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Bacharéis do Samba completa 50 anos de resistência em Juiz de Fora

bachareis do samba

(Foto: Felipe Couri)

bachareis do samba
Bacharéis do Samba atualmente é formado por Coração, Nelson de Souza, Cezar Ferreira, Sérgio Lobo e Roberto dos Santos (Foto: Felipe Couri)
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O tradicional Bacharéis do Samba completa 50 anos de história em Juiz de Fora. Ao longo dessa trajetória, tocaram com Nelson Sargento, Dona Ivone Lara, Neguinho da Beija-Flor, Luiz Ayrão e muitos outros, além de terem mudado a composição do grupo – mas não o ritmo ou a alegria – algumas vezes. Sempre estiveram, como gostam de ressaltar, na frente da resistência cultural em nome do samba. De batizados até funerais, de períodos em que o samba era totalmente marginalizado até a sua consolidação na cultura popular, de momentos difíceis na vida pessoal dos membros até os melhores, do impulso de Mestre Cocada até seu falecimento, da juventude à flor da idade, o conjunto permanece durante meio século na vida cultural da cidade. A data foi celebrada pelo grupo em show neste sábado (14), na Toca da Raposa, em que trouxeram todo o repertório de samba raiz que mais gostam de tocar. 

Foi no dia 28 de outubro de 1976 que Paulo Cezar Calichio, conhecido como Coração, entrou no conjunto, que já existia há dois anos. A data ficou para sempre marcada. Ele já era de uma família de músicos e tocava fora, mas a admiração pelos bacharéis já fazia com que fosse conhecido de quem tocava. Até que o convite direto do Mestre Cocada, que era líder do grupo, veio. “Minha vida sempre foi pautada pela música (…) Mas depois que entrei no Bacharéis do Samba, tudo mudou”, conta Coração. Apesar de não se lembrar da data de ingresso exata, Nelson de Souza também participou de boa parte dessa história, tendo ficado apenas alguns anos afastado, enquanto trabalhava em São Paulo. “É uma alegria constante. Está no sangue da gente. Eu saio para tocar e parece que eu tenho uma energia a mais. Eu fiquei viúvo, mas minha mulher falava: ‘Você sai numa animação que não tem cansaço e nada que pare’. Nós temos esse comprometimento, esse carinho”, conta Nelson. 

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Ao longo dessa experiência, eles sempre precisaram manter outros empregos, mas não deixavam que o amor pela música ficasse de lado. E, durante tantos anos, acompanharam na própria pele o olhar que as pessoas tinham para artistas e principalmente sambistas. O samba, como relembram, vem dessa arte afro-brasileira que era marginalizado pelo Estado e considerado como “vadiagem” até o governo de Getúlio Vargas. Coração é exemplo de quem precisou lidar com isso: atualmente militar aposentado, trabalhou durante muitos anos em depósitos de presos políticos, durante a ditadura. “Trabalhei na época da repressão e quem mexia com cultura era perseguido. Eu pensava diferente, me davam até nome de ‘comunista’ lá dentro. Mas eu não tinha medo, sabia como enfrentar, apresentava argumentos. (…) Falavam assim: ‘Você não sabe que você não pode ficar tocando?’ E aí eu respondia: ‘Onde está escrito?’ Falavam que iam me demitir e que iam me prender.” Ele chegou a conseguir um alvará autorizando que tocasse na noite, com argumento de que era para complementar sua renda.

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Nelson, como ferramentista, também levava a música como um adendo financeiro, e revela que isso chegou a ajudar a compra de sua casa. Para os dois, foi ficando claro como o samba era um modo de existir maior que eles: “Toda cultura marginalizada é resistência. E o que a gente tem que fazer é continuar. (…) Hoje, podemos ver muita coisa sendo recuperada”, diz Coração. Para eles, o aprendizado de Mestre Cocada, definido por Nelson como um segundo pai, é muito do que faz com que queiram sempre continuar. O compositor, instrumentista e cantor era um exemplo. “Qualquer problema que tivesse, o Cocada não mudava a expressão e não franzia a testa. Resolvia o problema conversando”, afirma Coração.

Assista a uma parte do show do Bacharéis do Samba

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Mais que muito casamento

Manter um grupo de música por 50 anos não é tarefa fácil – ainda mais quando tocavam de terça-feira a domingo ou tinham que lidar com o preconceito das pessoas. Mas foram sempre amadurecendo juntos e mudando, bem como em um “casamento ideal”. “A essência dos Bacharéis é a união. A nossa formação atual nunca teve uma discussão acalorada. Quando um tem dificuldade, o outro ajuda”, define Coração, sobre o grupo atualmente formado por ele, Nelson, Cezar Ferreira, Sérgio Lobo e Roberto dos Santos. Os desafios, no entanto, foram também se alterando. Hoje em dia, eles se preocupam em renovar o público, e acreditam ser importante também trazer diferentes perspectivas para o grupo – o membro mais jovem é um “quarentão”.

Atualmente, Nelson está com 78 anos e Coração com 74, e a idade só preocupa quando estão falando do modo como o público os recebe. Apesar de serem raros, há momentos complicados: “O pior é a gente chegar em um lugar para tocar e as pessoas te olharem com indiferença. Uma vez, fomos tocar em uma festa de família, e escutei dois jovens falando: ‘Quero ver o que essa velharia vai fazer’. Eu nem esquentei a cabeça. No segundo set, o rapaz foi me dizer que estava arrependido de ter falado, que a música que a gente faz é bonita pra caramba”, conta. 

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‘Bachareis do Samba agoniza mas não morre’

No repertório do Bacharéis do Samba, o samba raiz domina. Não tem “pagodão brabo”, mas tem seleção de Pixinguinha até Zeca Pagodinho. Uma música, em especial, nunca sai da voz deles: “Agoniza mas não morre”, de Nelson Sargento, tão presente todos esses anos e que fala justamente da história do grande amor deles.  Repetem o verso “Alguém sempre te socorre/Antes do suspiro derradeiro” como mantra. 

Assim como a música mostra, a recepção em relação ao samba mudou. Tornou-se uma cultura bem mais respeitada pelo público geral e que consegue reunir diferentes pessoas.  Os grandes nomes passaram a ser celebrados, como já deveriam ser. Por isso, também comemoram: “O que eu mais gosto é o calor humano, ver que as pessoas te respeitam, que onde a gente toca, volta outra vez. Eu fico muito satisfeito de ver que, na idade que estamos, temos direito a esse respeito e essa recepção”, conta Coração.

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