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Arte nos tempos do corona: campanha busca viabilizar livro sobre cultura na pandemia

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O que encontrou o coronavírus em sua chegada? Sociedades distintas, certamente. Deparou-se com uma Wuhan, onde se deu seu primeiro registro no final de 2019, em muito diferente do Brasil, onde chegou meses depois, já em 2020. Ao longo do tempo, o vírus que transformou o mundo foi confrontado, ainda, com mudanças significativas nessas sociedades, que hoje são outras, em nada semelhantes às de meses atrás. Sob a ótica da cultura, o artista e educador Frederico Lopes observa essa convergência entre o ser invisível e o cenário que ele encontrou no seu livro de estreia intitulado “Cólera”, cuja campanha de financiamento coletivo foi iniciada na última semana com o intuito de viabilizar a edição impressa da obra. Hospedado na plataforma Apoia.se, o projeto espera alcançar R$ 12 mil em mais de quatro meses. Parte da remessa de exemplares será doada a bibliotecas e outros equipamentos públicos.

Livro reúne reflexões sobre situação sócio-política do país e do mundo e como cultura brasileira foi impactada pela pandemia. (Reprodução

Segundo o pesquisador, o vírus foi confrontado com uma sociedade hiperconectada e pautada por relações industrializadas. “Essa sociedade é profundamente individualizada e o sujeito não é integral”, diz, citando o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, autor do célebre “Modernidade líquida”. “Dou um panorama geral no começo do livro para deixar claro que não é um fenômeno isolado, não é solto. Há uma guerra comercial entre China e Estados Unidos há bastante tempo, como a Guerra Fria, mas sem confronto bélico. Essa guerra é citada no livro porque dá ao leitor ferramentas para entender um pouco o contexto e que tipo de arte é produzida”, observa Lopes, que espera que o trabalho sirva como ponto de partida para outras reflexões acerca dos dias que correm.

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Com cerca de 200 páginas, o livro em fase de organização contextualiza a cultura brasileira num país dominado pelo discurso de ódio nas redes instrumentalizado como ferramenta política. “As redes sociais potencializaram isso. Como é produzir cultura e arte numa sociedade cujo projeto de cultura do governo é um projeto anticultura e não reconhece a arte como manifestação legítima de linguagem? São questões como essa que me inquietaram”, pontua o educador, dizendo ter iniciado o trabalho de pesquisa no final de 2018, quando fazia levantamentos para o Memorial da República Presidente Itamar Franco, onde trabalha desde a inauguração, em 2015.

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Em seu cotidiano, Lopes lida com materiais sobre a influência política no desenvolvimento da sociedade, o que resulta em podcasts, publicações e exposições como “Reminiscências: danças populares e processo civilizatório no Brasil”, inaugurada em maio do ano passado no espaço dedicado à memória do político juiz-forano. O educador também pesquisou temas transversais para as 72 edições da Revista Trama, que coordena em sua Bodoque – Artes & Ofícios. “Tenho um material gigantesco aqui guardado. Venho escrevendo e pesquisando essas questões do contexto político ao longo da história e na atualidade e pensei que seria pertinente fazer uma síntese disso com foco no contexto atual”, avalia.

Poder e independência como solução

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O educador Frederico Lopes fez da sua Bodoque Artes e Ofícios uma editora, um ateliê de encadernação e criação, uma escola, uma loja e um museu virtual. (Foto: Divulgação)

Com suas múltiplas frentes no fazer cultural, Frederico Lopes é hoje um importante nome na cena de Juiz de Fora, tanto por sua atuação e experiência na gestão pública, quanto por seu projeto inédito da Bodoque, que reúne uma editora, um ateliê de encadernação e criação, uma escola, uma loja e, mais recentemente, um museu virtual. Essa capacidade de exercício de uma visão mais ampla e complexa já confere a “Cólera” um caráter singular. E portanto, urgente. “São realidades distintas, com suas dificuldades num mesmo peso, mas características diferentes. Num espaço público temos toda a estrutura e é preciso cumprir uma série de burocracias para viabilizar as coisas. E dentro das amarras institucionais, pode não haver tanta liberdade, o que não é minha realidade na experiência do Memorial”, aponta. “Por outro lado, na produção independente, não dar certo é um risco à saúde do empreendimento. Temos muito mais liberdade para fazer do jeito que quiser e na hora que quiser. As amarras burocráticas, quem cria sou eu.”

De acordo com ele, o que pauta suas ações no campo independente não são os aspectos mercadológicos, mas o objetivo de fazer da Bodoque um espaço de cultura. “Isso desde que abrimos a nossa biblioteca para consulta em 2013. Nos últimos dois anos calhou de eu encontrar soluções, criando uma estrutura que me dá audiência, como a Trama (revista), e outra estrutura que me gera recursos, como o próprio ateliê de encadernação. Quais são os potenciais que temos aqui? Aos poucos fui compreendendo isso e fui tentando solucionar nossas fraquezas. Para mim é muito desafiador”, diz ele, que viu seu empreendimento tomar forma junto com a crise política e econômica do Brasil, cenário encontrado pelo coronavírus em sua chegada neste ano.

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O que levará a cultura a se reerguer diante da pandemia que paralisa espaços culturais e arremessa todas as atividades para o ambiente virtual? A saída da crise, ou das crises, se dará pela iniciativa privada ou pela pública? “Consigo ver as potencialidades do público, mas no contexto político extremamente desfavorável, não sabemos por quanto tempo essa realidade sociopolítica vai se estender”, responde Lopes. “Essa experiência beligerante pode ser muito fragmentária para a cultura. São movimentações políticas que acabam dificultando o trabalho do funcionalismo público”, avalia. “Sob essa perspectiva, acredito muito ser possível engajar as pessoas e criar comunidades que tenham poder e independência”, finaliza, oferecendo seu “Cólera” como antídoto para os tempos de cólera.

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