Resistir inteiro quando tudo é transformação é tarefa difícil. Resistir inteiro e coerente, mais ainda. No ano em que completam 35 anos do lançamento do primeiro disco, os Titãs sobem aos palcos para revisitar a trajetória, resistentes, inteiros e coerentes, acompanhados de poucos instrumentos e muitas histórias. A banda hoje conta com apenas três integrantes originais – Branco Mello, Sérgio Britto e Tony Bellotto – e mais do dobro de ex-integrantes (sete membros já passaram pela formação que começou com nove músicos). Beto Lee e Mário Fabre fazem participações especiais, como no show acústico que o trio apresenta nesta quarta, às 21h30, no Cine-Theatro Central.
Recém-saídos da agigantada produção da ópera rock “Doze flores amarelas”, que ganhou registro em CD e DVD mas não turnê, os Titãs assumem um formato intimista mais de duas décadas após o estrondoso sucesso de seu MTV Acústico. Adicionam novas canções e reforçam a potência de um grupo que cantou o Brasil recente, servindo de trilha para diferentes gerações. Com milhões de álbuns vendidos, duas indicações ao Grammy Latino (venceu em 2009, com “Sacos plásticos”) e muitos outros prêmios, a banda mantêm-se atenta e atual, garante Sérgio Britto, desde o início vocalista e tecladista e há uma década também baixista. Um dos principais compositores da banda, autor de, entre outras, “Flores”, “Epitáfio”, “Homem primata” e “Comida”, Britto conversa, por telefone, com a Tribuna e fala sobre o novo show, a trajetória dos Titãs e a cena atual.
Conseguiria citar uma música que represente o país neste exato momento?, pergunto. “Embora tudo pareça estar se repetindo, a gente pareça estar patinando, as coisas também têm uma cor diferente”, responde, Britto, e emenda: “Discos recentes que a gente fez, como o ‘Nheengatu’, que tem uma capa com a Torre de Babel e o nome significa língua geral, já é um comentário sobre o Brasil de hoje, de um lugar onde ninguém te entende e é preciso encontrar uma linguagem comum. Parece que cada vez vivemos mais esse cenário. Das músicas que vejo que tenha um aspecto muito reconhecível no que acontece hoje eu colocaria ‘Desordem’. Ela tem esse lado quase jornalístico de enumerar fatos e depois fazer uma reflexão sobre aquilo. Às vezes eu ligo a televisão e parece que está acontecendo tudo aquilo, de novo.” O Titã de voz grave e uma simpática disponibilidade é preciso ao citar a canção cujo refrão questiona: “Quem quer manter a ordem? Quem quer criar desordem?”
Tribuna – Como é ir para o palco em trio e num formato acústico?
Sérgio Britto – O que a gente está fazendo tem um ar de novidade. Esse formato assim tão despojado, esse trio com piano, guitarra, contrabaixo e violão é uma coisa que a gente nunca tinha experimentado antes. Fora isso, contamos histórias, falamos sobre cada uma das canções, sobre o que serviu de inspiração para umas, sobre o momento que estávamos vivendo em outras. Isso era algo que a gente nunca tinha feito, um show com formato mais íntimo, com essa proximidade com a plateia. Para nós, tem sido uma experiência que vai muito além de tocar os sucessos. Tocar as músicas de maneira tão crua expõe muito mais as canções, o que é um aspecto interessante também.
Ao revisarem o percurso da banda, como fazem agora, é possível perceber que o Titãs falou sobre diferentes assuntos de forma a mantê-los atuais. Percebe isso?
Tem canções que a gente fez muito jovens, que estão no repertório e são importantes, como “Go back”. Das músicas que foram gravadas pelos Titãs, essa é a que fiz quando era mais jovem. Eu gravaria ela agora, com quase 60 anos. Tem coisas boas, novas e ruins ao longo da nossa carreira. Graças a Deus acho que prevalece a qualidade quando se faz uma seleção de nosso trabalho. Sempre mantivemos um padrão alto de composição e respeito às canções.
“Tem coisas boas, novas e ruins ao longo da nossa carreira. Graças a Deus acho que prevalece a qualidade quando se faz uma seleção de nosso trabalho. Sempre mantivemos um padrão alto de composição e respeito às canções”
No ano passado vocês lançaram “Doze flores amarelas”, registro da ópera rock que fizeram. O que esse trabalho representa na trajetória do grupo?
Foi uma experiência incrível e única. Nos permitimos explorar tudo o que a gente havia feito nesses mais de 30 anos de carreira. Tem coisas mais melódicas, muito pesadas, climáticas. Para contar uma história, para fazer ela funcionar, para mexer com a emoção das pessoas precisamos de tudo isso. Foi um desafio muito grande. E ainda mais desafiador foi encenar a ópera, com as atrizes no palco cantando ao vivo. E a gente interagindo com as atrizes e com os atores e com o cenário, que também era uma parte importante desse espetáculo. É um trabalho que enche a gente de orgulho.
O novo show estreia 22 anos depois do “Acústico MTV”, que também prezava por certo intimismo. É um retorno a esse trabalho?
Tocamos várias canções que marcaram esse disco. Também há outras. De certa maneira, reproduzimos os arranjos que fizemos naquele disco, obviamente que sem a orquestra. Usamos os instrumentos que temos em mãos, e dá um resultado muito interessante. É uma comemoração daquele disco e mais. Tocamos sucessos mais recentes, como “Epitáfio”, “Enquanto houver sol”. Tocamos duas canções da ópera rock também, para chamar atenção para o trabalho. É um show bem diversificado.
Este ano a MTV anunciou que seus projetos acústicos irão retornar no Brasil. O que o Acústico MTV representa na carreira de vocês?
Antes já tínhamos feito projetos de muito sucesso, mas o acústico colocou a gente em outra categoria. Não sei se foi o mais vendido, mas foi um dos mais vendidos. Ficamos extremamente populares durante um bom tempo. Levando em conta o tipo de artista que a gente é, isso é muito incomum. Temos um lado bem ácido, crítico e canções nem sempre fáceis. Até por isso o sucesso que o acústico fez foi um pouco surpreendente, ponto fora da curva. O bom foi que alcançamos um número gigantesco de pessoas, nosso trabalho ficou conhecido por gente que jamais imaginávamos ter acesso de tão popular que ficou.
“Temos um lado bem ácido, crítico e canções nem sempre fáceis. Até por isso o sucesso que o acústico fez foi um pouco surpreendente, ponto fora da curva. O bom foi que alcançamos um número gigantesco de pessoas, nosso trabalho ficou conhecido por gente que jamais imaginávamos ter acesso de tão popular que ficou”
O que permanece dos Titãs dos primeiros anos?
Qualquer coisa que dura um tempo longo vai se transformando. A gente foi, aos poucos, criando uma linguagem, um vocabulário como banda. Um vocabulário musical e poético, do qual todos utilizamos, não só os que permanecem na banda, como também os ex-Titãs. Inventamos juntos e usufruímos de uma maneira ou de outra.
Qual o lugar do Titãs na cena do rock nacional hoje?
É uma das bandas que conseguiram sobreviver. Há períodos de baixa, de dificuldades. Hoje em dia o rock não faz parte do que é o mainstream no Brasil, em termos de música e presença em rádio e televisão. Mas ainda há espaço para alguns artistas, e o Titãs é, com certeza, um deles. Da nossa geração, talvez tenha três ou quatro bandas ficaram.
Como é a relação entre você, o Tony Bellotto e o Branco Mello?
É mais do que uma amizade. Uma convivência que não temos com nenhuma outra pessoa. É como se fosse uma gangue ou uma tribo. Tem uma relação de irmandade. E talvez essa seja a palavra mais certa. Temos muitas coisas em comum, defendemos o que fizemos e trabalhamos pelo que fizemos juntos. É uma relação muito forte e muito estreita. Fora isso, nos damos muito bem, temos muita afinidade, conversamos, almoçamos juntos. Estamos longe de ser aquela banda em que cada um vai para o seu lado. Não que a gente não discuta, e não discorde um do outro, mas estamos sempre juntos e dialogando.
“É mais do que uma amizade. Uma convivência que não temos com nenhuma outra pessoa. É como se fosse uma gangue ou uma tribo. Tem uma relação de irmandade”
Sua carreira solo te apresenta não apenas como músico, mas também como um profundo conhecedor da música brasileira, um pesquisador. Como está essa sua faceta?
Vou administrando de acordo com a possibilidade do meu tempo e o da banda. Minha opção foi por conciliar as duas coisas, mas nesse exato momento estou um pouco em dívida com meu trabalho solo, porque já tenho outro disco pronto e gravado. Espero um momento propício para lançar e acredito que seja no segundo semestre, já que não temos nada inédito em vista no Titãs. Tenho que conciliar as duas coisas e tento fazer bem isso. Obviamente meu trabalho solo não tem recebido o tempo que eu gostaria que tivesse, mas isso é parte da minha escolha.
Em setembro deste ano, você completa 60 anos. De que maneira essa vivência tem refletido em você e na música que faz?
O bom dessa história de envelhecer é começar a ver que não se pode adiar coisas, planos. Tem que realizar o que se propõe a fazer. Há um bom tempo eu já tenho essa visão de que é importante fazer o que desejo. A ópera rock era um sonho, e realizamos. O meu projeto de bossa-nova pop estou fazendo e já vou para o quarto disco. É importante fazer acontecer. A idade dá uma vontade maior de realizar as coisas. Ao menos para mim. Ainda não fiz música falando sobre envelhecer, e esse processo, mas, fatalmente irei fazer.
O que te move a compor? Há algum gatilho específico?
Tudo me move. Acho que quem compõe vive num estado permanente de alerta para coisas que movem, que tocam um pensamento. É uma sequência harmônica, uma brincadeira num instrumento. Tudo isso, às vezes, é uma semente para fazer uma nova composição. E eu sempre estou ligado nessas coisas. Quando vejo que algo tem potencial, desenvolvo. Desde a minha vida familiar, minha relação com os meus filhos, às coisas que acontecem no mundo podem ser temas de composição para mim. Uma coisa interessante, que temos feito recentemente – eu já tinha feito no meu trabalho solo -, é que a história da ópera rock abriu uma avenida nova de composições para falar contando histórias. Falar através de personagens, e usar isso para compor é uma coisa muito rica e que não tem fim. Tudo é motivo para trabalhar e tentar fazer música nova.
TITÃS TRIO ACÚSTICO
Nesta quarta-feira, 19, às 21h30, no Cine-Theatro Central (Praça João Pessoa s/nº – Centro)