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‘Viver é estar exposto’

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Liniker e os Caramelows trabalham em processo totalmente colaborativo (Foto: divulgação)
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Desafio vocês, leitores e leitoras, a ouvir qualquer música de Liniker e os Caramelows e seguir com suas vidas exatamente como eram antes disto. Adianto: é impossível. Seja quando bebe nas fontes de soul e black music como na faixa-título que cala o mundo na voz da vocalista; seja na graciosa e diretíssima “Você fez merda”, em que Liniker brinca com a voz em uma espécie de bolero pop, repito: é impossível manter-se indiferente. Letra e música eclodem nos pés que batem no chão acompanhando o ritmo contagiante; no estalar de dedos levado pelo compasso marcado; nos olhos que se fecham em um dos muitos versos viscerais; no coração que aperta pela dor de amor que todo mundo já sentiu nesta vida.

Nesta sexta (20), no Cultural Bar, quem tem a sorte de estar em Juiz de Fora terá a chance de experimentar esta avalanche de sensações no primeiro show da banda na cidade. O que começou em 2015 com o lançamento de três músicas do EP “Cru” no Youtube hoje é um fortuito fenômeno da música nacional. Em entrevista à Tribuna, Liniker acredita que o sucesso vai além da viralização que a internet pode proporcionar e até do próprio talento. “Acho que a gente é carente de amor. Pelo menos no meu caso, qualquer coisa que me acalanta o coração produz uma proximidade muito forte. Acho que as pessoas sentem que nosso trabalho é muito verdadeiro, isto as aproxima muito intensamente da gente.”

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Liniker e os Caramelows tocam “Caeu” ao vivo no Festival Bananada, em Goiânia (GO)

Em harmonia com a vocalista, o baixista Rafael Barone acrescenta que a explosão nas redes proporcionou uma tranquilidade maior à banda e mais liberdade durante toda a gestação de “Remonta”, viabilizado por financiamento coletivo. “Nosso primeiro trabalho é a definição de seu próprio nome, ‘Cru’. É mais orgânico, mais direto que o ‘Remonta’. Os vídeos lançados na internet foram a própria gravação do áudio. A repercussão positiva na internet permitiu que a gente pensasse o ‘Remonta’, e o sucesso nos deu mais liberdade de ousar, porque tivemos um respaldo inicial muito bacana do público. Já começamos com uma estrutura muito mais autoral em tudo que fazemos, desde o processo criativo até à escolha de onde vamos tocar.”

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Canto compartilhado, com vontade e verdade

O trabalho que hoje culmina na turnê homônima ao disco, que já rodou mais de 80 cidades, começou a nascer quando Liniker era adolescente em Araraquara (SP) e escrevia sobre os amores e dissabores tão característicos desta fase da vida (de todas, talvez?). “É muito louco ver o quanto as pessoas ressignificam o que era tão meu. Não que não seja mais. Ainda tenho muita propriedade sobre tudo isto pela criação. Mas a partir do momento em que se lança no mundo, o negócio tem uma outra frequência mesmo. É muito bonito de ver nos shows que não tô cantando sozinha. É um canto compartilhado, com pessoas que estão ali, aptas e fortes, pra se abraçarem, pra se beijarem com as músicas acontecendo. É uma coisa mesmo do amor, sabe.”


“Zero” já estava presente em “Cru” e seu vídeo , que virzalizou, alavancou o crowdfunding para “Remonta”

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Talvez somente o amor seja capaz de descrever a química que se desenrola em um show, não apenas entre os artistas e o público, mas a sintonia fina entre Liniker e seus Caramelows. “A Liniker tem uma generosidade e uma vontade de não assumir um papel de estrela que muita gente busca que ela ocupe, isto abre muito espaço pra que a gente trabalhe de forma colaborativa e orgânica. Temos um entendimento de que é preciso fazer isto junto, dar espaço um pro outro. Temos direção e produção musical, por exemplo, mas todo o processo criativo é feito colaborativamente”, conta Rafael Barone. “Está além de mim, além dos Caramelows. O trabalho é algo ancestral, de estar todo mundo ali, fazer de coração aberto, com vontade. Quanto tem vontade e verdade, não tem como não ser orgânico”, completa Liniker.

“Para além de ser ego, ser junto”

De batom, jeans, saia ou barba- ou tudo junto -, Liniker pertence, com sua banda, a uma geração de artistas que vêm quebrando não só estereótipos de identidade de gênero, como costuma tanto se ressaltar, mas também barreiras musicais, comportamentais e visões conservadoras, preconceituosas e excludentes de mundo. Neste turma, também entram Johnny Hooker, MC Carol, As Bahias e a cozinha mineira, MC Lynn da Quebrada, Lei di Dai e muitos outros nomes da atualidade, como nossa MC Xuxú. Para Liniker, poder usar a música como discurso só é possível porque outras gerações de artistas abriram este caminho. “Viver é isto, estar exposto. A gente mantém um canto de luta, um discurso de ‘vamos pra frente, juntos’. E cada vez mais vamos chegando a mais lugares, ocupando com nossos corpos negros, nossos corpos trans, nossos corpos gays, nossos corpos não binários, nossos corpos de resistência. Dentro de uma cena em que cada um tem seu trabalho, suas forças e representações, conseguimos somar. Isto é incrível: para além de ser ego, poder ser junto.”


 O clipe de “Prendedor de varal” foi gravado em uma instalação onde o público interagiu com um karaokê da música

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Para Barone, a história mostra que, de tempos em tempos, o mundo fica mais polarizado, e a arte pode ser um instrumento poderoso de mobilização. “O crescimento de movimentos reacionários também tem muito a ver com o nosso crescimento e vice-versa. Aí, gente passa a ter a obrigação de representar quem não tem voz, questionar os opressores.”, pondera o músico. Liniker acrescenta que esta representação pela arte faz parte de “ser gente”. “Estamos todos juntos, na mesma coisa. A Liniker está cantando músicas de amor, mas não quer dizer que ela não esteja carente, como tudo mundo. Cantando, ela ressignifica as palavras para entender onde está este amor próprio, esta dose de luta, de força e de saúde mental mesmo. A gente é humano e sente como todo mundo.”

Com 16 aninhos em Araraquara, Liniker jamais imaginaria que estaria prestes a viajar o mundo com canções que um dia foram seus escritos de desabafo. A artista de hoje sabe bem o que diria à sua versão adolescente. “Viva tudo sem medo de nada. Apaixone-se e quebre a cara, porque vai vir uma outra música de amor”. Remonta. Desafiada fosse eu, como fiz a você que me lê, teria também a resposta certa a Liniker e os Caramelows depois de tanto ouvi-los, roubando um verso deles próprios: “Me chame de tua.”

Liniker e os Caramelows

Sexta, 20 de janeiro, 23h (abertura da casa)
Cultural Bar
Av. Deusdedit Salgado 3955, Teixeiras

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