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mc aice usou a cultura do hip hop para valorizar os jovens da periferia de juiz de fora

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MC Aice usou a cultura do hip-hop para valorizar os jovens da periferia de Juiz de Fora
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MC Aice usou a cultura do hip-hop para valorizar os jovens da periferia de Juiz de Fora

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Quando pensa em seu pai, o que lhe vem à mente? “Revolta. E um pouco de vingança”, responde Jhuly Cristian, uma jovem de 15 anos, filha mais velha de Josimar Aparecido Andrade Silva, o MC Aice NP. Insisto e pergunto sobre as lembranças. “Tento pensar em tudo de bom que eu já tinha passado com ele”, diz ela. Quando o pai foi morto com três tiros nas costas e um na nuca, Jhuly tentava superar a perda do primeiro filho, ainda no ventre. Apesar de não morar com Aice, que foi casado por 13 anos com sua mãe, a despedida precoce não lhe sai da cabeça, passados dois meses, completados nesta sexta. “A morte dele está sendo difícil para nós, porque sempre que precisávamos dele, ele estava na nossa casa. Sempre que tinha que resolver algum problema meu, estava lá. O que podia fazer para ajudar, fazia.”

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De acordo com investigações da Delegacia de Homicídios, o rapper, 40 anos, e o dono do bar onde ocorreu o crime, Carlos José Lima Delgado, 41, foram mortos após uma briga no local. Um homem de 28 anos foi preso em flagrante no dia do crime e indiciado por duplo homicídio qualificado. O delegado Carlos Eduardo Rodrigues ouviu diversas pessoas ligadas às vítimas e testemunhas do episódio, enviando o inquérito à Justiça, onde segue em tramitação. Ao lado da irmã de 12, Jhuly também segue, com a dor de ter que olhar todos os dias para o local onde o pai foi assassinado, no mesmo Milho Branco de sua casa.

A menina que pensa em seguir a carreira de psicóloga também segue com o legado do pai. “Ele deixou várias músicas gravadas. Escritas não tenho muita certeza se deixou, porque na casa dele não tinha registro”, conta. A mãe dela e amigos de Aice estudam a destinação do material produzido pelo artista em mais de duas décadas dedicadas à cultura hip-hop. O MC de voz grave, sempre envolvido em diferentes projetos realizados na periferia da cidade, deixou as duas filhas e mais os muitos outros filhos e filhas que a arte lhe deu.

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“Ele me ajudou muito quando comecei. Naquela época, era muito difícil enfrentar o preconceito na escola, e ele me encorajava, dava força. Ele escreveu minha primeira música de protesto, que era muito libertária. A postura que tenho hoje vem dele. Sempre foi um exemplo”, comenta MC Xuxú, travesti funkeira do Bairro Santa Cândida, que começou a cantar sendo apresentada por Aice e seus freestyles. Quando o artista se foi, não teve tempo de assistir o clipe que gravaram no início deste ano, “Segundo plano”, no qual fazem um dueto romântico. “Esperava convidá-lo para os shows fazendo a dobradinha Jay Z e Beyoncé que fizemos no vídeo”, lamenta ela.

Os projetos e o futuro

Em novembro de 2013, na Zona Norte que sempre exaltou em suas letras, Aice deu início a um dos projetos mais ousados de sua trajetória. As batalhas de passinho (estilo de dança do funk), MCs e B-Boys conseguiram desmobilizar rivalidades e integrar bairros. “Ele soube fazer a harmonia, quebrando as rixas”, recorda-se Priscila Eduarda Moreira, a Pri da PZP, que o conheceu ao ouvir a Rádio Mega FM, frequência comunitária extinta em 2005. Quando o veículo de grande popularidade na periferia da cidade anunciou a criação de uma posse de cultura hip-hop, a Posse Zumbi dos Palmares, ela seguiu até o lugar e foi incentivada a não só escrever letras de rap, mas também cantá-las.

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Hoje desmobilizada, a posse, convidada para diferentes eventos na região, criou uma rede forte da cultura hip-hop. Da mesma forma, a Batalha do Passinho também fortaleceu uma nova geração de dançarinos juiz-foranos, como o campeão de 2014, CL Henrique, do Bairro Santo Antônio. “Hoje está tudo parado. Não tive coragem de resgatar ainda. Requer muito da minha cabeça e ainda estou me resguardando”, emociona-se o parceiro de Aice no projeto, Rodrigo Fratelli, DJ nas apresentações e organizador. “Quando decidimos legalizar as batalhas, ele me cobrava muito. Andávamos o dia inteiro para fazer ofício, pedir alvará, além dos patrocínios. Do posto de gasolina (onde Aice trabalhou por muitos anos), ele me ligava dando as coordenadas”, lembra Fratelli, que também era frentista no local.

Assim como as batalhas, o Encontro de MCs, um dos principais palcos para Aice, também encontra-se paralisado, apesar de estar realizando atividades paralelas ao evento que ocorria desde 2011 na Praça da Estação. Contudo, algumas das canções do rapper permanecem em seus canais na web (um deles, soundcloud.com/aice-np-aparecido). Ainda, cores se espalham em grafites pelas ruas, preservando a memória do artista, como os desenhos feitos nos muros da Escola Estadual Presidente Costa e Silva, no Bairro Benfica. Além de tudo, a postura dos jovens que o artista encontrou em sua caminhada também configura a continuidade. Ao contrário do título de uma de suas últimas composições, feita em parceria com RT Mallone e Telin, amigos e familiares esperam que o choro na despedida de Aice não seja apenas “mais uma lágrima”.

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