Qual é o limite entre a performance e uma peça? Me pergunto e questiono aos dois protagonistas de cada uma das ações, Diogo Liberano, dramaturgo e performer em “O narrador”, e Gunnar Borges, criador e performer em “Nada brilha sem o sentido da participação”. Ambas serão feitas em Juiz de Fora no mesmo dia, horário e local e para a mesma plateia, apenas um respiro que costura uma à outra.
“O narrador” é um texto escrito em três dias por Diogo, em seu apartamento no Rio de Janeiro. O gatilho precursor desta intenção veio da leitura do ensaio “O narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”, de Walter Benjamin. Interessa a ele a busca por fazer experiência a partir da narração, do artista contador de histórias. Diogo, membro da Companhia Teatro Inominável, que começou em 2008 no Rio de Janeiro, se pergunta sobre essa falta de viver experiência no mundo de hoje, respaldado no que foi escrito por Benjamin e, mais recentemente, atualizado pelo educador e filósofo Jorge Larrosa Bondia. “Será que eu consigo fazer aquele que eu chamo de espectador ter uma experiência a partir do que eu faço?”
Para isso, ele se dispõe a fazer um jogo aberto, assumindo uma lacuna de direção, luz, cenário, figurino. Está ali apenas com seu corpo íntegro, sendo Diogo Liberano, desprovido da tentativa de ser outra coisa senão ele. “O que constitui para mim a performance em ‘O narrador’ é essa afirmação muito radical da minha presença enquanto o ser que eu sou e entendendo o meu trabalho artístico movido e criado unicamente com a energia da minha biografia, do meu corpo, das minhas experiências.”
A partir do momento em que as duas encenações são chamadas de performances, já se abre o diálogo sobre o que é teatro. “A performance, quando começa a ser feita dentro da companhia, não necessariamente fazendo peça, mas praticando, fazendo na rua, na cidade, ela acorda o nosso corpo. Traz de volta a potência da nossa subjetividade. E então, quando vamos para a sala de ensaio criar teatro, esse teatro está absolutamente afetado pelo nosso ponto de vista, pela nossa sensibilidade. E a criação teatral da nossa companhia jamais vai calar a nossa subjetividade, a própria criação vai ter que se refazer para dar conta dos nossos corpos, desejos, olhares sobre as coisas”, explica Diogo Liberano.
Ato presencial único
São apenas duas cadeiras, quase formando roda de conversa com quem está naquele momento assistindo e participando, esse é o formato das duas performances. Em “O narrador”, Diogo vale de suas experiências de vida e morte para contar histórias. Externar a morte de familiares e amigos e o que aprendeu com isso, porque, como ele mesmo afirma, um enterro abre todas as perguntas de novo, e é isso que ele quer se permitir a partir da performance, de viver o problema e não fugir das situações que nos atravessam a vida.
“Entre a história contada e escrita por mim, eu compartilho, por meio da leitura, arquivos da minha trajetória pessoal. Um poema que escrevi em dado momento, um e-mail que recebi, uma carta que chegou a mim, uma reflexão que fiz e postei em um blog. Eu compartilho documentos que nasceram naquela época, referentes à história que eu estou contando agora.” É como se Diogo fizesse um documentário autobiográfico utilizando imagens de arquivo – aqueles VHS ou Super8 resgatados, só que em forma de teatro, recuperando textos e os contando ao público.
“Ela é um ato presencial com aquelas pessoas que estiverem ali, ela é um acontecimento, ela não tem como ser reproduzida de outra forma a não ser ali, no momento em que estiver sendo feita”, fala Diogo sobre o caráter da performance de ser sempre único, um evento, um fenômeno daquele instante impossível de ser repetido.
Encontro entre poema e movimento
A performance de Gunnar Borges é uma “ação artística literária dançada”, enquanto um texto é lido ao fundo, sempre por um artista convidado, apostando justamente na diferença de cadência e tom de cada voz, uma coreografia é feita por Gunnar Borges. “Nada brilha sem o sentido da participação” pode ser entendida como uma analogia a uma composição musical, como se o poema “Conversa com pedra”, da polonesa Wislawa Szymborsca, fosse uma cifra sendo lida pelo corpo de Gunnar, ou como se o texto fosse apenas uma letra ganhando melodia pela ação corporal do ator. A intenção é que a dança capture o ritmo e encontre a métrica do texto. Para criar a coreografia, Gunnar Borges recebeu orientação da dançarina Renata Reinheimer, e, para a apresentação em Juiz de Fora, Jojo Rodrigues é a convidada para fazer a leitura do poema.
“A minha ideia inicial era a possibilidade de dançar as palavras, e não necessariamente uma música. Dançar as palavras seria a possibilidade de expandir os sentidos, uma vez que as palavras têm uma imagem, me causam um afeto, e meu corpo responde a isso com movimento. A leitura do poema seria feita a partir da musicalidade da minha partitura corporal, como se fosse a própria música que eu estivesse dançando. No momento em que a palavra ecoa no espaço, meu corpo responde”, afirma Gunnar sobre sua intenção ao criar a performance.
O poema de Wislawa Szymborsca, explica Gunnar, trata-se de um diálogo entre uma pessoa e uma pedra, enquanto este ser humano quer entrar na pedra, ela recusa, dizendo que aquela pessoa não poderia entrar porque não tem o sentido da participação. “Para mim, a pedra simboliza a tentativa de adentrar, seja em um afeto, um pensamento ou em uma pessoa, mas aquele espaço não é convidativo ou possível, são aquelas questões que são ontológicas, não têm resposta necessariamente. Enquanto o poema é lido, eu faço a pedra e a pessoa dialogando com ela.” É sobre um alguém que quer explorar o desconhecido, mas chega a um limite em que nada mais será revelado.
A leitura do poema e a coreografia são dois acontecimentos autônomos que acontecem simultaneamente. “Nada Brilha sem o sentido da participação” é um encontro curto, Gunnar o considera uma abertura eloquente para “O narrador”, os dois partem de um material escrito, conceitual e filosófico, do Walter Benjamin e da Wislawa Szymborsca, e constroem uma ação, um movimento performativo. Teatro Inominável já apresentou em Juiz de Fora “Sinfonia sonho”, “Vazio é o que não falta, Miranda” e “Não dois”.
“Nada brilha sem o sentido da participação” + “O Narrador”
16(RJ). Sábado, 16, às 20h, no (Avenida Getúlio Vargas 200). 3690-7051. Oficina de Criação-Produção. Com Diogo Liberano. Domingo (17), às 9h, no Sesc (Av. Barão do Rio Branco 3.090 – Centro)