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Por uma cidade colorida: Tribuna mapeia principais painéis de grafite em Juiz de Fora

GIGANTE MURAL no Bairro Linhares ganhou grafite do famoso carioca Rodrigo Sini, que trabalha com reprodução de fotos de crianças afro-descendentes LEONARDO COSTA
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GIGANTE MURAL no Bairro Linhares ganhou grafite do famoso carioca Rodrigo Sini, que trabalha com reprodução de fotos de crianças afro-descendentes LEONARDO COSTA

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O Google Street View precisa voltar e percorrer aquele pedaço da Rua Diva Garcia, no Linhares, onde está a Escola Estadual Dilermando Costa Cruz. Precisa voltar e registrar o colorido que agora tomou conta do extenso muro de um já esquecido e monótono verde claro. Precisa voltar e fotografar em detalhes a rua invadida pelo grafite. A rua dominada por uma expressão que, pouco a pouco, faz da cidade uma galeria a céu aberto, democrática na fruição dos mais diversos públicos e também no acolhimento de seus artistas criados e formados numa periferia que prescinde da resistência.

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Democrática, a arte do spray espalha-se de Norte a Sul pela cidade. Está na Avenida Brasil, no painel que colore o muro de acesso à Ponte Wandenkolk Moreira, no Ladeira, e também no Bairro Vina Del Mar, próximo ao Centro de Futebol Zico, onde o grupo Underground Crew desenvolveu um impactante mural com referência ao clássico game Mario Bros. Está no preciso trabalho de André Aneg na Avenida Itamar Franco entre a Getúlio Vargas e a Batista de Oliveira, e também no delicado desenho de Davidson Lopes (Bula Temporária) numa casa abandonada na Rua Monsenhor Gustavo Freire. A Tribuna percorreu 14 pontos pela cidade para confirmar a silenciosa, porém expressiva, formatação de uma verdadeira cartografia elaborada no colorido dos sprays.

A cartografia do spray

Desde a infância, o moleque desenhava. E o irmão incentivava. Um dia, enquanto os dois assistiam um filme, um grafite na parede chamou atenção do pequeno. O mais velho logo recorreu ao amigo da mesma rua, que dava aula do negócio. Igor Moreira de Abreu tornou-se aluno de João Batista Medeiros. Diante dos muros, com sprays em punho, são Tenxu e Ileso, aluno e professor que se tornaram sócios e sinônimos de grafite em Juiz de Fora. “Comecei na Casa do Pequeno Artista, era aluno. Hoje trabalho com o Ileso. Ele é presidente da Associação Juizforana de Hip Hop, e eu, vice-presidente, temos uma loja na qual vendemos tinta spray, temos uma firma onde fazemos grafite comercialmente e trabalhamos juntos no projeto Gente em Primeiro Lugar, da Funalfa. Eu dou aula em nove bairros, e ele, em outros. Temos uma parceria para a vida”, conta Igor Tenxu, autor do leão pintado na Avenida Itamar Franco, próximo ao número 642.

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Moradores do Bairro São Bernardo, os grafiteiros desenham uma realidade de perspectivas. “Vejo que o grafite me salvou. Na época em que conheci, em 2005, eu tinha 15 anos e hoje conto nos dedos das mãos quantos amigos de infância ainda estão vivos. A maioria foi morta pelo tráfico. Moro em uma região de criminalidade muito alta. Eu estava inclinado a ir por esse caminho”, emociona-se Tenxu, que hoje sustenta a si mesmo e a sua família com o grafite. “O grafite tem esse cunho social, protestante, visionário, porque foi criado por negros e latinos em Nova York que não eram vistos, estavam à margem da sociedade. O grafite é uma forma de mostrar existência. Por isso a escrita. Esses jovens queriam assinar seus nomes em todos os lugares para serem notados e reconhecidos”, completa, contando sobre uma das expressões mais populares do hip-hop.

“É uma ‘responsa’ representar a cultura hip-hop. O grafite é uma voz visual, uma ferramenta de troca, informação, conteúdo, alerta. É uma ótima ferramenta de trabalho para comunicar. Geralmente a gente tenta levar aos lugares que mais precisam de cor, de cultura”, acrescenta Ileso, que há mais de duas décadas defende a arte na cidade. Viu o rolé ganhar tom e força. Se antes eram poucas as tintas para um simples desenho, hoje ele trabalha com cinco tons de amarelo, seis de verde, para não falar de todo o restante de uma complexa paleta.

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Para Davidson Lopes (Bula Temporária), autor de seres fantásticos como o gato que recebe quem entra na Casabsurda (no Granbery), não é só o desenho que forma o grafite. O ato também faz parte. “Várias coisas acontecem na rua, um monte de pessoas passando, carros, barulho. Um milhão de coisas acontecem enquanto você pinta”, diz. O corpo também faz parte. “Quando está usando o spray, o corpo mexe junto. Para fazer um movimento linear, é preciso firmar o corpo, para acompanhar o braço e o dedo. A pressão com que aperta influencia na quantidade de tinta que sai, se quer um traço fino ou grosso. Como meu desenho é mais solto, meu traço é mais torto, posso errar”, ri.

 

Grafite é o visível e o invisível

“A gente já apanhou, já levou pedrada. O grafite não é só o que é bonitinho, mas é também a contestação”, defende Ileso. “O grafite é uma resistência. A gente não quer morrer no cinza”, reflete Davidson, para logo completar: “Não consigo entender porque as pessoas se preocupam tanto com a pichação e não se preocupam com o ar que respiram o dia inteiro. Se preocupam com a pichação e não se preocupam com a quantidade de farmácias que existe na cidade. A tinta na parede pode estar infringindo uma lei, mas não faz mal para ninguém. O grafite existe para mudar a cidade, deixá-la colorida, marcada, porque a gente tem uma tendência a ficar cinza e enfumaçado.”

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Ainda que eventos como a edição deste ano do Purencontro, que coloriu na primeira semana de dezembro a fachada da Escola Estadual Dilermando Costa Cruz, no Linhares, indiquem um crescimento da expressão em Juiz de Fora, o caminho ainda é de algumas resistências e insistências, principalmente. O evento anual, por exemplo, reuniu 200 grafiteiros de diferentes cantos do país, de Porto Alegre a Brasília, passando por Goiânia, Rio de Janeiro e vizinhos da Zona da Mata mineira, oferecendo a todos alojamento, alimentação, spray e camisa, menos cachê. Ainda assim, grafite é ofício. De acordo com a Associação Juizforana de Hip Hop, na cidade, 20 artistas atuam assiduamente na cena, sozinhos ou em grupos como o Setor 276 e o Underground Crew.

“Vejo o grafite em outras cidades e estados e percebo que Juiz de Fora ainda é muito conservadora, não só com o grafite. Esses 20 artistas são de qualidade e nível técnico muito altos. Por isso temos painéis vistosos”, comenta Tenxu, ponderando uma crescente valorização, inclusive, dos órgãos públicos. “A Prefeitura tem abraçado o grafite, procurando e apoiando a gente, e, até, bancando trabalhos, como o da ponte do Ladeira”, conta ele, que, em média, gasta R$ 1 mil apenas em tintas para a realização de um desenho. É com o apoio do município, aliás, que a associação espera inaugurar, no São Bernardo, o Centro Cultural e Profissionalizante Amadeu Rossignoli.

Segundo o presidente Ileso, a casa, cedida pela PJF, está 95% reformada e já em funcionamento, com aulas de grafite, desenho e breakdance (o grupo Jotaefe Crew é parceiro no espaço). “Eles estão formando novos grafiteiros e, além disso, formando cidadãos mais humanos, com contato com a rua, que é um lugar que não deveria, mas nos adoece”, pontua Davidson, apontando para uma cena em transformação, onde os muros não são barreiras, mas inícios.

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Estilos de grafite

Tag
Assinatura, conhecida no Brasil como pichação

Bomb
Letras mais encorpadas com, no máximo, três cores

Wild style
Letras ainda mais encorpadas e detalhadas, com degradê, volume, sombra e brilho

Free style
Personagens, paisagens, perspectiva e outros desenhos para além das letras

3D
Desenhos com letra ou outras formas em terceira dimensão

Realismo
Desenhos que simulam a hiperrealidade

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