A equação parece insolúvel: enquanto para a Prefeitura a verba gasta no carnaval de Juiz de Fora se mostra superlativa, impactando toda a produção cultural local, para escolas e blocos os valores ainda estão longe de possibilitar um espetáculo de grandes proporções, tanto artisticamente, quanto economicamente. No decorrer dos últimos anos, manobras como a antecipação da folia e a diminuição nos dias de desfiles fizeram-se obrigatórias para que a festa se tornasse viável para a cidade. Se por um lado o investimento público não contou com acréscimos, por outro o interesse popular voltou-se com maior ênfase para os blocos, em detrimento da Passarela do Samba. Ponto decisivo na realidade do carnaval realizado nas bandas de cá, a questão orçamentária abre a série “Nos bastidores da folia”, que a Tribuna inicia neste domingo.
Avaliado em cerca de R$ 2.024.990,50 para os cofres municipais, o orçamento do carnaval corresponde a cerca de 18% de toda a verba disponibilizada à Funalfa, para a realização dos projetos culturais da cidade. Sem considerar convênios, contrapartidas e pagamentos dos funcionários, que elevam o plano financeiro da pasta para cerca de R$ 21 milhões, a instituição conta com projeção de gastos de exatos R$ 11.504.749, 53, destinados ao longo do ano para eventos como o Corredor Cultural, festivais de teatro, fotografia e dança.
“Essa situação é muito ruim, já que acontece logo no início do ano e consome uma parcela de recursos muito grande, porque tem a questão da tradição e o clamor de vários grupos indicando que ele continue existindo. Qualquer intercorrência que acometa o orçamento só vai acontecer posteriormente. Muitas das vezes, quando precisamos economizar, o carnaval sai fora disso, já que trabalha com seu orçamento integral. Então, as outras atividades, durante o ano, são obrigadas a ter um achatamento maior”, explica o superintendente da Funalfa, Toninho Dutra. “Reconhecemos o valor cultural, mas, no conjunto, nossa análise é de que é um valor disparatado em relação aos recursos que se tem para cuidar da cultura no resto do ano”, completa.
Segundo o presidente da Liga das Escolas Independente de Juiz de Fora (Liesjuf), Jair de Castro Filho, esse ano tudo parece ainda mais difícil, tendo em vista a interdição de dez das 13 quadras da cidade, o que garantiria renda extra com eventos. “Precisamos que o Ministério Público e o Corpo de Bombeiros liberem as quadras para que possamos fazer almoços ou jantares e, assim, terminarmos as obras”, diz. Diferentemente dos anos anteriores, em 2015, a grande maioria das agremiações contaram apenas com a verba repassada pela Funalfa. Enquanto as escolas do Grupo A recebem aproximadamente R$ 65 mil, as do Grupo B obtêm cerca de R$ 35 mil e a única pertencente ao Grupo C nada ganha.
No limite
O grande gasto municipal com o carnaval é feito com a estrutura da Passarela do Samba, avaliado em quase R$ 907.990,51 (45% de toda a verba carnavalesca aproximadamente). Em compensação, o público que assistiu aos desfiles no ano passado foi do mesmo tamanho que os foliões presentes na Banda Daki. Enquanto as agremiações abocanham R$ 622 mil, os blocos, responsáveis por levar às ruas da cidade um público quase cinco vezes maior, se dividem no recebimento de pouco mais de R$ 245 mil. “A gente vai se virando, mas sentimos falta da valorização pelo que temos feito”, comenta Marcelo Barra, presidente da Associação de Entidades Carnavalescas de Juiz de Fora, composta por apenas nove blocos (já que exige cadastro de pessoa jurídica), número bem menor que os cerca de 70 espalhados pelo município.
Ainda que não se compare aos custos de confecção de carros alegóricos e fantasias, colocar um bloco na rua, conforme Barra, é tarefa bastante custosa, considerando os preços que envolvem confecção de camisas e sonorização, além de aluguel de baterias. “Muitos blocos recebem apoio de fora”, diz ele, citando o seu bloco Pagodão, financiado pelo Sindicato dos Clubes e pela Federação Nacional de Cultura (Fenac). Enfático, Toninho Dutra diz: “A prefeitura está no seu limite de capacidade de investimento com o carnaval.” Para ele, o caminho das parcerias com a iniciativa privada precisa ser, urgentemente, acessado.
Nesse contexto, olhar para trás pode apontar uma saída. Pesquisadora e jornalista, Rosiléa Archanjo, autora do livro “No ar: carnaval de Juiz de Fora meio século de identidade” conta que na década de 1960 o ex-prefeito Mello Reis investiu maciçamente no turismo de Juiz de Fora. “Quando se faz isso, acaba movimentando a economia, criando empregos e muito mais. O carnaval daqui ficou sendo conhecido em todo o país como um dos melhores, porque houve investimento na divulgação. Além disso, foi feito um investimento na festa. Antigamente, tanto a Prefeitura quanto os presidentes das escolas sabiam que do carnaval era possível tirar algum lucro. Enquanto não houver, em Juiz de Fora, a certeza de que a festa pode ser algo, além de aprazível, capaz de trazer investimentos, nada acontecerá”, sugere.
O exemplo mora ao lado
Projeto de sucesso reconhecido em todo o Brasil e no exterior, o carnaval do Rio de Janeiro alcançou tamanha maturidade que hoje ostenta, além de uma bem equipada passarela, cursos superiores e uma complexa e bem engendrada estrutura empresarial. Autor de “Almanque do carnaval – a história do carnaval, o que ouvir, o que ler, onde curtir” e co-autor de “Na passarela do samba: o esplendor das escolas em trinta anos de desfile no Sambódromo”, o pesquisador niteroiense André Diniz vê uma série de fatores que contribuiu para a cena carnavalesca carioca. “A proximidade com o meio artístico, o envolvimento do Poder Público e, com ele, as empresas, sem alijar o jogo do bicho, constituíram uma base sólida para se ter um investimento muito grande na festa, diferente do que aconteceu em outros municípios, onde a cidade sempre foi usada como espelho”, analisa.
Atualmente, o governo carioca investe mais de R$ 30 milhões na folia, destinando cerca de R$ 1 milhão para cada agremiação (no total, há casos de escolas que gastaram mais de R$ 15 milhões). Segundo levantamento do Ministério do Turismo, em 2013, o Rio de Janeiro atraiu 1,2 milhão de turistas (19,35% do total no país em todo o período), movimentando R$ 1,1 bilhão. “O grande carnaval é o midiático, do Sambódromo, que gera muita grana, mas há, também, o pequeno carnaval, que é o dos blocos, que talvez gere ainda mais”, aponta Diniz. “Dinheiro não é tudo, mas dentro dessa arte é um dos pilares fundamentais. Os números superlativos de uma escola de samba exigem um mínimo de dinheiro, o que é bastante alto. Pode ter muita criatividade, mas ainda assim não sai de graça”, completa.
Mesmo não havendo uma receita de bolo, fato é que a realidade do carnaval juiz-forano precisa ser ajustada para avançar. As contas precisam fechar e, acima de tudo, fazer sentido. Ainda assim, paralisar o carnaval não está em questão. A atitude de cancelar as festividades, tomadas em diversas cidades brasileiras nesse ano, entre elas a próxima Santos Dumont, não é aventada pelos dois lados desse virtual cabo de força. Para Jair de Castro Filho, o evento é importante. “Juiz de Fora é uma cidade-polo e nunca deixou de fazer carnaval. Não podemos parar nunca. A verba da cultura é da cultura”, defende. “A cidade tem várias facetas, várias necessidades e, por isso, defendo a cultura como arroz e feijão. É preciso haver investimento em cultura, sempre e cada vez maior. Particularmente, não sou favorável à utilização de recursos de setores menos cobrados – já que educação, transporte, saúde e segurança são os quatro eixos de maior cobrança social – para resolver problemas principais”, pontua Toninho Dutra. Rosiléa Archanjo conclui: “O custo é alto para o que tem sido oferecido na cidade, que não é de expressiva qualidade.”