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Ex-funcionária resgata história da extinta fábrica de tecidos Ferreira Guimarães

FERNANDO PRIAMO
Fábrica original foi fechada em 1995, e parte de sua estrutura foi preservada (Foto: Fernando Priamo)
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Muitas vezes não nos damos conta disso, mas memória e história possuem suas diferenças. Enquanto a primeira está sempre viva e é nossa companheira, a segunda geralmente costuma ser o trabalho de pesquisar e resgatar fatos passados. As duas, entretanto, podem convergir quando presentes na mesma pessoa. No caso, a professora e pesquisadora Cláudia Gaspar, autora do livro “História e Memória da Ferreira Guimarães”, que será lançado neste sábado (17), às 17h, no Centro Cultural Dnar Rocha, no Mariano Procópio, próximo a onde ficavam as duas unidades da centenária empresa, que deixou de existir em 2014 na cidade.

O trabalho, lançado por meio da Lei Murilo Mendes, adapta a pesquisa de mestrado em História na UFJF realizado por Cláudia entre 2012 e 2014, reunindo pesquisas em jornais antigos, como “O Pharol”, “Diário Mercantil” e Tribuna, visitas ao escritório da empresa, em São Paulo, ao acervo da Ferreira Guimarães que foi dado para o Instituto de Artes e Design (IAD/UFJF) e entrevistas com antigos funcionários – muitos dos quais antigos companheiros da escritora, nascida em Andrelândia mas que passou a maior parte de sua vida em Juiz de Fora e trabalhou na empresa entre 1987 e 2007, quando saiu na última das ondas de demissão em massa que tiveram início em 1995.

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Livro é resultado de pesquisa da mestre em História Claudia Gaspar, que trabalhou na antiga fábrica, criando padrões de estampas (Foto: Marcelo Ribeiro)

Nesse período, ela foi responsável, junto à equipe de Desenvolvimento de Produtos, pela criação das coleções de estamparia, desenvolvimento das variantes de cor para os desenhos, composição da cartela de cores, pesquisa de moda, atendimento a clientes e participação em feiras têxteis nacionais e internacionais, além de acompanhamento da produção e confecção de amostras de tecidos na unidade fabril em Juiz de Fora – a Ferreira Guimarães tinha outras unidades em Barbacena e em Valença, onde foi criada em 1906.

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Assim como outros ex-funcionários, Cláudia Gaspar conta que ficou muito mal com a demissão, na época, afinal foram vários anos dedicados à Ferreira Guimarães. “Nunca mais voltei a trabalhar na indústria têxtil. Havia oportunidades na minha área fora da cidade, mas meus filhos eram pequenos, e decidi então me dedicar à área acadêmica. Um dos maiores incentivadores para a pesquisa a respeito da Ferreira Guimarães foi meu orientador, o professor Marcos Olender, que é da área de patrimônio cultural”, ressalta. “Minha graduação foi em artes, que também é ligada à questão do patrimônio, mas foi em um disciplina que fiz com ele que me apaixonei pela ligação entre história, arte, cultura e patrimônio.”

Histórias, relações e criação

Por isso, a pesquisa de Cláudia não se deteve apenas na história da indústria têxtil, buscando também descrever de que forma a Companhia Têxtil Ferreira Guimarães se manifesta nas lembranças de seus ex-funcionários; a importância da empresa na construção dessas identidades pessoais; quais desenhos foram criados ao longo do tempo através dessas relações; e quais pontos representam, através de suas significações, as linhas de construção dessas identidades.

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Tais questões foram tratadas através de uma abordagem de História Social, com o livro dividido em três capítulos. No primeiro, é relatada a trajetória da Ferreira Guimarães relembrando as fábricas têxteis que a antecederam no local de sua instalação, caso da Fábrica dos Ingleses, que depois adotou o nome de Companhia de Tecidos Industrial Mineira, chegando às crises que forçaram demissões, o fechamento da unidade fabril e, por fim, o fechamento da unidade acabadora de tecidos. No segundo capítulo, a autora dedica-se ao trabalho de estamparia da Ferreira Guimarães e sua evolução em termos de criação e moda. No terceiro, a partir do depoimento de antigos funcionários, ela trata da Ferreira Guimarães como patrimônio e da memória têxtil criada a partir dessas percepções e representações.

Sob muitos aspectos, como diz a escritora, é “a história contada por quem viu a história”, e que possui laços de relações fortes até hoje. “Mesmo depois do fechamento da fábrica, com as pessoas se espalhando, elas mantiveram o vínculo. Hoje temos um grupo no WhatsApp que só cresce”, diz. Essas ligações, acrescenta, ajudam a manter vivas as memórias do cotidiano da empresa, em que muitas vezes gerações de uma mesma família se perpetuavam e que faziam com que elas sentissem interesse e orgulho pelo resultado do trabalho.

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“Não só os criadores, mas os demais funcionários que viam a produção comentavam se as estampas eram bonitas ou não, tinham interesse em comprar o produto que estivesse disponível no varejo da fábrica. Ficavam enlouquecidos com estampas exclusivas, que eram para clientes específicos. E tinham um sentimento de pertencimento quando viam uma pessoa na rua, mesmo desconhecida, que estava usando uma roupa feita com nosso tecido, criava-se uma sensação de afinidade. O mesmo valia se vissem um roupa com nossa estampa na vitrine de uma loja.”

Trabalho acadêmico e afetivo

Mesmo sendo uma pesquisa acadêmica, Cláudia Gaspar disse que passou por diversos momentos emocionantes durante o processo, como a descoberta do material guardado no IAD e, principalmente, as entrevistas. Também ficou marcada pela visita ao escritório da empresa, em São Paulo, em que pôde fotografar material antigo, entre eles as estampas, todo o material encontrado no que restava da unidade que ainda funcionava em Juiz de Fora, apesar da sensação aflitiva de perceber os espaços vazios, as máquinas paradas, o silêncio que contrastava com a atividade incessante de antigamente.

“As pessoas sempre ficavam muito emocionadas nas entrevistas, às vezes choravam. E sempre muito solícitas para contar suas histórias. A maioria eu já conhecia, mas à medida que a pesquisa se desenvolvia, muitos se interessaram em falar. Essa relação ajudava a criar confiança, afinal tivemos as mesmas vivências. Foi bom até para mim mesma, por estar ligada a uma empresa e a tantas pessoas por tanto tempo.”

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Por fim, a pesquisa ajudou Cláudia a terminar de encontrar o “chão” que havia perdido na época da demissão, em que ficou sem saber o que fazer no futuro. Atualmente, ela é professora de artes nas redes municipal e estadual de ensino e planeja partir o mais breve possível para o doutorado. “A pesquisa foi importante para trabalhar o vazio que eu sentia depois que tudo acabou. Isso, para mim, não tem preço. Foi fundamental para me sentir bem, ser quem eu sou hoje e mais próxima de quem eu era. É como se tivesse feito uma terapia graças ao livro. Foi bom para o meu próprio eu e a relação com a minha vida, da qual a Ferreira Guimarães faz parte.”

Unidade inaugurada em 1981 foi definitivamente fechada em 2014 após subutilização (Foto: Fernando Priamo)

Trajetória que se cruzou com a história de Juiz de Fora

A Cia. Têxtil Ferreira Guimarães foi fundada em 1906, na cidade fluminense de Valença, por Benjamin Ferreira Guimarães, e se tornou uma das maiores empresas do setor no Brasil até o encerramento de suas atividades, em 2014, resultado de um longo e penoso período de crise, demissões, fechamento de unidades que resultou na falência em definitivo.

A empresa, porém, tem suas origens em Juiz de Fora devido a uma outra companhia têxtil, a Industrial Mineira, inaugurada em 25 de dezembro de 1883 e reconhecida como a primeira fábrica de tecidos da cidade. Também conhecida como Fábrica dos Ingleses, posteriormente Companhia de Fiação e Tecelagem Industrial Mineira, foi pioneira, em 1887, no uso da energia elétrica para a produção industrial, antes mesmo de Bernardo Mascarenhas introduzir a iluminação pública, foi a primeira empresa a operar a telefonia em Juiz de Fora e também teve um clube de futebol, o Esporte Clube Industrial Mineira, campeão em 1922 do campeonato da Liga de Juiz de Fora.

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A Companhia de Fiação e Tecelagem Industrial Mineira foi sendo progressivamente adquirida, entre 1941 e 1942, pela Ferreira Guimarães, que assumiu o controle definitivo apenas em 1943. O nome da empresa , porém, foi mantido até 1974, quando passou a ser conhecida oficialmente em Juiz de Fora por Cia. Têxtil Ferreira Guimarães.

Apesar de alguns momentos conturbados, a Ferreira Guimarães seguia investindo. Em 1981, inaugurou uma nova unidade, a Central de Acabamento de Tecidos, ao lado da primeira fábrica. A crise, porém, retomou com força, com o encerramento das atividades em 1995 da unidade de Fiação e Tecelagem na Avenida dos Andradas, sendo que parte de sua estrutura foi tombada pelo patrimônio histórico e preservada. Em novembro de 2007, a empresa encerrou praticamente todas as suas atividades na Acabadora de Tecidos, demitindo quase todos os funcionários e iniciando um processo de Recuperação Judicial no mesmo ano. Em 2009, porém, foi decretada a falência da sociedade, e apenas as unidades de Juiz de Fora e Barbacena mantiveram alguma atividade, mas irrisória. A última unidade da cidade encerrou em definitivo as atividades em 2014.

HISTÓRIA E MEMÓRIA DA FERREIRA GUIMARÃES EM JUIZ DE FORA

Lançamento neste sábado (17), às 17h, no Centro Cultural Dnar Rocha (Rua Mariano Procópio, 973 – Mariano Procópio)

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