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No toque do afoxé

O afoxé Niza Nganga Njungo ensaia para abrir a programação nesta sexta no Parque de Exposições levando referências aos orixás  (Foto: Marcelo Ribeiro)
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O som dos atabaques, xequerês e agogôs anuncia dias de paz e tranquilidade na passarela do samba. É com este desejo que os grupos de afoxé da cidade abrem os desfiles das escolas de samba nesta sexta, seguindo a tradição que acontece no país desde o surgimento das agremiações, em especial no Rio de Janeiro, há quase 90 anos. Por aqui, a dobradinha já data uma década. Em 2007, o Afoxé Niza Nganga Njungo desfilou pela primeira na avenida, e, no ano seguinte, foi a vez do Afoxé Filhos de Oyá. Ambas as entidades buscam difundir a cultura afro-brasileira e desmitificar o que está por trás dos orixás ou nkisis, entidades presentes no candomblé, uma religião de matriz africana que, muitas vezes, é mal compreendida e mal interpretada pelas pessoas.

Conforme explica Pai Jaques, um dos fundadores do Afoxé Niza Nganga Njungo, o afoxé nada mais é do que a liberdade que os filhos de santo têm para pular o carnaval. A origem do movimento foi em Salvador (BA) a partir do primeiro desfile realizado por negros pelas ruas da capital, em 2 de fevereiro de 1895, dia dedicado à Iemanjá, orixá associado às águas. Os criadores foram brasileiros filhos de africanos, que na época eram escravos. “O motivo de eles criarem o afoxé era para sair às ruas e brincar o carnaval. Não tinham esse direito por serem negros. No primeiro ano, saíram mascarados para não serem reconhecidos. O grupo saiu por mais alguns anos, mas, em meio a perseguições, suspenderam seus desfiles até que, em 1922, um grupo de franceses colocou na rua um grupo cultural semelhante ao afoxé. Eles aceitaram se fundir com os negros, que ganharam mais liberdade para brincar o carnaval, já que estavam unidos aos brancos”, comenta.

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Até hoje o carnaval baiano preserva esta tradição e abriga grupos famosos e bem populosos. O maior deles em atividade há quase 70 anos é o Afoxé Filhos de Gandhy, caracterizados pelo turbante e vestimentas brancas, perfume de alfazema e colares em contas azuis e brancas, que são oferecidos aos admiradores como forma de desejar-lhes paz durante o carnaval e ao longo do ano. Com o nascimento das escolas de samba no Rio de Janeiro, no final da década de 1920, surgiu uma nova forma de comemorar a folia de Momo, diferente de como já ocorria no Norte e no Nordeste. Anos depois, os afoxés surgidos no Rio foram convidados para fazer a abertura dos desfiles e abençoar o local para que as pessoas pudessem transitar com paz e tranquilidade. O ritual, muitas vezes, é marcado pela soltura de pombos que simbolizam a paz. Outra característica dos afoxés, segundo Pai Jaques, é estarem ligados a uma casa espiritual de candomblé.

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Revivendo os dez anos

O Afoxé Niza Nganga Njungo abre a programação levando referências aos orixás homenageados nestes dez anos de avenida, com enredos fundamentados nas histórias da religião, que explicam sua origem e as funções de cada nkisi. Conforme a presidente do grupo, Rosemary Gonçalves Pereira, serão entoadas cantigas compostas nos 12 anos de existência do afoxé. “Esse resgate é para mostrar que fazemos um trabalho com conhecimento e aprendizado, mostrando a nossa cultura e agregando o pessoal da capoeira, que são os nossos guardiões históricos. No período da escravidão, eles se agruparam nos terreiros de candomblé para não serem perseguidos e mortos”, explica. Rosemary ressalta que o desfile deste ano será a realização de um sonho. “Será um arco-íris, já que cada orixá tem sua cor específica. Vamos levar roupas que guardamos durante este tempo, tecidos e peças que customizamos.” A expectativa do afoxé é levar mais de cem pessoas ao desfile e, além dos instrumentos de base, incorporar o ilú e o berimbau.

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Filhos de Oyá desfilarão as cores da África, reverenciando Oxóssi e Inhansã (Foto: Leonardo Costa)

Com as cores de Oxóssi e Inhansã

O Afoxé Filhos de Oyá nasceu há nove anos em uma casa de candomblé na Zona Norte, localizada no Bairro Cachoeira, próximo a Humaitá, e entra na passarela após o Niza. Segundo a coordenadora, Maria Enóia Sousa, neste ano o grupo vai levar para a passarela as cores da África, como vermelho, branco e amarelo, e reverenciar Oxóssi e Inhansã. “As baianas vão representar Oyá, que é uma qualidade de Inhansã, mentora do nosso afoxé. Elas virão de vermelho e branco. Inhansã é um orixá que representa a chuva, o vento, o amor. É a guerreira que existe em todas as mulheres”, ressalta. Oxóssi, segundo Enóia, virá a partir de vestimentas floridas, de fundo verde e azul. Ele foi o escolhido por ser o orixá que rege o ano de 2017. “O carnaval para nós é de extrema importância, por isso queremos que as pessoas venham nos assistir e nos prestigiar. Só assim irão compreender que somos um grupo de cultura afro, assim como existem grupos de pessoas ligadas à musica gospel, por exemplo. Vamos desfilar cantando para os orixás, para que eles abram os caminhos de todas as pessoas, para que elas tenham paz. É assim que reverenciamos nossa ancestralidade e queremos mostrar o quanto é saudável aprender com as nossas raízes”, reitera Enóia.

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As faces do afoxé

A palavra afoxé reúne diversos significados, podendo denominar desde o cortejo de rua até o nome de um dos instrumentos utilizados na charanga, que se constitui a partir de uma cabaça (fruto vegetal) e coberta por rede, contendo sementes ou contas. Enóia gosta desta denominação e ainda ressalta que o afoxé leva o axé – força espiritual e energia positiva – no ritmo ijexá a partir da união dos instrumentos típicos. Já Rosemary acredita que, dentre muitas leituras, a melhor definição seja a força do axé, a casa espiritual, cultural, sociocultural e socioeducativa, que remete à essência de cada grupo de afoxé: resgatar e divulgar a cultura afro brasileira levando informações à comunidade.
Cada grupo de afoxé tem o seu mentor espiritual, ou seja, um orixá. Para compreender melhor esta relação, é importante lembrar do sincretismo religioso, é a reunião de doutrinas diferentes para a manutenção de traços perceptíveis das doutrinas originais. No Brasil, ele ocorre a partir da relação dos santos católicos aos orixás do candomblé, que foi a forma de os negros cultuarem sua religião mesmo sendo obrigados a frequentarem as igrejas. Assim, no caso dos Filhos de Oyá, a mentora é Inhansã, que pelo sincretismo pode ser relacionada à Santa Bárbara. Exu, mentor do Niza, é Santo Antônio. Iemanjá corresponde a Nossa Senhora dos Navegantes, assim como Oxóssi, a São Sebastião, Oxum, a Nossa Senhora Aparecida e Oxalá, a Jesus.

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