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Gerson Guedes abre exposição ‘Rua Direita’

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Artista propõe o resgate e a reflexão sobre a história da cidade, que muitas vezes não é contada, deixando de lado quem realmente construiu cada canto (Foto: Divulgação)
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“Como um traço/ Que vagueia sobre a tela/ Em busca da cor,/ Lanço um olhar pela Avenida/ Do antigo Bar Redentor.” É assim que começa a exposição “Rua Direita” do artista plástico e escritor Gerson Guedes, com curadoria de Petrillo, que tem abertura nesta sexta-feira (19) e segue até o dia 6 de junho na Hiato (R. Coronel Barros, 38 – São Mateus). Essa primeira estrofe do poema guia toda a experiência, que se aprofunda pela Zona da Mata e, mais especificamente, sobre Juiz de Fora. Foi pensando no texto que o artista se debruçou sobre a história que ia contar e, a partir de então, escolheu as cores, elementos e representações que traria. Dentre as 16 obras elaboradas com desenhos em grafite e tinta acrílica sobre tela, há uma reflexão e um olhar para a memória da cidade. Não por acaso, a palavra acompanha: para ele, “cada obra é um verso do poema”.

A exposição ocorre justamente para marcar o aniversário da cidade, que comemora 173 anos de sua elevação à categoria de vila. Gerson conta que usa, para isso, uma das Avenidas mais notáveis dessa história para relembrar esse início, que aconteceu ainda no dia 31 de maio de 1850. “Temos como primeira rua a atual Avenida Rio Branco, que surge uma década antes do distrito de Santo Antônio de Juiz de Fora”, ressalta. Explica que, conforme suas pesquisas, a rua ao lado, que passava na margem esquerda do rio, costumava alagar frequentemente e deixava toda a estrada interrompida, prejudicando o comércio local que existia até então no século XVIII. “O governador da Capitania de Minas Gerais contratou um serviço para que se fizessem melhorias no caminho novo. Então, o engenheiro chefe, Henrique Halfeld, chegou a JF por volta de 1836 para fazer essas melhoria”, explica.

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Uma das grandes mudanças no caminho foi abrir essa longa reta, que cruza a cidade inteira, e fazer com que essa cidade se movesse. Aos poucos, os aglomerados humanos começam a migrar para a margem direita, em um lugar seco, e então a cidade foi acontecendo, atravessando o rio. Como continua, em seu poema: “Terras dos Tostes e outros Antônios/ Longa trilha…/ De milheiros ao Lamaçal./ Rota do Engenheiro, Estrada Nova,/Rua Direita, Principal.” Aos poucos a rua se mostra muito mais que um pedaço de terra, e transforma o redor. “Aos poucos essa rua, que era chamada de Estrada Nova ou Estrada do Paraibuna, promove o surgimento de um novo fluxo social e geográfico. Muda tudo”, conta.

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Ao pintar essa história, Gerson também faz o próprio movimento de transformação. Conta que quer propor um resgate e uma reflexão sobre essa história da cidade, que muitas vezes deixa de ser contada nas escolas, que os jovens perdem e que, com o tempo, foi deixando de lado quem realmente construiu cada canto. Seu processo, por isso mesmo, envolve tanto a escrita quanto as artes plásticas. Reflete: “Eu pego primeiro a parte da história, procuro me inteirar e da história eu vou partir para a elaboração da parte verbal. Do poema eu começo a desenvolver o desenho. Esse diálogo entre essas linguagens irmãs é muito interessante, e faz com que a criatividade entre em um estado de ebulição. E pra isso tudo, há o silêncio”.

O mesmo traço

O interesse pela Zona da Mata mineira é presente em toda a obra do artista, sempre como foco principal, já que sua própria história construiu esse olhar. “Apesar de ter nascido em Juiz de Fora, passei toda a minha infância em Santo Antônio do Chiador, que é uma cidade onde esteve a primeira estação ferroviária de Minas. Dali, surgiram meus primeiros desenhos, que retratavam o universo que me cercava e que influenciaram até hoje nas cores que eu uso. O laranja barro, o verde, são cores da estrada de chão da Zona da Mata”, explica. Para ele, um sinal claro disso é que seu traço se torna reconhecível em qualquer época de sua vida. “O meu traço que eu tenho hoje começou riscando o chão, no barro, na areia molhada, onde foram meus primeiros desenhos. Eu trouxe isso para os quadros, consegui descobrir meu caminho e permanecer nele”, diz.

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O poema segue: “Rio Branco,/ Caixas humanas, / Descendo! Subindo! Indo e vindo./ Postes, pastéis, pálidos postais./ Calçadas ambulantes, aflitos sinais.” As exposições também contam a individualidade de Gerson e a vida que ele notava ao redor, nos detalhes mais discretos. “Fui começando a construir exposições a partir das minhas histórias de vida, dos carros de boi, as cozinhas, a religiosidade, o folclore. A mineiridade que ainda existe na Zona da Mata. Se trata de uma linguagem pictórica em cima dessas minhas observações e mudanças”, diz.

Passos pela Avenida

Hoje, Juiz de Fora tem prédios cada vez mais altos, carros grandes e barulhentos, os bondes e trens estão distantes. Na pintura de Gerson, no entanto, estão o Prédio do Paço Municipal, o Palacete da Santa Mafalda e tantos outros que sobreviveram no tempo. Para ele, lembrar é necessário sempre: “A cultura é uma das vacinas contra a irracionalidade, e é algo que deve ser trabalhado a longo prazo. Não podemos nos distanciar dessa história”. Assim como a história de Juiz de Fora que, vivenciada na avenida que dá nome à exposição, já foi tão mudada, a pintura de Gerson ao longo da sua duradoura carreira também passou por suas próprias transformações.

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Em sua visão, os recursos tecnológicos tão disponíveis não alteraram o que tinha de mais original em sua obra. “Claro que vão surgindo outras cores, outros ângulos de visão, a cidade vai mudando. Isso tudo vai interferir, mas o importante é você olhar para um quadro e se identificar nele”, diz. Nessa caminhada, ele mesmo confessa que, passando dos 60 anos, quis fazer “um retorno à gênese”. Passou a priorizar os desenhos, até mais que as cores.

O que espera deixar de legado, no entanto, é algo que mistura “uma pintura de registro e prospecção”, a partir de uma arte mais contemporânea, que “fomenta novas descobertas e novos canais de formação de ideias”, e também de uma arte de registro que “mostra um tempo parado, como se fosse a própria fotografia, mas há minúcias dela que são muito pessoais do artista”. O poema é finalizado ainda que a história continue a passos rápidos: “Avenida,/ Um grau nos passos, uma Casa Santa, / Um beijo no Parque, um Mergulhão no tempo, / Um grito na garganta”.

 

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