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Memórias do ALÉM-MAR

A equipe da faculdade de arquitetura do CES na varanda da casa, com a proprietária do imóvel Eliza Costa
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A equipe da faculdade de arquitetura do CES na varanda da casa, com a proprietária do imóvel Eliza Costa

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Bairro Borboleta. Uma rua sem saída. No alto, uma casa – ou o que restou dela – de tijolos aparentes, pequena, mas com muitas histórias. Na varanda, estava dona Eliza Aparecida da Costa, 55 anos, neta de João Carlos Peters, o imigrante alemão responsável pela construção do imóvel, que teve fachada e volumetria tombadas como patrimônio público municipal em fevereiro de 2008.

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O telhado que a cobria foi abaixo em janeiro de 2013, e, desde então, os vestígios que ainda restam do final do século XIX e início do XX estão entregues às ações do tempo. Sem condições para arcar com os altos custos de uma restauração, a família vê surgir, por meio de um projeto de extensão desenvolvido pelo curso de arquitetura do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), a chance de o bem voltar a ostentar o charme de sua época. Com o projeto pronto, faltam recursos.

“Se ela não for coberta bem rápido, corremos o risco de perdê-la em, no máximo, um ano”, lamenta a professora Milena Andreola, enumerando razões para a importância da edificação. “Pensando num público-alvo que seria atingido pela restauração da casa, num primeiro plano, temos a própria família, depois o entorno. Por fim, toda a cidade, porque, se quisermos aprender um pouco mais sobre a imigração alemã, temos que vir aqui, visitar o bairro, conversar com as pessoas. A casa não conta a história somente dos Peters, mas da formação de Juiz de Fora”, dispara a professora.

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Segundo Milena, muitas são as marcas europeias deixadas por João Peters no período em que ele aportou por aqui com seu bisavô. Apesar de o piso, todo em madeira, ter se perdido, esse foi um material muito utilizado no interior, inclusive nas paredes e nas esquadrias das janelas e portas. A sala ainda ostenta uma pintura parietal, e a fachada lembra um chalé, com uma varanda composta por um lambrequim – um rendilhado que ornamenta a cobertura -, e telhado em duas águas.

“São características trazidas pelos europeus e vistas em outras edificações da cidade, como o chalé dos Surerus, na Av. Getúlio Vargas. Aqui, vemos a maneira simples de morar desses descendentes que continuam honrando sua cultura através da festa, do pão alemão, da culinária e dos costumes”, observa Milena, chamando atenção para a ausência de banheiros e cozinhas na construção. “Essa era uma peculiaridade das casas do século XIX. Até podia ter a cozinha nos fundos, mas o banheiro era sempre do lado de fora. A gente não tinha saneamento básico na cidade. Não tínhamos a tecnologia para fazer o banheiro”, completa Milena.

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Por um novo telhado

A ideia dos alunos capitaneados por Milena é realizar o projeto em fases. Por isso, os esforços se voltam, nesse primeiro momento, para o telhado. “A cobertura amarraria a estrutura, que é autônoma, para diminuir as trincas que vão aparecendo. Depois, faríamos intervenções na alvenaria, nos pisos e no forro”, detalha a professora. Para essa primeira parte, esperava-se conseguir o apoio da Lei Murilo Mendes. Contudo, ainda na etapa de documentação, a proposta ficou de fora da disputa.

“Precisamos agora ver se conseguimos encaixar o projeto em outra lei de incentivo. Tem a Lei Estadual, tem outras possibilidades, como buscar ajuda de políticos e com pessoas que possam fazer doações. A casa não aguenta esperar por uma próxima Lei Murilo Mendes”, afirma. “O projeto que estamos desenvolvendo segue a metodologia de restauração do programa Monumenta, usada pelo Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Isso é importante para que ele seja aprovado rapidamente e para que seja executado de forma coerente. É preciso atingir diretamente os danos da casa sem prejudicar as características originais dela.”

O historiador Fabrício Mendes, da Divisão de Patrimônio Cultural (Dipac) da Funalfa, conta que, entre as residências, o imóvel de João Peters é o único tombado no Borboleta. Além dele, somente o Marco do Centenário da Imigração Alemã, que fica na Praça do Imigrante Alemão, foi reconhecido como patrimônio cultural. “Essa casa é uma das poucas que têm os resquícios da colonização alemã. Na maioria, as características foram se perdendo. É muito interessante que a equipe consiga realizar a restauração”, diz ele, comentando que está em andamento um processo de tombamento da igreja católica do bairro.

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Se aquele banco falasse…

É evidente que a casa tem trabalho para um longo tempo, parecendo impossível vê-la habitada novamente. Em alguns dos seis cômodos, só há terra, pisos quebrados e mato. A proprietária Dona Eliza Aparecida da Costa conta que já morava em uma outra casa, construída nos fundos, quando a cobertura caiu. O irmão, falecido, residiu lá até 2012, pouco antes da queda do telhado. A mulher se recorda de ter recebido uma carta da Dipac avisando do tombamento, porém sente falta de mais orientações. “Não temos dinheiro para a reforma. Meu filho estava tentando abrir uma poupança para o conserto do telhado quando ele caiu.”

Se o banco de madeira, já quase sem firmeza, pudesse falar, muitas histórias sairiam dali. O assento era usado por seu pai, Carlos Frederico Muller, e pelo avô, para descansar, principalmente, nas tardes de muito calor. De datas e detalhes sobre a vinda da família para Juiz de Fora, pouco ela se lembra, pois o avô morreu quando ela tinha 5 anos. “Ele construiu essa e mais cinco casas no bairro. Minha mãe nasceu, cresceu e morou aqui. Depois, ela se casou com meu pai, que mantinha o telhado reformado. De dois em dois anos, ele pegava o coqueiro para fazer ripa, cortava a madeira e, no frio, como não chovia, arrumava tudo”, diz ela, que perdeu o marido em 2001 e hoje vive com seus dois filhos.

Enquanto a senhora voltava no tempo, foi possível perceber o porquê de, pelo menos, um terço da turma de arquitetura ter se decidido pela restauração daquele pequeno imóvel, dentre três opções apresentadas. As memórias dos Peters e dos Muller insistem em ser preservadas. “Ninguém foi obrigado, todo mundo escolheu estar aqui por ter se encantado por essa arquitetura. Aqui tem história. Encostamos outro dia em uma das paredes e falamos: ‘Essa poeira é do século XIX’. Acho que essa é a graça disso tudo. Não é só parede, é o que tem por trás dela”, assevera a aluna e futura arquiteta Paula Campos, ao lado das colegas de sala Betina Rossi e Ana Lima.

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