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Circo dos Sonhos: confira os bastidores da estreia em JF

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Sábado, 9 de abril, 21h. “Como está? Descansou? Hoje lembrei muito da pauta.” Essa foi a mensagem que Fernando Priamo, fotógrafo da Tribuna, enviou. Depois de uma curta troca de mensagens, ele concluiu: “Acho que vou fugir com o circo”. Quase 24 horas depois e a experiência de estar lado a lado com os artistas do Circo dos Sonhos, que iniciou, na última sexta-feira (8), uma temporada de um mês em Juiz de Fora, ainda reverberava. Chega uma outra mensagem, quase no mesmo horário, de Bruno Rocha, o bobo da corte do circo: “Com o tempo a gente vai se acostumando”. A rotina normaliza o espetáculo. E é ela também que constrói, no circo, uma dança controlada e ensaiada nos bastidores, que envolve cada um dos artistas. De olhos atentos e ouvidos bem abertos, a magia acontece mesmo fora dos palcos.
“O circo é assim: cheio de emoção. Não tem que ter medo, não. É só coragem”, diz Bruno enquanto limpa o pé com um lenço umedecido, no camarim masculino. “Aqui é diferente do feminino porque não tem o frescor do ar-condicionado, né?!” Ele tinha acabado de descer do palco depois de um pequeno ensaio, 2 horas antes de começar o espetáculo. Não daria tempo de tomar banho. O trailer onde mora fica estacionado do outro lado do Shopping Jardim Norte. A maquiagem com o rosto todo branco de bobo da corte já está pronta desde cedo. “Dia de estreia é diferente, porque é mais corrido. A gente recebe muita gente”, explica. Enquanto isso, do seu lado, outro palhaço passeia pelo celular: “Eu faço isso agora porque na hora do circo não tem como. Você vai ver: a gente não fica parado um minuto”.
“Ah! Lembrei de uma coisa que a gente percebe a diferença depois de uma temporada em outra cidade: internet. A qualidade muda demais”, interfere Bruno. Depois disso, ele olha para o rosto do seu companheiro de trabalho e questiona: “Mas, Buguinho, qual é o seu nome mesmo? Você tem nome?”. “É Roger. Está vendo? A gente passa tempos juntos, mas é o nome artístico que pega.”

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Lorena, Thiago e Sarah já prontos para a estreia (Foto: Fernando Priamo)

No circo, enquanto arruma, conta história

Enquanto isso, Buguinho precisa terminar a maquiagem. “Eu faço em 20 minutos, se for preciso. Mas, quando está tranquilo, até música eu ouço.” O camarim masculino está calmo nessa hora. Um ou outro entra para pegar alguma coisa. Dá tempo de ouvir e conhecer as histórias. Mesmo estando tanto tempo juntos, eles se conhecem pouco. “Eu já saí no jornal, sabia?”, pergunta Bruno. “Saí porque fugi com o circo. Conheci o Daniel em um aplicativo e comecei a frequentar. Fiquei apaixonado e estou aqui até hoje.” Enquanto ele conta parte da trajetória, chega Diguinho, cheio de cordas. “Eu já subi nessas cordas todas. Nunca tive medo mesmo. Já fiquei sabendo que teria que subir na hora do espetáculo. Eu ia fazer o quê? Eu gosto”, diz o bobo da corte, que já fez tecido no circo, além de ajudar na praça de alimentação e tirar as fotos.
Quem cuida da segurança dos artistas no picadeiro é Diguinho. Ele também conheceu o circo na sua cidade, quando ainda fazia capoeira, há mais de 20 anos. Começou a frequentar e, quando viu, estava trabalhando com isso. O inusitado é que ele trabalha no alto, mas tem medo de altura e ainda é tímido. “A explicação para eu trabalhar com isso vem da plateia, eu acho. No palco, o calor humano que vem de fora me deixa à vontade. Da altura, é treino mesmo. Costume.” Na sua trajetória, ele fez parte de algumas escolas de circo, e é isso o que mais lhe agrada: “Pegar uma pessoa crua e transformar em artista: eu acho que é aí que está a magia do circo”.

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Mapa do tesouro

Os homens estão quase prontos. Uma hora antes do espetáculo e eles ainda estão calmos. Bruno, na verdade, diz que o segredo é não pensar. É só viver aquele momento. Alguns sons vêm do palco. Luzes desritmadas. Bruno nos leva até lá. Apresenta Daniel, o motivo de sua fuga. Ele é o técnico de som e está ensaiando com Thiago, um malabarista que se prepara para sua estreia nesse circo. Eles tentam alinhar som, luz e corpo. “Mas, calma. Artista é só ali em cima”, diz Daniel. Uma mulher no microfone, enquanto isso, chama por Larissa. “Essa, no palco, é a Ornella. Ela é a mãe da Larissa, a mais nova entre os artistas. Tem 13 anos”, explica Bruno. Elas repassam, também, uma das cenas, sem som nem luz. Ornella tem em mãos um caderno que parece ter tudo. É o mapa do tesouro.
Uma cortina vermelha separa o picadeiro de um tablado. Nessa parte de trás, que é como um enorme retângulo, uma série de objetos que serão usados durante a apresentação está disposta, além de um tapete de EVA, onde todos se alongam. Dois trailers formam os camarins, separados também por uma cortina. Agora, sim, está permitido entrar no lado esquerdo, onde as mulheres se arrumam. Larissa e Sarah são as que estão mais adiantadas, fazendo só alguns retoques. Mayra é quem precisa de mais ajuda: é sua primeira vez se maquiando para o Circo dos Sonhos. É também sua estreia. Mais cedo, as outras meninas mostraram o passo a passo, e agora, ela tinha que fazer sozinha. Cada uma dava uma dica diferente. Elas discordavam em muita coisa. Mas Mayra foi conseguindo fazer. Com calma, testando o verde e o azul. “Você, com a prática, vai descobrindo o melhor jeito”, Sarah a acalma.

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Galega é quem dá os últimos ajustes nas roupas (Foto: Fernando Priamo)

A feira do circo

“Todo mundo depende de todo mundo aqui. É impressionante”, diz Bruno, já mais agitado. Faltam, agora, 30 minutos para o espetáculo começar. Buguinho e Diguinho, cada um em um lado, estão sentados, tranquilos, enquanto a correria começa. Mayra consegue, finalmente, terminar a maquiagem. Chega, então, Stefanie, que faz a personagem principal do circo: a menina que se arrisca para conseguir pegar uma manete de videogame. Sua maquiagem é a mais simples, não precisa dos pós brancos. Basta uma sombra rosa. A cortina do camarim delas passa a ser fechada com mais frequência: começam a trocar de roupa, fazer os últimos ajustes. Enquanto isso, no EVA, outro Thiago, esse contorcionista, se aquece fazendo uma abertura perfeita enquanto mexe no celular. Ele está de fone de ouvido. “Minha playlist de aquecimento é tão flexível quanto eu”, brinca. Todos agora, mesmo que internamente, começam a repassar a ordem do circo. Em um quadro branco, Ornella escreve o nome de cada apresentação. Eles começam a dividir as funções: “Enquanto você está lá, eu puxo a corda”. “Beleza: aí, eu, depois, ajudo com a estrutura.”
Surge Galega. Entre um camarim e outro, um pequeno espaço é o suficiente para ela se sentar. Uma prateleira cheia de tecidos e uma máquina de costura a fazem companhia. Ela é a responsável pelos reparos nas roupas. Concentrada, como se não faltassem, agora, 20 minutos para a estreia, ela arruma o traje do malabarista. Thiago parece ser o mais ansioso. Entra e sai. Abre e fecha a cortina. Galega, então, entrega a ele a roupa e pede: “Por favor, acalme! Vai dar certo. Não me apresse não”. Ele pede desculpa. Entra para vestir a roupa. Outras três pessoas pedem ajuda a Galega, que se mantém tranquila. Faz um por um. Entrega os itens. Levanta e desce a escada em um pulo só. Para no tablado dançando. Estica-se.
Agora, todos os artistas estão lá. Alguns já chegam arrumados. “Pronto: começou a feira”, alguém grita. Um sino apita. Faltam 10 minutos. A plateia já faz barulho. E isso é suficiente para que todos se reúnam em um círculo perfeito, de mãos dadas. Depois de dar boas vindas a Thiago e Mayra, Ornella diz: “Tenham paciência. Vai dar certo. E tudo com cautela”. As últimas tarefas foram divididas. Ninguém precisa anotar nada. Na hora que a cortina abre, tudo fica intuitivo. Enquanto do lado de fora tudo é luz e barulho, o camarim se transforma em sombra e silêncio, que só é cortado quando alguém pergunta: “Será que está cheio?”.

(Foto: Fernando Priamo)

Na corda bamba

Sim, estava cheio. E isso já os deixa com sorriso no rosto. O espetáculo começa com todos em cena. À medida em que vão saindo do palco, correm para o camarim para se trocar, em uma penumbra. Só um tropeça em um dos fios. Mas ele logo se recompõe. Na hora do espetáculo, na linha exata entre o picadeiro e os bastidores, só dá para ver um corpo no ar. Galega, de salto, com uma coroa e vestido vermelho de princesa, pega o controle de um aparelho que move a corda: é esse que sustenta Ornella na lira. Ela olha para o espetáculo com os olhos fixos. Só seu dedo mexe. Chega outro artista com uma cadeira, coloca-a no lugar certo e sai. Galega, sem olhar para trás, agradece e senta. Enquanto isso, Ornella gira no ponto mais alto da tenda. As duas, sem encontrar os olhos, sabem a hora de terminar. Galega deixa o controle e corre para os bastidores. Ornella, agora, controla a corda. Em cada minuto é um que assume a função.

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O que sustenta o show

Ninguém na plateia sabia que Thiago estava estreando. O malabarismo deu certo: a música o guiou como tinha que ser. “Ufa! Deu certo. Acabou!”, ele gritou ao se distanciar da cortina, no escuro, enquanto os outros carregavam uma estrutura de ferro grande para o palco. Ele, finalmente, descansa, alongando, que é o jeito que eles encontram a pausa. “Pelo grito, é minha hora”, alguém fala. E, realmente, era. No quadro estava escrito. Quando Larissa faz seu show com os bambolês, é sua mãe quem a auxilia. No momento exato, Ornella joga o apetrecho que cai exatamente onde deveria. Ela, inclusive, parece ser a ordem. Por onde passa, com uma capa preta, não é necessário nada verbalizado: seu olhar pintado também de preto é o que diz. E, na hora mais tensa, de acrobacias no alto, é ela também quem ajuda na corda. Ela e mais dois que, dessa vez, não se sentam. Ficam mais atentos ainda. Prontos para ajudar. Eles conhecem a mecânica da arte. Uma balançada de cabeça é o suficiente para Bruno mostrar que está pronto para ser usado de obstáculo para outro passar por cima dele com uma bicicleta. É sua mostra de confiança. Coisas que, da plateia, ninguém nota. Só quem precisa ver entende.
No intervalo de 15 minutos, eles repassam alguns pontos e alongam. Olham um pouco o celular. O palhaço parece ser o mais cansado. Deitado no EVA, de olhos fechados, se concentra porque, para eles, os momentos mais tensos ainda estão por vir. Quando chega a hora, ele, em um impulso, só vai. Tem, primeiro, que interagir com o público. Convida três homens para participar da peça. Esse é o único momento em que, no camarim, ninguém faz nada. Todos estão desocupados. É o fôlego necessário para o que virá depois: todos no palco. Em um momento, mágica de “cortar a cabeça”. Em outro: acrobacia no alto. O palhaço é quem arruma a corda para esse momento. Ele, enquanto está ali, confere diversas vezes a amarração. E se benze. Faz “em nome do pai” três vezes. Fala: “É agora!”. E corre. O elenco todo em volta de uma cama elástica, sem rede de proteção. Bruno e mais um estão de um lado do trampolim. Cada hora um dos outros artistas ocupa a outra posição. Os dois pulam e os outros voam, rodando no ar, até caírem na cama. O medo é com a hora de Sarah. Ela está em cima da perna de pau e precisa fazer a mesma coisa. Eles respiram mais ofegantes. Como grito de “vai”, os dois pulam. Sarah salta e cai de pé na cama. Pronto. O espetáculo pode acabar. Eles voltam a respirar aliviados e até sorriem. Afinal, é hora da dança de encerramento.

Depois, repete

Quando termina, é como se não tivesse acontecido nada. Nenhum comentário, no camarim, sobre o espetáculo. Vida que segue. Ornella joga sua capa sobre um baú e sai. Alguns vão para o local onde dormem, de maquiagem mesmo. Quem tira, tira tão rápido que mal dá para acompanhar. “Agora, eu quero minha cerveja”, o palhaço bebe. A cortina vermelha, então, está aberta. Como não tem plateia, já não tem mistério. Enquanto isso, as duas cortinas do camarim estão fechadas. Mal dá para despedir: eles só querem tirar as roupas para ir embora, porque, no outro dia, é tudo de novo.

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