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Sob olhar coreano série relembra monstruosidade da 2ª guerra 

A série é uma grande produção que mistura drama histórico, um certo vai-não-vai romântico clássico dos chamados k-dramas e, como o nome indica, monstros (Foto:  Netflix/Divulgação)
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Os dramas e as comédias do tipo “Uma Advogada Extraordinária” e “Pousando no Amor” podem ser o feijão com arroz do sucesso sul-coreano na televisão mundial, mas o estouro de séries como “Round 6” e “All of Us Are Dead” já provou que premissas mais ousadas também têm espaço com o público. A Disney+ pagou US$ 45 milhões (cerca de R$ 218 milhões) na série de super-heróis “Em Movimento”, uma das melhores do ano passado e a mais cara da história do país. A Netflix, que anunciou em abril um investimento recorde de US$ 2,5 bilhões (cerca de R$ 12 bilhões) em produções da Coreia do Sul nos próximos quatro anos, estreou mais de 30 produções do país em 2023. A última é “A Criatura de Gyeongseong”, cujos sete primeiros episódios já estão no ar desde 22 de dezembro na Netflix. Os três últimos da primeira temporada estrearam em 5 de janeiro.

A série é uma grande produção que mistura drama histórico, um certo vai-não-vai romântico clássico dos chamados k-dramas e, como o nome indica, monstros. O Estadão esteve no set que reproduz algumas ruas de Gyeongseong, como Seul era conhecida durante a ocupação imperial japonesa na Coreia do Sul, entre 1910 e 1945.

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Foi um período de muitas mudanças forçadas, da industrialização construída à base de trabalho em condições no mínimo precárias, do êxodo rural provocado pelos altos impostos e perda das terras para os japoneses, passando pelos massacres de movimentos dissidentes e alistamento compulsório para lutar na Segunda Guerra Mundial pelo Japão. Muitas mulheres foram sequestradas e usadas como escravas sexuais dos militares japoneses baseados no país.

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“A Criatura de Gyeongseong”, escrita por Kang Eun-kyung, se passa na primavera (no hemisfério norte) de 1945, ou seja, nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial e da colonização japonesa – a rendição do Japão foi anunciada em 15 de agosto, poucos dias depois dos ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki. 

A Segunda Guerra Mundial é uma fonte aparentemente infinita de histórias. A maior parte, sob o ponto de vista dos norte-americanos e europeus. Mesmo que a série não seja sobre o conflito, oferece uma rara oportunidade de enxergar aquele momento sob outra perspectiva. “Nós escolhemos esse período por serem tempos turbulentos. Muitas coisas aconteceram, realmente era uma época difícil”, disse o diretor Chung Dong-yoon, em entrevista no set.

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Batendo cabeça

Os protagonistas dessa história são Jang Tae-sang (Park Seo-jun, de Itaewon Class e As Marvels), o jovem e bem-sucedido proprietário de uma casa de penhores, que se fez sozinho na vida, e Yoon Chae-ok (Han So-hee, de My Name), uma misteriosa detetive particular. Cheio de grana, Jang circula em todos os ambientes e sabe tudo o que acontece na cidade, sem nunca se comprometer politicamente – é um verdadeiro isentão. “Eu nasci quando a Coreia já estava ocupada, como querem que eu lute por esse país?”, pergunta Jang em certo momento.

Ele não tem problema em fazer negócio com os japoneses. Mas, certo dia, o chefe de polícia, que é japonês, ameaça tirar tudo de Jang a não ser que ele encontre sua amante, a sul-coreana Myeong-ja, desaparecida. Sem conseguir resultados, ele se alia a Yoon Chae-ok e ao pai dela, que vêm da Manchúria (região do nordeste da Ásia disputada pela China e pela Rússia, também ocupada pelos japoneses na época). Os dois são detetives particulares.

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No começo, Jang e Yoon, que está à procura da mãe, também desaparecida, batem cabeças. Os dois são muito diferentes, em termos de visão de mundo, da maneira como encaram o que está acontecendo no país, de classe social e econômica. As diferenças são marcadas nos figurinos de Hong Soo Hee. “Era uma época glamourosa, com um grande influxo de culturas novas e estrangeiras. Há muita influência das roupas ocidentais, mas com uma reinterpretação local”, disse ela.

Jang Tae-sang é um desses meninos modernos, com dinheiro para vestir ternos sofisticados, de cores como branco, marinho, cinza, com ombreiras salientes. Já Yoon Chae-ok nunca teve raízes, usa o marrom avermelhado da Manchúria e peças masculinas, confortáveis e práticas.

Quando os dois começam a investigar as pistas dos desaparecimentos, acabam chegando ao Hospital Ongseong, onde está a criatura do título. “Nós queríamos que a série fosse mais universal, que não fosse só sobre a história da Coreia do Sul, daí o conceito do monstro”, disse Chung Dong-yoon.

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A criatura, porém, é uma fantasia inspirada nos reais experimentos científicos feitos pelos japoneses em territórios ocupados – a Unidade 731, na Manchúria, fez experiências com seres humanos inclusive para desenvolvimento de armas químicas e biológicas. “Nossas criaturas são aterrorizantes, cruéis e brutais, mas também ressoam emocionalmente. Não se trata de uma série sobre caçar e matar monstros simplesmente”, afirmou o diretor.

Um dos sets mais impressionantes é justamente o calabouço do hospital, com uma cela gigantesca de nove metros de altura e uma abertura circular no teto. “Queríamos que houvesse um contraste evidente com a cidade efervescente, que aqui maximizássemos o medo e o desespero”, disse o designer de produção Choi Ki Ho.

“Desenhamos este lugar para metaforicamente mostrar o nascimento de seres amaldiçoados.” Já o Distrito de Bonjeong é cheio de vida, mesmo sob a realidade dura da guerra e da ocupação.

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O cuidado na reconstituição da época era fundamental para contar bem a história, mas o diretor não acha que há grandes diferenças entre os seres humanos de então e os de agora. “A experiência humana não muda tanto assim. Foi isso o que sempre mantive em mente”. Mesmo durante uma guerra brutal e uma ocupação opressora, as pessoas procuram viver suas vidas ao máximo, permitem-se pequenos luxos, encontram o amor. A Criatura de Gyeongseong despertou tanta confiança na Netflix que já teve sua segunda temporada confirmada.

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