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Edmon Neto lança livro de poemas ‘Sob esses rios que voam’

edmon neto arquivo pessoal 1
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O poeta Edmon Neto lançou o livro “Sob esses rios que voam”, que reúne trabalhos realizados desde que se mudou para Altamira, na Amazônia, em 2021. A obra representa um momento de amadurecimento de sua trajetória, que vai incluir desde a chegada até esse novo lugar, com deslumbramento e estranhamento, até o olhar para os detalhes de seu novo cotidiano e as lembranças que o afastamento pode trazer. O escritor viveu em Juiz de Fora durante muitos anos, trabalhando como professor de redação em escolas da cidade e envolvido com o cenário cultural local, mas é nascido em Tabuleiro. O deslocamento para um lugar a mais de três mil quilômetros de distância motivou o nascimento do seu novo livro, como define, “em situação de Amazônia”, e nessa escrita o autor vai vendo sua própria voz narrativa sendo alterada. A obra foi lançada na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) na última semana e também na Bienal do Livro, em São Paulo. 

O seu novo trabalho nasceu durante a mudança de estado, quando Edmon se encontrou sozinho em Altamira para dar aulas na Universidade Federal do Pará (UFPA), com toda a sua família distante. Enquanto se adaptava, começou a escrever a partir das vivências que tinha e também das influências que passou a ter em função do contato com poemas e poéticas amazônicas que fizeram parte da sua pesquisa acadêmica. Estar lá ampliou a sua visão sobre a região Norte do país: “Não é uma região fácil de se viver, por vários motivos históricos. É uma região devastada pelo Ciclo da Borracha, pela construção da Transamazônica e, mais recentemente, de Belo Monte. Isso fez com que a cidade fosse um lugar de encontros, de chegadas e partidas de muita gente do Brasil inteiro”, conta. 

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O livro, que é publicado pela Editora Urutau, surgiu a partir de um edital da Fundação Cultural do Pará. Do momento em que começou a ser pensado até realmente formar uma narrativa coesa, foram tempos de reescrita, alteração e busca por encontrar o tom certo. “Não queria que fosse uma pura representação da Amazônia, porque achava muito leviano querer falar sobre a Amazônia ainda conhecendo tão pouco. Claro que, vivendo lá, a gente aprende e testemunha muita coisa, mas não queria que fosse uma representação fácil de um lugar que ainda é tão desconhecido para o povo brasileiro, principalmente do Sudeste”, revela. Por isso, a escolha de Edmon Neto foi escrever a partir de percepções mínimas e de um cotidiano específico, para deixar surgir a perspectiva de um “estranho familiar” que reconhece no novo lugar partes de si mesmo. “Quando se sonha ri-se do lustre/das sanguessugas, sem saber/da indiferença das fronteiras”, traz o primeiro poema do livro.

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Todo o processo de elaboração da obra, como conta Edmon, buscou trazer um olhar delicado e respeitoso para o local. “Foi uma chegada, um primeiro contato com as histórias e as tensões do lugar. Não queria cair num denuncismo, porque Altamira também já é um lugar bem estigmatizado pelo país inteiro”, diz. O livro é dividido em quatro partes: “ardis”, “ruídos”, “rede” e “cascas”, cada uma reunindo poemas que mostram diferentes perspectivas, desenvolvidas ao longo dos últimos três anos, e que vão também mostrando o enraizamento do poeta. O próprio título da obra, “Sob esses rios que voam”, surge do fenômeno climático dos rios voadores, que irrigam diferentes regiões pelo clima da Amazônia. “Eu me apropriei desse fenômeno de modo simbólico para criar um livro de um poeta em situação de Amazônia, que o tempo inteiro está vinculado e ligado pela memória e pela própria identidade com Minas Gerais”, conta. Também há poemas que evocam infância, experiências sexuais da adolescência, descobertas identitárias e homoafetividades. A obra contou com Eleazar Carrias, poeta paraense, e Rafael Senra, mineiro que também está “em situação de Amazônia”.

Ninguém pisa duas vezes na mesma floresta

Edmon Neto foi contemplado em edital da Fundação Cultural do Pará e publicou livro pela Editora Urutau (Foto: Arquivo pessoal)

Não só pela nova morada, em Altamira, mas também pela vontade de se conectar com o lugar, o livro é repleto de influências amazônicas – que fazem com que a obra se diferencie dos livros anteriores de Edmon Neto, como “O desportista na cama”, lançado em 2022. Parte disso se dá pelo impacto de suas vivências culturais e pela relação que ele foi estabelecendo com a beleza da região, com o rio, com as festas paraenses, com a culinária local – mas também com as dificuldades que foi percebendo. “São coisas, às vezes, bem mínimas. Mas evito cair em uma romantização das paisagens maravilhosas da Amazônia, evito ser muito contemplativo, até porque também é um lugar de dor e adoecimento”, diz. 

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O poema “filete”, por exemplo, fala de correntes de esgotos que saem das cozinhas das casas com afeto. “Muitas coisas evitei falar, mas fui sugerindo, inclusive por imagens violentas. Quando falo dos córregos de esgoto, e descubro que isso é o menor dos problemas, eu quase me afeiçoo daquilo. E depois mudo de assunto, falo da música, da poluição sonora, para não falar do que há de pior na cidade”, conta. São cuidados que, para ele, fazem sentido para não reforçar uma certa estigmatização que o lugar já sofre.

O seu processo de pesquisa acadêmica também trouxe muitas influências, inclusive por uma valorização da oralidade na escrita. Vicente Franz Cecim, Dalcídio Jurandir e Raimunda Gomes da Silva foram algumas de suas referências, além da jornalista e também moradora da cidade Eliane Brum. O poema “no seu pedro”, por exemplo, fala de um bar em Altamira onde, inclusive, o livro foi lançado, e que ao longo de sua estadia por lá permitia que as pessoas se encontrassem em seus escritos. Algo parecido com esse processo ocorre com o poema “se tu tiveres um barco”, que foi dedicado aos educadores com quem Edmon trabalhou. Para mim, a melhor das recepções foi quando as pessoas que eram de lá me disseram que se reconheceram no que foi escrito ali”, diz.

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‘Viver o Xingu me aproxima de Tabuleiro’, diz Edmon Neto

Apesar de toda a distância que separa as duas regiões, a poética pode aproximar esses lugares através de um olhar nada óbvio. Foi o que aconteceu por meio de Edmon Neto: a própria vivência como migrante o aproximou da sua origem. “Viver o Xingu me aproxima de Tabuleiro”, conta. Isso reflete em sua escrita, que busca perceber as semelhanças nunca imaginadas entre os lugares e também se envolver com as diferenças que vão se apresentando. “São nuances de maturidade, de uma voz poética que vai oscilando, estando em outro lugar, mas também se lembrando de um passado que vai se borrando e se misturando”, diz. 

Estando nesse novo lugar, o poeta encontrou também a maneira de olhar para a própria infância, adolescência e experiências afetivas e sexuais bem anteriores. Um dos melhores exemplos disso é o poema “era sempre”, que revisita um encontro que teve com uma mulher, ainda em Tabuleiro, olhando com uma nova perspectiva. “Nossa história é/esse fosso/cavado entre os tijolos/porque era sempre sobre eu nunca ter pensado no pânico que tu sentiste quando sentaste naquele banco”, revela o poema. Para ele, essa história é marcante, e voltar a ela agora significou um momento de mudança para ele. “Eu viro o garanhão nessa cidade pequena e isso foi um escudo para mim, não precisava falar que era gay. Mas ela foi humilhada, não foi para escola durante meses, se ferrou de todas as maneiras possíveis. Foi quase um poema de desculpas para algo que aconteceu na adolescência. E termino com a ideia de vingança, com a ideia de que ela poderia se sentir vingada se soubesse que a minha vida não era mil maravilhas”, diz.

Livro “Sob esses rios que voam” usa vozes narrativas diversas e experimentalismo para criação (Foto: Divulgação)

Vozes narrativas e experimentalismo

Edmon Neto brinca com seus amigos que esse livro traz “mais exposição do que se tivesse vazado um nude”. Apesar de assumir um olhar para outros corpos, animais, pedaços da natureza e também para a cidade urbana, ainda é algo íntimo que prevalece. “São vozes narrativas diferentes que têm a ver com momentos diferentes desse sujeito poético que sou eu, é claro”, conta. Isso acontece em “o meu xapiri”, por exemplo, um poema no qual ele conta sobre o sumiço de seu cachorro, e no qual usa colchetes para marcar um tipo de intervenção mais direta da sua figura como poeta. 

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Também em função dessa diversidade de vozes, Edmon se sente à vontade para explorar formas fixas, versos livres e visualidades concretistas a fim de construir um panorama quase etnográfico. Todo esse cuidado e atenção, no entanto, não faz com que ele deixe de ser um estrangeiro – mas reforça o seu lugar de alguém que quer contar essas histórias de forma digna, respeitosa e, afinal, conjunta com a própria Amazônia que o acolheu. 

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