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Os livros do homem ou O homem dos livros

(Foto: Fernando Priamo)
(Foto: Fernando Priamo)
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A poesia de Knorr se equilibra entre a modéstia e a pretensão. De um lado, está a sobriedade do texto curto. De outro, a exigência de que a palavra seja maior. Dos dois lados, ou de lado nenhum, está o trabalho de Knorr. Instigante, sobretudo. “Não me defino. Escrevo texto. Uma característica que sei que tenho é a concisão, de chegar a uma palavra. Ou de chegar a nenhuma, através de signos gráficos. Se sou um poeta visual ou não, prefiro não ser. Prefiro ser o poeta. Escolhi unir a escrita ao trabalho gráfico”, afirma ele, cujo estalo para o não lugar do texto/imagem foi dado com a leitura de “Caprichos & relaxos”, de Paulo Leminski.

“Eu já tinha feito algo parecido no meu primeiro livro, trabalhando com Decadry. Era um poeminha que dizia assim: ‘Um macaco dança e um orangoTango’. Também fiz um sobre o Natal, em formato de pinheiro. Eu gostava de brincar com isso. Mas não existia computador quando comecei, então, tenho poemas nos quais virei a noite tentando encontrar os dígrafos. Como sempre gostei de geometria, era mais fácil”, conta o escritor, que utilizou-se de recortes de revistas e todos os poucos modelos de Decadry. “Hoje já refiz todos eles em computador.”

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“Narcisos”, publicado em 1990, representa o ápice de sua investigação acerca da linha que separa texto e imagem. Elaborado como trabalho de conclusão do curso de jornalismo, o livro ganhou uma tiragem de 300 exemplares, grande parte deles enviada a outros escritores, pesquisadores e editores. “Caro poeta, Recebi teus Narcisos. Toquei o espelho/incesto. Há muitos muitas revelações súbitas que revelam os seus belos desencontros. Meus parabéns ao poeta. Meus votos de fecundo 1991. Abraços do Manoel de Barros”, respondeu o poeta mato-grossense após ter recebido um dos livros.

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Com capa elaborada pelos artistas visuais André Lopes e Renato Abud, e miolo todo diagramado por Knorr como resultado das disciplinas de design, o livro também chegou para os poetas Glauco Mattoso e José Paulo Paes, que também lhe escreveu um cartão: “Prezado Knorr, Aceno o recebimento da bela edição de ‘Narcisos’. Fico-lhe grato pela gentileza da lembrança e o cumprimento por momentos epifânicos como ‘lágrima na água’. Tudo de bom em 91.”

Provocante, o trabalho esgotou o poeta mas não se esgotou. Pelo contrário, no ano em que Knorr completa 30 anos de carreira, a obra anseia nova edição num projeto de financiamento coletivo (https://www.catarse.me/narcisos). “Tudo começou quando resolvi publicar na internet essas cartas. Não quero só depender de dinheiro público para fazer as coisas. Já cheguei a mandar para editoras, mas elas não se interessam muito por poesia. Elas até têm interesse pelas poesias premiadas, mas não sou muito dado a entrar em concursos. Desde criança, sou assim. No esporte, nunca gostei da competição, mas do exercício pelo exercício. Como músico, já toquei em festivais, mas acho injusto, subjetivo. Gosto da arte pela arte”, diz.

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O escritor do tempero

Aos 52 anos, a arte pela arte é, para Knorr, a salvação. É o sentido. “Pessimismo na arte, não tenho. Tenho mais é a vontade de fazer tudo. Minha poesia nunca foi engajada politicamente, mas minha atitude política é ir às escolas, mostrando a força da arte. Meu cartaz é o livro, a escrita. O pessimismo tenho em relação à sobrevivência. Preciso comer e pagar contas e, pela primeira vez, desde os 18 anos, tive que pedir dinheiro emprestado para pagar o IPVA do meu carro”, lamenta. A poesia te salva? “Salva.”

Pai de três filhos – 12, 9 e 6 anos -, o artista múltiplo procura um novo lugar. Busca a reinvenção expressa no que escreve. Já teve escritório de design gráfico, dois bares, dentre outras iniciativas que lhe mostraram que andar sozinho, às vezes, é a melhor saída. Também estampou camisetas com seus poemas. E tocou, tocou, tocou. “A noite está acabando. Para o estilo de música que toco, não há mais lugares. Vai tocar a noite inteira para ganhar R$ 20 ou R$ 30? Vale mais fazer o que fazemos, de ir para a casa de um dos amigos e tocar para nós mesmos”, comenta ele, parceiro de músicos como Estêvão Teixeira e Guto Gomes.

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“Hoje tento me reestruturar. De repente penso em mudar de área. Hoje em dia mando currículo e me respondem que estou velho. Não entendo. Sempre procurei os mais velhos porque sabiam mais. Sempre quis um dinossauro trabalhando comigo. Hoje os novinhos parecem que estão prontos. A nova geração olha como nossos pais. Aí vale o Belchior”, brinca o homem de ironia sempre em punho, com o gatilho puxado, desde a década de 1980, quando figurava na vanguarda do movimento expresso nas revistas “Abre Alas” e “D’Lira”.

Da juventude nos tempos de silêncio forçado à maturidade em tempos de forçosos silêncios, Knorr procura até mesmo seu lugar na tribo. Aponta que desde os anos 1980 percebe dois lados distintos: o acadêmico e o popular. De um lado, estão os escritores Edimilson de Almeida Pereira, Fernando Fiorese e Iacyr Anderson Freitas, a “santíssima trindade” para Knorr, com uma verve mais teórica. “O Júlio Polidoro está no meio. De outro lado, mais pop, estou eu e está o Zé (José Santos). Brinco que não sou homo sapiens como eles, sou homo faber como o Zé. Não sou de muito aprofundamento literário”, pontua ele, Luiz Augusto Knop de Mendonça.

Knorr por quê? “Na Academia fiz uma sacanagem com um professor, e o cara brincou, dizendo que eu estava parecendo o pintinho do Caldo Knorr. Mas o pintinho era do Caldo Maggi. Desde o Jesuítas, que era a escola onde estudava antes, eu já passava por brincadeiras assim. Mas eu era o Gutinho, de Luiz Augusto. E, como ninguém gosta de ser chamado de ‘inho’, preferi Knorr. O nome veio quando eu comecei a escrever. Procurei os significados: é o barco viking e, num dialeto suíço, a pessoa inoportuna. Casou com a minha época de revolta. Quem é mais inoportuno para o sistema que o artista?”

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O tempero do escritor

Aos substantivos, o poder da ação dos verbos. No novo “O livro dos verbos”, cujo lançamento deve acontecer no próximo mês, Knorr, mais uma vez, lança mão do dom de manusear as palavras, conferindo-lhes outros lugares na língua portuguesa. Dom confirmado por um crescente fenômeno de interesse por sua produção. Nos últimos dois anos, o escritor visitou cinco escolas municipais e duas particulares, a mais recente, o Colégio Equipe, em São Mateus, onde os alunos dos sétimos anos trabalharam com o livro “Totem”, de 2015.

“Tenho notado que os professores têm avançado no tempo, chegado mais perto da atualidade. Já se fala no movimento de 1960 como passado, no movimento marginal como passado. Só não se sabe o tempo em que estamos, mas é legal, porque só vamos mesmo saber daqui a um tempo”, comenta o autor de poemas que serviram de base para um curso de formação de professores públicos no Rio Grande do Sul, autor, também, de “OLHLO2”, objeto de dissertação de mestrado na Universidade Federal do Mato Grosso.

“Chama a atenção, quando tratamos dos poemas de Knorr, a possibilidade de pensar quais são os limites entre o estético e o mercadológico. Nessa vertente, seria possível levantar questionamentos procurando traçar de que forma os poemas elencados poderiam se tornar mercadorias próprias para consumo, como por exemplo cartões, marcadores de páginas e telas decorativas, ao gosto da Pop Art”, discute a pesquisadora em linguística Livia Ribeiro Bertges no trabalho “Jogo e poesia visual: a dinâmica dos naipes na obra OLHLO2 de Knorr”, no qual aponta a relação íntima da produção do poeta com a de outros escritores vanguardistas, “desde os poetas concretos aos poetas híbridos que jogam com as ferramentas computacionais”.

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“No caso de Knorr, o enlace do verbal e não verbal, misturado com a potencialidade do ato de jogar – não somente com as cartas, mas com os movimentos internos que acontecem com as mesmas -, demonstra que o poema pode ter a força do hibridismo de todas as linguagens e linguajares”, defende Lívia, numa ode a um operário da língua, daqueles que investiga, destrincha e remonta cada palavra que encontra. Sem parar. Atualmente tem dois livros sendo ilustrados, um pelo chargista da Tribuna, Mário Tarcitano, e outro pelo artista visual Vinícius Chagas. “Ao mesmo tempo, estou trabalhando em um livro chamado ‘O livro dos pecados’, com poemas sobre os pecados capitais. Na capa, terá um louva-deus. Em outro, incorporo Manoel de Barros. Gosto muito de ficar no meio do mato sozinho, de bermuda e com uma câmera para fotografar passarinhos. Um dia comecei a registrar insetos. Também tenho os livros infantis. Não paro de trabalhar. Preciso.”

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