O ano de 1972 foi especial para Salomão Borges Filho. Mais conhecido como Lô Borges, foram nos 366 dias deste ano bissexto que o artista despontou em definitivo como um dos mais promissores nomes da MPB que surgiam por todo o estado de Minas Gerais, graças ao lançamento de “Clube da Esquina”, álbum que gravou em parceria com Milton Nascimento – artista que gravou a primeira canção composta por ele, “Para Lennon & McCartney”, em 1970 – e mais uma penca de amigos. Ainda tinha mais: a convite da gravadora EMI, Lô Borges lançou também em 1972 o seu primeiro álbum solo, que levava o seu nome. Mais conhecido como “o disco do tênis”, o trabalho sempre foi reverenciado pelas gerações que se seguiram mas sempre ficou à parte do repertório dos shows do cantor.
A situação mudou no ano passado, quando Lô Borges se juntou a um grupo de músicos mais jovens para tocar, na íntegra, um dos discos mais marcantes de sua carreira. E é o “disco do tênis” que o público poderá conferir neste sábado, às 23h, no show que o artista realiza no Cultural, que contará ainda com “Para Lennon & McCartney” mais as canções de sua autoria em “Clube da Esquina”. Para reproduzir no palco, em todos os detalhes, o mítico álbum, Lô Borges terá a seu lado Guilherme De Marco (violão, guitarra e vocal), Marcos Danilo (violão, guitarra, percussão e vocal), Alê Fonseca (teclados), Paulim Sartori (baixo, bandolim, percussão e vocal) e D’Artganan Oliveira (bateria, percussão e vocal). Juiz de Fora será a segunda cidade a receber o show comemorativo, após três apresentações com lotação esgotada no Sesc Vila Mariana, em São Paulo.
Segundo Lô Borges, o projeto de tocar ao vivo o “disco do tênis” demorou dez anos para ser concretizado, e na verdade nem partiu dele, que recebeu convite da organização da Virada Cultural, em São Paulo, para tocar um álbum na íntegra. “Eles propuseram o ‘disco do tênis’, mas como eu o considero um trabalho muito sofisticado, com muitos detalhes, costuras harmônicas, preferi declinar do convite porque seria um trabalho monstruoso fazer a reconstrução do disco para apenas um show”, explica.
Outros convites vieram ao longo do ano, mas o cantor e compositor seguia dizendo “não” para todas as propostas. Até que o cantor e compositor Pablo Castro apareceu na casa de Lô em 2016 e tocou todo o álbum no violão, insistindo para que o artista fosse para a estrada. “Eu disse a ele que se conseguisse uma banda para tocar o álbum ao vivo, na íntegra, eu iria a um dos ensaios e, se gostasse, toparia a ideia. O Pablo já tinha feito a mesma coisa com outros álbuns dos Beatles, então juntou os rapazes para ensaiar. Já no primeiro ensaio que participei foi como se viajasse no tempo e voltasse a 1972. Era tudo idêntico, os solos de guitarra, até as notas erradas que eu toquei no disco eles copiaram (risos), tamanho cuidado com a reconstituição.”
Animado com o que ouviu, Lô Borges se juntou aos ensaios, e a banda fez os primeiros shows em janeiro, na capital paulista, com repercussão inesperada para o cantor e compositor. “Não imaginava que fosse um disco tão querido pelas pessoas. O Sesc Vila Mariana lotou nas três noites, os principais jornais de São Paulo deram destaque, alguns com matéria de página inteira.”
Um álbum criado ‘sem respirar’
Se o álbum é aclamado até hoje por público e crítica, o “disco do tênis” é um daqueles casos em que o acaso se torna o ponto de partida para as grandes obras. “A gravadora me ofereceu um contrato cerca de um mês depois do lançamento do ‘Clube da Esquina’. Eu era praticamente um adolescente, com apenas 20 anos de idade, nem tinha músicas suficientes para um novo disco. Tudo o que eu tinha fora gasto no ‘Clube…’ (risos). Foi um grande desafio, pois era totalmente iniciante como compositor. E tinha que fazer, pois havia estúdio marcado; então eu escrevia as músicas de manhã, meu irmão fazia as letras à tarde, e à noite gravava no estúdio. Não tinha tempo para respirar.”
O resultado, que pode ser apreciado 45 anos depois, é um trabalho marcante, em que a MPB, o rock e ritmos regionais se distribuem entre as 15 canções do álbum, que apesar da idolatria sempre ficou escondido. “É curioso porque as músicas do ‘disco do tênis’ nunca se misturaram com as outras de outros álbuns nos shows. Ele ficou ‘congelado’ em 1972, num pedestal, enquanto o ‘Clube da Esquina’ sempre esteve presente, e jamais imaginávamos que ele se transformaria num trabalho histórico, festejado”, confessa, lembrando ainda o contexto em que os dois discos foram gravados.
“A ditadura militar foi a pior coisa que aconteceu na história desse país. Em 1972 a polícia podia invadir a casa das pessoas sem mandado de busca e apreensão, espero nunca mais viver isso. Nossa saída era compor, fazer música. Eu preferi fazer um mergulho existencial, viajar para dentro de mim, do violão, da guitarra, do piano. Hoje a situação do Brasil é grave, caótica, mas o que aconteceu devido ao golpe militar foi indescritível, muito pior do que atualmente.”
Na lista dos melhores
Nem tudo, porém, é lembrança ruim. O “disco do tênis” passou a fazer parte da lista da edição nacional do livro “1.001 discos para ouvir antes de morrer”. “Eles me colocaram no meio de tanta gente importante, os Beatles, os Rolling Stones, os artistas de jazz… Estar entre mil artistas tão importantes é muito gratificante. É um álbum que o público que ouviu nos anos 70 casou e teve filhos, mostrou o disco para eles, que também se casaram e passaram para os filhos… Não era música para um verão, apenas, mas também não tínhamos a pretensão de ser algo eterno.”
A volta a Juiz de Fora também desperta boas memórias no artistas. “Juiz de Fora é um lugar importante para mim, onde me apresentei várias vezes. Houve um show histórico no ginásio do Tupynambás com o Beto Guedes, nos anos 80, quando recebi uma fita do Rogério Ribeiro de Freitas, ‘Força do vento’, que gravei no “Nuvem cigana”. Lembro que depois do show muita gente veio falar comigo, e havia uma barreira de seguranças, mas mesmo assim ele conseguiu esticar o braço e me entregar a fita, que tinha seu nome, endereço e telefone. Quando liguei para ele, achou que fosse gozação (risos).
Lô Borges
Neste sábado, às 23h, no Cultural (Avenida Deusdedit Salgado 3.955)