Sob os arcos alaranjados da Ponte Wandenkolk Moreira, avistei o pedido de socorro: “Salve o Paraybuna”. Foi assim que, na manhã deste sábado (19), encontrei a trupe de artistas que organizou o Minifestival Ecoartivismo, aprovado pelo edital Pau-brasil, do Programa Cultural Murilo Mendes, da Funalfa. Com muita criatividade e consciência ambiental, o grupo tinha em mente o objetivo de tirar o Rio Paraibuna da invisibilidade. Sim, porque deixamos de enxergar as suas águas e o quanto elas e tudo ao redor vêm pedindo socorro a nós, juiz-foranos.
A faixa grande sob os arcos da ponte fazia parte da performance Pescaria, que tinha a artista e arquiteta Érica Figueira como protagonista. Solitária e toda paramentada, com roupa de proteção contra a poluição, ela simulava uma pesca no meio da ponte. Ao me aproximar, perguntei: “O que você já pescou aí?” E ela respondeu: “Só lixo, que é a única coisa que se consegue pescar no Paraibuna, por enquanto”. E no final da linha de anzol, pendurada, estava uma sacola de lixo.
Ver aquela cena levou-me a refletir sobre o lixo no rio, algo que a gente se habitua a ver e a não dar importância. Chamar a atenção para este problema era justamente o objetivo de Érica. “É uma performance para chamar a atenção para a poluição do rio, para que haja um movimento na cidade para a despoluição do Paraibuna, pois ele tem um papel fundamental na fundação do município. Quero chamar a atenção para a natureza que está em volta da gente”, destacou a artista. Ela contou que já trabalhou com cartografia social, acumulando experiência em quilombos, na Bahia. “Desde que participei desse trabalho, passei a ter atenção a respeito de como a urbanização atinge o meio ambiente, sobre como ela pode impactar de forma negativa os lugares, inclusive prejudicando a pesca nos rios. Quando voltei para Juiz de Fora, envolvi-me com essas pessoas, que têm esse olhar diferenciado para o rio”, afirmou, acrescentando que o Paraibuna precisa de atenção.
Quem esteve no local ainda teve a oportunidade de desfrutar de uma exposição de artes visuais em painéis fixados ao longo da margem do Paraibuna entre as pontes Wandenkolk Moreira e Élson Duarte (Ladeira). Participaram da exposição sete artistas de diferentes regiões de Juiz de Fora, como Nicolle Bello, Daniel Boscone, Patrícia Oliveira, Dorin, Paula Duarte, Luiz Peterman e Tata Rocha. Nos painéis, eles apresentaram, em técnica livre, temas sobre o Paraibuna e preservação ambiental. Os painéis permanecerão em exposição no Museu Ferroviário.
Fauna Paraybuna
Das margens do Paraibuna, na Avenida Brasil, desloquei-me para o Calçadão da Rua Halfeld, onde outra parte dos ecoartistas simulava uma invasão de animais da fauna do Paraibuna, como onça, quero-quero e peixe. Uma invasão, diga-se de passagem, totalmente pacífica e voltada para o bem, o bem de Juiz de Fora. Com máscaras animalescas, os artistas realizavam, sob olhares curiosos dos passantes, a performance Fauna Paraybuna, que também estendeu-se para as ruas Marechal Deodoro, São João Nepomuceno e Santa Rita.
No local, a artista Nicolle Bello, formada em Artes e em Comunicação, explicou que os integrantes do grupo pensaram em uma forma criativa de chamar olhar das pessoas, em pleno Centro da cidade, para a situação do Rio Paraibuna. “Se fosse, simplesmente, uma panfletagem, seria apenas mais uma no meio de tantas que acontecem no Calçadão. Usamos a ideia da panfletagem para distribuir nosso zine-catálogo aliado a uma performance onde encarnamos os animais da fauna do Paraibuna. Temos a onça, o quero-quero e o peixe, representando os animais que estão no rio pedindo socorro”.
Sobre a reação dos pedestres, ela disse que muita gente ainda olhava com certa resistência para aquele trabalho artístico e de conscientização. “Tem gente que fica com medo, pergunta o que é, porque causa um estranhamento, mas tem aqueles acham bacana e ficam curiosos. Tem de tudo nas reações, e a gente vai brincando com essas sensações, porque, mesmo o estranhamento, é uma reação, uma forma de receber nosso trabalho”, afirmou.
A arquiteta Patrícia Oliveira, outra integrante do grupo, chamou atenção para a questão da invisibilidade do Paraibuna. “Atualmente, o rio está muito invisível, e as pessoas acostumaram-se com essa situação. Queremos tentar resgatar como o rio foi antigamente, como ele fazia parte da vida das pessoas, porque elas nadavam e pescavam no Paraibuna, mas hoje ele está abandonado. Nossa intenção é resgatar uma sensação de pertencimento das pessoas em relação ao rio, que faz parte e dá vida à cidade”, disse.
Rios Invisíveis
Após registrar a performance, caminhei até a Avenida Itamar Franco. Lá, deparei-me com um barqueiro no asfalto. Ele movia o remo do barco de papelão preso à cintura, no cruzamento entre a Itamar e Avenida Rio Branco a cada vez que o semáforo ficava fechado para os veículos. Era a performance Rios Invisíveis, interpretada pelo artista e arquiteto Luiz Carlos Peterman. Durante nossa conversa, ele explicou que sua intervenção era uma crítica direta aos córregos que foram canalizados na cidade, fato que teve como resultado os frequentes alagamentos e enchentes em Juiz de Fora.
“Estou na Avenida Itamar Franco porque por aqui passava um córrego e, há muito tempo, foi canalizado”, enfatizou. Segundo ele, o mundo atual está difícil para as artes em geral, e as pessoas não são muito receptivas. “Mas seguimos tentando, porque a arte atinge, diretamente, essas pessoas que fecham a cara, fazendo com que elas se indaguem, se questionem. No corre do dia, as pessoas passam e não percebem esses problemas, e a arte serve para tentar mudar essa situação.”
Ele ainda contou que alguém teria dito para ele “ir caçar serviço”, mas, mesmo assim, não perdeu seu foco. “Sabemos que não vamos conseguir resolver esse problema de forma imediata, mas a intervenção artística serve para chamar atenção para uma causa importante e urgente e que é negligenciada”, concluiu.
O projeto Salve Paraybuna do Minifestival Ecoartivismo se estendeu ao longo de todo o sábado com diversos outros eventos, focados na questão da recuperação e preservação do Rio Paraibuna. Fica a expectativa de que, ao final do trabalho, eles tenham conseguido, como propõem no zine-catálogo que estavam distribuindo, estimular, nas pessoas com as quais cruzaram, o “olhar para dentro”, como forma de “reconhecer, recuperar, valorizar e preservar as riquezas históricas, culturais e naturais de Juiz de Fora”.