causado por essa quarentena”, vaticina, certo de que mesmo as piores previsões não desoneram a luta por um porvir melhor.

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