Não há como desviar as atenções. Carlos Oscar Niemeyer Magalhães carrega consigo o nome do avô. Na memória, guarda a vivência estreita com o arquiteto, de cujo escritório dirigiu por pouco mais de um ano. Na casa, preserva desenhos feitos pelo modernista. Contudo, a genealogia não foi a responsável por definir tudo. Ironicamente, o neto do homem que transformou a paisagem urbana brasileira, com suas linhas curvas e seus concretos, prefere a zona rural. Sempre que pode, escolhe o verde. “Apesar de ser carioca, sou muito mais ligado ao rural. Quando fui morar em Brasília, ainda neném, nossa casa era no Conjunto Park Way, fora do Plano Piloto. Lá em casa tinha cavalo, e sempre fui apaixonado por eles. Ao retornar, criança, vivia com a cela que trouxe, chegava a dormir com ela debaixo do travesseiro”, conta Carlos Oscar, que há dois anos decidiu mudar-se para Juiz de Fora.
“Quando minha mãe ainda estava viva, falei de meu desejo em vir para o interior, onde poderia cuidar das minhas coisas. Ela pediu para ficar mais um pouco, para ajudar meu avô, que estava muito velho. Acabou que ela se foi antes dele. Quando isso aconteceu, tomei a decisão de me mudar no final do ano”, recorda-se ele, que no amplo apartamento onde mora, na Rua Rei Alberto, reúne obras saídas das famosas galerias de sua mãe, filha única, Anna Maria Niemeyer, morta seis meses antes do pai. “Com um cara na família com 104 anos, ninguém acredita que alguém se vá antes disso”, brinca o administrador de 50 anos, formado pela Cândido Mendes, casado com Ana Cristina e pai de João Pedro, 16 anos, Maria Cláudia, 13, e João Henrique, 12.
Um cavaleiro
Em 1984, o pai de Carlos Oscar, o arquiteto Carlos Magalhães, que por décadas foi o fiel parceiro de Niemeyer, comprou uma fazenda em Rio Novo, na Zona da Mata. Recém-formado, Carlos Oscar logo começou a administrar o negócio. “Naquela época, eu só mexia com fazendas, uma aqui e outra na Bahia, e acabei me casando em Rio Novo, de onde é minha mulher. Em 1999 voltei, já casado, para o Rio, para dirigir o escritório do Oscar. Fiquei lá até a morte dele”, lembra ele, que, após começar a trabalhar com o avô, por uma questão formal, passou a chamá-lo pelo nome, e não mais pelo apelido afetivo “Dindo”. Para homenagear o avô, no ano do centenário, juntou-se a amigos e decidiu fazer uma ousada cavalgada. “Em 2007, falei para ele que estava organizando uma cavalgada em sua homenagem. Propus a ida até Barretos, cerca de 800km, e todo mundo se animou. O Oscar falou para levar um livro para cada cidade que eu passasse. Dali surgiu a ideia da (Associação) Cavaleiros da Cultura. Comecei a fazer uma divulgação, e daí surgiram escritores amigos, Chico Buarque, Ziraldo, Zuenir Ventura, que também enviaram livros. Num dia, a Ediouro me contatou e falou que mandaria cinco mil exemplares”, conta Carlos Oscar, que já na primeira viagem distribuiu 12 mil obras.
Rumo a um milhão
Ao chegarem a Barretos, os 18 cavaleiros se depararam com um marco, dentro do Parque do Peão, celebrando a empreitada. No marco, um cavalo desenhado pelo arquiteto modernista. “Fiz contato com todas as escolas pelas quais iríamos passar com a proposta de as crianças fazerem trabalhos sobre o Oscar. Vimos coisas muito emocionantes”, recorda-se. No ano seguinte, a associação se formalizou, e em 2009 novamente o grupo se reuniu para uma cavalgada partindo do Museu de Arte Contemporânea de Niterói até a Pampulha. No ano seguinte, partiram da Cidade Administrativa (em Belo Horizonte), que já deveria estar inaugurada, chegando a Brasília. “Quando estava pesquisando o caminho, me ligou um diretor da Editora Paullus dizendo que queria ajudar doando dez mil kits de livros específicos para o incentivo à leitura, com clássicos da literatura adaptados para as crianças”, comemora. Já naquela viagem, os cavaleiros começaram a fazer capacitações com os professores das escolas pelas quais passaram. Depois de Brasília, o grupo ainda cavalgou pela Estrada Real e rumo à Bahia, presenteando com novas leituras mais de cem mil crianças. O próximo passo, ou galope, é fazer, em 2016, a cavalgada do um milhão de livros distribuídos.
Fruto da arte
Rodeado por livros, obras de arte e objetos de design, Carlos Oscar é resultado de uma vivência completamente impregnada pela cultura. Apesar de recorrer aos números, é íntimo das palavras. Se construiu diante da potência dos conhecimentos. Como forma de retribuir a cidade que lhe deu sua família, alugou um sobrado onde hoje funciona a associação, que diariamente atende crianças, adultos e idosos. “No ano passado, conseguimos fazer a primeira Festa Literária de Rio Novo. A cidade estava vivendo uma violência grande, com gente sendo assaltada na rua. Ao fim da festa, o sargento da Polícia Militar me agradeceu dizendo que nos quatro dias do evento não houve ocorrência. Essa é a forma que encontrei de dar às crianças uma oportunidade de ter um futuro melhor”, reflete ele, presidente da Cavaleiros da Cultura. Como o avô, Carlos Oscar também é afeito às construções, nesse caso e em muitos outros, intelectuais.