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‘Sinto-me prematuramente madura’

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Aos 16 anos, Ecleidira Maria Fonseca Paes, paraense de Abaetuba, cidadezinha de menos de 150 mil habitantes (segundo dados do IBGE em 2012), decidiu arriscar e candidatar-se a uma vaga no longa norte-americano “The emerald forest” (“A floresta das esmeraldas”). Não havia exigência de experiência em atuação para o filme dirigido pelo famoso produtor John Boorman. A jovem desbancou as outras 500 concorrentes e tornou-se Dira Paes. Seu primeiro papel, internacional, lhe impôs que escrevesse uma nova história, ligada às câmeras e à arte de interpretar. Reconhecida como uma das principais atrizes de sua geração, Dira é a homenageada da edição deste ano da Mostra de Cinema de Tiradentes, que começa na próxima sexta-feira.

“Fico extremamente honrada. Vi a mostra nascer e se solidificar como aquela que discute profundamente o cinema brasileiro, não só as questões ligadas à infraestrutura e melhorias de leis, mas as questões artísticas e mercadológicas”, emociona-se. Aos 45 anos, a atriz é disputada nos bastidores da Rede Globo, onde estreou na novela “Araponga”, de 1990, e considerada uma das faces femininas do cinema brasileiro contemporâneo. Premiada nas telonas e nas telinhas, ela guarda mais 30 troféus em sua casa, no Rio de Janeiro, cidade na qual escolheu morar logo após fazer sua estreia.

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Dona de uma dicção própria, Dira é reverenciada por acompanhar as transformações do cinema nacional e por contribuir com sua forma, física e artística, tão brasileira. Homenageando a artista, a 18ª Mostra de Cinema de Tiradentes exibe, além do filme de abertura “Órfãos do Eldorado”, o pernambucano “Amarelo manga”, de Cláudio Assis, lançado em 2003, e o cearense “Corisco e Dadá”, de 1996, assinado por Rosemberg Cariry. “Esse é um festival que atrai cineastas voltados para a valorização do cinema brasileiro, de seu mercado como um todo, e não só aqueles interessados em suas próprias obras. É um festival democrático, com grande acesso do público. Culturalmente, é riquíssimo, com curadoria de primeira linha”, comemora.

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Em “Órfãos do Eldorado”, ainda inédito, o diretor carioca Guilherme Cezar Coelho transpõe para o cinema o aclamado livro homônimo de Milton Hatoum. Na história, Dira vive uma misteriosa mulher pela qual Arminto (papel de Daniel Oliveira) se apaixona, levando-o a desfazer-se da família, do dinheiro e da razão, em uma paisagem amazônica e fabular. Novamente, ela assume a faceta sensual, já utilizada na tela grande, mas exaltada na série “Amores roubados”, apresentada ano passado, na Globo. Em cartaz com “Os segredos dos diamantes”, novo filme do mineiro Helvécio Ratton, a atriz é onipresente. “Sou uma apaixonada pelo cinema brasileiro e, como espectadora também, acho que fazemos um dos melhores cinemas do mundo”, diz em entrevista, por telefone, à Tribuna, a atriz de voz doce, simpatia transbordante e uma inegável maturidade, ainda que prematura.

Tribuna – Você se reconhece como a cara do novo cinema brasileiro?

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Dira Paes – Reconheço-me. Me vejo como uma artista que tem como berço o cinema nacional. Comecei numa superprodução, vivendo um conto de fadas, tendo um início de Cinderela, com todas as regalias possíveis, com um trailer próprio, um assistente que cuidava só de mim e um tratamento de estrela. Continuei isso no cinema nacional. Guardadas as devidas proporções, o cinema brasileiro dá garantias. Fui criada num ambiente no qual amadureci. O cinema ajudou a formar minha personalidade, a terminar de me criar, não só em relação às referências intelectuais, mas à ampliação dos horizontes, percebendo os diversos Brasis por onde passei. Olhando, hoje, minha trajetória de 30 anos, não sinto ter essas três décadas, mas fico feliz que minha filmografia possa servir como um retrato desse período no país.

– Você viu de perto as mudanças das últimas décadas…

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– Comecei no final da Embrafilmes. Já tinha filmes importantes na minha carreira. Depois consegui sobreviver ao final da produtora. Aí pude ter uma vida acadêmica. Formei-me como bacharel em artes cênicas e em francês. Fiz todos os cursos que gostaria de ter feito e aproximei-me do teatro. Quando veio a retomada, tive a chance de fazer grandes filmes. Participei do furor da retomada, e esse foi um momento em que filmei bastante.

– E da tradição, recebeu influência na sua forma de atuar?

– Sem dúvida nenhuma. Têm mulheres que são minhas inspirações no cinema, como Anecy Rocha, Darlene Glória, Adriana Prieto. Elas são as grandes musas do cinema brasileiro. Além de Dina Sfat, por quem tenho uma verdadeira loucura. O Brasil tem uma qualidade de interpretação feminina que é muito ampla e diversa. Tem, também, aquelas mais jovens que me influenciaram muito. Queria ser a Claudia Ohana fazendo “Erendira”, a Glorinha Pires fazendo “Índia, a filha do sol”, a Andréa Beltrão fazendo “As sete vampiras”, a Fernandinha (Torres) fazendo “Inocência”. Sempre bebi nessa fonte. Ela me alimenta muito, até hoje. Isso sem falar nas grandes damas menos conhecidas.

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– Você saiu do Pará ainda bem jovem. O que te restou do Norte?

– Eu sou o Norte. Sou o Norte todinha e continuarei sendo. O cinema me dá a chance de ser outras regiões, mas o Norte está em mim, minha família toda é de lá e tenho uma relação não apenas familiar, mas cultural com a região. Agora, com “Órfãos do Eldorado”, tenho a chance de unir as duas coisas. Vamos mostrar um filme amazônico. Estou muito feliz de começar o ano com esse filme, porque me prometi um ano amazônico, de pensar muito na Amazônia.

– Como é a sua relação com os cineastas nordestinos, considerados hoje os grandes nomes do cinema autoral nacional?

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– A geração do Nordeste e, principalmente, aquela chamada “Coentro filmes”, usando um termo muito antigo que fazia relação aos diretores pernambucanos, me marcou muito. Mas não posso dizer que minha filmografia foi localizada. Fiz muitos filmes no Nordeste, mas filmei muito no Sul, no Distrito Federal – entre eles o inédito “Saias”, no qual faço uma senadora corrupta – e em outras regiões. Tenho uma identificação com os nordestinos, porque vivi essa organização cultural que houve com o cinema pernambucano e que proporcionou a todo o Nordeste uma produção grande e de bons filmes. Tenho muito orgulho por ter feito parte de alguns deles.

– Sua trajetória no cinema coincide com sua carreira na TV. Esses são dois espaços realmente muito diferentes?

– São diferentes em seu ambiente. Quando entro em um estúdio, busco outra energia para interpretar. O ambiente, quando é locação, é real, parece que exige menos esforço para dar vida ao que está em volta. Em um estúdio é preciso dar vida ao que está ao redor. A televisão exige uma técnica própria. É, também, extremamente generosa, porque te apresenta para 45 milhões de pessoas por noite. Então, te dá a chance de agradar e, quando isso acontece, o público te trata muito bem. Tive a oportunidade e a sorte de ter feito uma trajetória que me rendeu o reconhecimento com alguns personagens como a Celeste de “Amores roubados”; a Lucimar, mãe da Morena em “Salve Jorge”; a própria Rosa de “O rebu”; a Norminha de “Caminho das Índias”; e a Solineuza de “A diarista”. É muito bom quando o público lembra e fala de todos eles. Quero ser lembrada pelo meu trabalho, pela minha capacidade de tocar e emocionar o público.

– Quando pensa no futuro, o que lhe vem à mente?

– Em primeiro lugar, minha família. Vejo, também, minha transformação. Porque a máscara do ator vai mudando, e quero absorver isso em favor de meus personagens. Sinto-me prematuramente madura. Quando descobrimos o que queremos fazer da vida muito cedo, acabamos ganhando anos à frente. Quando há um encontro consigo mesmo na juventude, é possível amadurecer mais rápido as ideias e as propostas. Sinto que o cinema brasileiro me ajudou a ser uma pessoa muito feliz e realizada. Contudo, esses 30 não são nada. Já estão para trás. No futuro quero mais 30, pelo menos.

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