Aos 32 anos, o escritor Édouard Louis já é traduzido em mais de 20 países. O seu sucesso começou com o livro “O fim de Eddy”, em que narra sua própria vida, como um jovem gay de classe operária, vivendo em um ambiente extremamente opressivo e isolado. “Hoje eu vou ser um durão”, repete ele, tantas vezes. Desde então, traça um caminho de trânsfuga de classe, em que se dedicou aos estudos e à literatura para romper com esse passado, com sua família e principalmente com o destino traçado que parecia já existir para ele.
Faz isso a partir da mudança de nome, dos gestos, do sotaque, do próprio rosto e dos hábitos. Nessa trajetória, já foram oito livros lançados, sendo os mais recentes publicados no Brasil pela editora Todavia, em uma série na qual ele toma como objeto de atenção a própria vida para falar do que há de mais coletivo em nossa sociedade.
A partir de si, o escritor escreve com indignação sobre a opressão que acometia sua mãe, seu pai, seu irmão e seus vizinhos. Uma opressão que se voltava para ele também a partir da homofobia e das ofensas diárias que escutava, que fizeram com que tomasse como urgente a vontade de sair de casa, na Vila Hallencourt. Foi a partir do teatro que uma professora sugeriu que ingressasse em outra escola, e desde então seguiu os estudos. Isso sem abandonar autoagressões e uma culpa por nunca ter pertencido a esse universo.
Seus livros “Quem matou meu pai”, “Lutas e metamorfoses de uma mulher”, “Mudar: Método” e “Monique se liberta” são parte de uma série que trata da sua vida, com atenção especial à relação com o pai, a mãe e esse processo que tão conscientemente traçou para escapar da vida que tinha. Seu estilo literário (e também sua trajetória) dialoga com nomes como Annie Ernaux, ganhadora do Nobel de Literatura, e Didier Eribon, de quem é amigo e guarda como grande inspiração.
Édouard Louis esteve no Brasil em 2024, para a Festa Internacional de Literatura de Paraty (FLIP) e outros eventos de lançamento. Na ocasião, ele convidou outros escritores como ele a continuarem reinventando suas histórias e contando-as a partir da literatura.
“Quando falo de mim, falo de um corpo que não escolhi, de uma vida que não escolhi, de uma família que não escolhi, de um país que não escolhi, de uma língua que não escolhi. Me mesclo a uma trama maior do que mim. Já a ficção é sobre arbítrio, a construção deliberada de um personagem e um contexto, o que representa muito mais a visão particular do autor. Escrever uma autobiografia é, na verdade, sumir”, disse em entrevista à Veja.
“Quem matou meu pai”
“Quem matou meu pai” é uma boa opção para começar a ler a obra de Édouard Louis. Nesse livro, ele liga sua relação conflituosa com o pai ao cenário político e econômico da França e os tantos assuntos que os dividem. De uma família de operários, seu pai começa a se ligar à extrema-direita francesa, o que faz com que a relação entre os dois fique ainda pior.
A trama se volta para o momento em que ele, afastado do pai, retorna à cidade em um momento em que o patriarca está adoecido – e também abandonado pelo estado, depois de um acidente no trabalho. Longe de buscar uma reconciliação simples, o livro explora os verdadeiros culpados pela ruína dessa relação e as opressões que cercaram os dois, tentando, de alguma forma, também entender o pai.
“Lutas e metamorfoses de uma mulher”
“Lutas e metamorfoses de uma mulher” se volta para a relação de Édouard Louis com a mãe, dessa vez tentando entendê-la como uma mulher dentro de uma sociedade machista e em que ela também é vítima. A opressão que o rondava, afinal, também sempre a atingiu de forma diferente que fez com seu pai ou seu irmão. Era também na mãe que ele sempre buscou apoio, e na relação entre os dois talvez ainda tenha sido possível encontrar algum caminho.
Tudo se transforma entre os dois quando a mãe resolve abandonar o pai, depois de anos dizendo que faria isso. Nesse momento, ele passa a refletir também sobre como a maternidade foi na sua vida uma forma de enclausurá-la, mas não inocenta nenhum dos dois do papel que tiveram como algozes um do outro.
“Mudar: Método”
“Mudar: Método” é o livro mais forte de Édouard Louis no que tange a explorar o enriquecimento e a mudança de classe do autor. Longe de ser um “vitorioso” ao seus próprios olhos, ele narra com detalhes os processos violentos que precisou enfrentar para pertencer ao universo intelectual, um mundo que nem ele e nem sua família imaginavam, a princípio, sequer existir.
No livro, ele também mostra a cultura como um instrumento de violência contra as pessoas pobres e se aprofunda na agressão que existia a partir de filmes, livros ou músicas aos quais ele nunca teve acesso. Mais que isso, seus traços hereditários e até o modo de falar passam a gerar incômodo nos lugares que frequenta. Nesse caminho, Louis continua as transformações que se passam em sua vida, de pessoa que precisa se prostituir para sobreviver até escritor famoso em tantos países. É a partir das pessoas com as quais convive que ele vai, sempre, se transformando.
“Monique se liberta”
“Monique se liberta” é o mais recente livro do autor publicado no Brasil. É a mãe, mais uma vez, que ganha foco na narrativa, depois de passar por outro relacionamento abusivo e precisar da ajuda do filho, agora com dinheiro, para poder se libertar. Esse novo momento do relacionamento dos dois suscita novas reflexões
A mãe, aos 55 anos, sem diploma de curso superior ou carteira de motorista, é um alvo fácil da dominação masculina. O escritor, então, reflete sobre o lugar no mundo que ela pode ocupar e traz de volta suas memórias (inclusive sobre a reação da família à exposição sobre sua vida nos livros) para construir essa relação.