Foram inúmeras as exposições de artistas juiz-foranos que tinham o texto de apresentação de Leila Barbosa. Ela, das letras, professora, tinha um flerte expressivo com as outras artes. Fazendo um paralelo: tal qual Murilo Mendes, o poeta colecionador de arte e o motivo de tantos mergulhos de Leila. Além de toda a pesquisa expressiva desenvolvida por ela nesses tantos anos dedicados à cultura de Juiz de Fora, uma nova faceta se apresenta. Aos 87 anos, é como se um outro lado viesse a público. Leila inaugura, nesta quarta-feira (19), a partir das 19h, sua primeira exposição de artes plásticas, fruto de seus desenhos dos anos 1980. Com o nome de “Lado oculto”, a mostra fica disponível até 12 de julho, na Aliança Francesa.
Leila lida, desde cedo, com a memória. A de Murilo Mendes, de certa forma, foi a que ficou mais conhecida. Mas por dentro de sues armários, existe ali sua própria memória: os vestígios de sua história dentro das caixas. “Eu tenho mania de guardar”, confessa, elencando, dentre outras coisas, os roteiros de aulas que deu (e, inclusive, das que não deu tempo de dar antes de se aposentar na Universidade Federal de Juiz de Fora). Tudo segue ali. Há dois meses, sua filha encontrou uma caixa e quis abri-la. Encontrou um lado que nem ela, nem seus irmão, conhecia: Leila, além de tudo, desenha.
Foram inúmeras também as reuniões que Leila frequentou, sobretudo na gestão cultural da UFJF. Elas poderiam durar minutos, mas também horas. Adorada por tanta gente, o que não faltava era convite de casamento, formatura, festa de aniversário e cartão postal em sua bolsa. Não faltava também canetas coloridas, que ela pegava em casa e deixava ali, a postos. As canetas eram de variadas cores, a depender do dia. Para distrair, ou pensar melhor, nas reuniões, ela tirava caneta e cartão e começava a desenhar.
Um conjunto contemporâneo
Tinha uma intenção: Leila, de fato, desenhava. Deixava a bolsa e a cabeça prontas para isso. O intuito, além disso, era mandar como um presente para seus outros amigos que também mandavam esses cartões desenhados. “Nos anos 80, tinha uma moda de fazer arte postal entre os artistas. Você fazia alguma coisa e mandava para o amigo. Tinha quem mandava todo dia. Eram experiências que a gente trocava. A gente exercitava coisas descompromissadas do resto da obra. Em qualquer pretexto, fazia, assinava, colocava no envelope e mandava”, explica Fernanda Cruzick, que assina a curadoria de “Lado oculto”.
Leila andava com muitos artistas, de fato. E, então, como fala Fernanda: “Não tinha como ela também não entrar nas artes plásticas”. Naquele momento, para Leila, aqueles desenhos não passavam de distração. Mas, como guarda tudo, com outros olhos, foi possível perceber que tinha ali uma arte que merecia ser compartilhada com outras pessoas. “Quando eu vi, pensei em fazer alguma coisa. Porque o conjunto inteiro é muito interessante. É muito contemporâneo. Parece um desenho de gente jovem. Uma pessoa livre. É um desenho livre”, afirma a curadora.
No começo, Leila confessa que achou que era uma brincadeira. Não levou a sério a ideia de fazer uma exposição com seus desenhos. Aquilo tudo não passava de uma recordação de um tempo de cultura efervescente em Juiz de Fora. Mas, quando Fernanda pergunta: “Se fosse de outra pessoa, você acharia bonito”. Ela, na mesma hora, responde: “Com certeza”. Só nesse ato de guardar, havia um desejo de fazer perdurar. E a própria escolha do material, no caso, a caneta, e o lugar onde guardou, em uma caixa fechada, foram certeira. “Tinha zelo”, percebe Fernanda. “No começo eu fiquei meio preocupada, pensando como eu ia me comparar a eles (outros artistas). Mas eu entendi que não é comparação. É mostrar uma coisa que eu fazia”, rebate Leila, rindo.
56 cartões de Leila Barbosa
Leila mandou poucos cartões desenhados, tanto que o que restou preenche uma caixa inteira. Fernanda, então, selecionou aqueles que tinham conexões e montou de forma a contar essa história. São, ao todo, 56 cartões. Em alguns casos, Fernanda juntou dois que conversavam para montar um único. São cores vibrantes que conversam diretamente com tudo o que Leila viu e acredita. Todas as suas influências estão ali: assim como quando um artista inaugura sua primeira exposição.
E foi surpresa até para Leila o resultado. Olhando para aqueles quadros já emoldurados, ela compartilha alguns macetes que foi encontrando: “Algumas cores eu já sabia que podia usar para tampar as letras. Outras, já faziam o desenho, mas livre”. “E, em tudo, a gente vai criando relações”, completa Fernanda. Na medida em que as reuniões foram acabando, Leila foi parando de desenhar. “Acho que se ela tivesse continuado, teria uma assinatura. Essa exposição existe porque eu acho que isso merece ser celebrado e mostrado. Com o que ela tem guardado, é possível, inclusive, fazer outros projetos. Mas acho que ela deveria continuar desenhando”, confessa Fernanda. “Vamos ver se eu volto”, responde a artista, rindo.
Por mais que seja uma nova arte apresentada, até nela, Leila trabalha por sobre as letras. É como uma missão: história, memória e literatura. “Lado oculto” é uma abertura para mostrar que sempre se pode mais. Fazer uma coisa pela primeira vez, aos 87 anos, para Leila, pode ser interessante. Mas, para o público, é mais ainda.
Serviço
“Lado oculto”
De segunda a sexta, das 8h às 12h, e das 14h30 às 18h
Visitação de 20 de junho a 12 de julho
Na Aliança Francesa (Rua Morais e Castro 300 – sala 220, Passos)