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“O grão da voz” do compositor Luiz Gabriel Lopes

gabriel lopes
Cult show Luiz Gabriel Foto Sillas Henrique
(Foto: Sillas Henrique)
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Não é a primeira vez que Luiz Gabriel Lopes (LG Lopes) estabelece relação e faz música junto à mineira Juiz de Fora. Desde a vinda de sua banda Graveola no último ano, esse moço já começou a sintonia com seu público daqui. LG chega nesta sexta com violão guardado, guitarra azul, borboletinhas pousadas na camisa, acompanhado, pela primeiríssima vez, de banda: o baixista Téo Nicácio, o baterista Cláudio Lima e o flautista Jeferson Souza. É show para divulgar seu terceiro disco solo, “MANA“, lançado em agosto deste ano de maneira totalmente independente, apenas abraçado a todas as criaturas planetárias que o apoiaram, cocriaram e cantaram seus versos.

Caminha cercado de energias próprias e uma trajetória marcada por momentos de epifania. A descoberta, através de pesquisa, da arte e cultura lusófona fez com que estreitasse seu carinho por Portugal e países africanos que se expressam por essa língua, de todos nós. Nasce, assim, um compositor. Revela-se também a partir de um traço profundo com toda latinidade que nos é oriunda. “O Brasil tem uma autossuficiência cultural muito grande, isso tem um lado positivo, mas também negativo, pela dificuldade de se olhar para o lado. A América Latina é um universo gigantesco, e acho que historicamente temos uma desatenção”, relata Luiz Gabriel.  Escutando seu trabalho é possível irmos captando o que ele tem a dizer.

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Manas, manos, hermanas y hermanos

A narrativa de “MANA”, contada por Luiz Gabriel, é aberta com a doçura de “1986”, ano em que nasceu, um tom de nostalgia e vontade de reunir queridos amigos do passado. A poesia responde com sutileza ao que nos constitui como latino-americanos, somos todos hermanos. A mensagem do álbum começa a florescer: será sereno, “transformando a fé numa oração para se cantar”. Enaltece aqui a cultura de um povo iluminado que mantém a chama acesa e sabe se virar com propriedade e liberdade em qualquer parte do mundo.

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A música foi single do disco e também a primeira a ganhar um vídeo homemade, na última semana, filmado pelo próprio compositor na pequena Entre Rios de Minas. O cenário é casa de família, onde foi criado junto àqueles amigos de infância que dão as caras nesse clipe-relicário. “Comecei a ter a vontade de traduzir nessa música um sentimento de comunidade, de irmandade, fazer uma espécie de canção que seja conectada com esse sentimento, em épocas de tantos rachas e cisão social”.

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O disco busca a simplicidade, segue a correnteza em direção contrária ao “Fazedor de Rios“, lançado em 2015. LG é front de guitarra, acompanhado apenas de baixo, bateria e uma flauta atmosférica “brasileña”. A mensagem de simplicidade, “de ver as flores no jardim” e outras figuras de linguagem que seguem nessa poética sinestésica e de pureza, é embalada por uma música mais direta e com menos elementos. É tudo mais simples se a gente trabalhar o que está dentro da gente, vamos descomplicar: parece que letras e arranjos estão nessa sintonia. E quando a gente escuta, dá para visualizar Luiz Gabriel sorrindo bastante enquanto gravava as vozes.

“A gente cria nossa própria realidade. É claro que existe o político, em nível macro, que é extremamente preocupante. Mas nós que estamos trabalhando em outra esfera, lidando com energias mais sutis, conseguimos contaminar positivamente nossa realidade. É como um distanciamento crítico”.

A segunda faixa, “Apologia”, foi gravada por Maurício Pereira, essa surpresa de timbres vocais ajuda o disco a modular. Luiz Gabriel tem apreço por seu trabalho desde Os Mulheres Negras, se espelha em sua inquietação e na pluralidade estética que tem sua música, que para LG, é a imagem de São Paulo: “multiplicidade artística”. “Matança” é uma virada do álbum, traz um frenesi, hora de levantar para sentir a música com o corpo. A composição de Augusto Jatobá, gravada junto a Geraldo Azevedo, agora reconstruída por LG, é frescor que faz a gente sentir o cheiro da mata. LG conheceu uma partezinha da Amazônia em algumas de suas viagens para o norte do país, e chegou a colocar em questão essa palavra “país”, ali de certo se deparou com um novo, que continua sendo cada vez mais o seu.

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Vida de artista

E na mesma suavidade, “Música da Vila” pincela os artistas independentes, a arte que surge das vilas, dos encontros, da espontaneidade e da não institucionalização da arte. É de coletividade que ele fala, do violeiro popular, da poesia no muro. Junta todo mundo para compartilhar e se ajudar, assim como tem acontecido enquanto ele deixa seus rastros na música brasileira. A estrofe final é um hino: “vida fácil de artista, é difícil de levar”. LG gosta de trabalhar com recortes, colagens e experimentou aqui um sampler de uma fala precisa do poeta de Montevidéu, que viveu exilado na Argentina e na Catalunha, Eduardo Galeano, um elogio ao ser Latino. Luiz Gabriel constrói sua vida como músico correndo muito atrás, se virando para fortalecer uma rede que o apoia nos discos, shows e produções. “MANA” se fez com financiamento coletivo e um trabalho noite, dia e madrugada de divulgação e agradecimento a cada um que colaborou. Essa é uma das características mais próprias de LG que percebo, poucos artistas conseguem de maneira tão natural se aproximar de seu público continuamente.

E aí vem um cangaço, única faixa instrumental, o “Cangaço lírico”, uma ponte bem na metade da travessia para “Quiléia”, com a voz da também mineira Ceumar intercalando à de Luiz Gabriel, cantando os versos que escreveu junto a Paulo César Anjinho. Canção que apazigua a alma, deixando de sentimento somente a saudade. O desenho da canção é de solidão, mas talvez dessas de quando estamos mergulhados em nos descobrir um pouco mais. “MANA” é um trabalho de Luiz Gabriel de mãos dadas a um punhado de gente boa.

“381 blues” abre com a voz de Téo Nicácio, parceiro musical e baixista da banda, demonstrando que essa é também uma supercolaboração do disco. Téo não está somente nesta faixa, como é coautor de outras três do “MANA”. A letra bonita faz a gente viajar para o espaço, para outra parte da terra ou para o infinito por mais de quatro minutos, “caio na estrada para encontrar, cantando o meu destino”. É fluida, rítmica e com as harmonias vocais que são marcas de seu trabalho autoral.

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O arranjo de flauta mais bonito está em “Caboclin”, são as fotografias das viagens de Luiz Gabriel. “Eu tive algumas vezes no norte, como uma iniciação, de poder perceber que existe ali um novo país, uma nova vibração. A Tropicália é uma referência forte para mim, mas, mais ainda, há a busca de um universo próprio, de tentar encontrar essa voz pessoal”, conta Luiz, abraçando suas dez canções, escolhidas não ao acaso, mas conscientemente para que cada trabalho seja uma clara narrativa.

“Tenho um repertório grande de composições, tento estabelecer relações internas entre as músicas. No repertório do ‘MANA’, eu organizei coisas que já existiam e eu tinha vontade de montar, trazendo, ainda, criações mais recentes. É um trabalho de montagem, penso que é quase cinematográfico, eu tento trabalhar dessa forma, pensando em uma ordem. Esse disco foi um processo mais pessoal, interno.”

A música que me pegou na primeira escuta do álbum foi “Yoko”, nome da cachorrinha que vivia com ele e Téo. Se no disco inteiro ele faz colagens sensoriais descrevendo elementos da natureza, Yoko fala da beleza do convívio com os animais, “pela mansidão do teu olhar, pudera eu Yoko, ver a imensidão de cada ser”. “Yoko” está para Luiz Gabriel Lopes, como “Martha my dear”, está para Paul McCartney.

O desfecho do filme é a música “Um índio”, não tinha palavra melhor para começar essa canção – “flutuarão”. Quem der o play com cautela, de ouvidos abertos à poesia e melodia, vai se sentir assim. Um momento de se isolar de qualquer caos que nos atravessa. “Foi um disco para buscar entender quais são os assuntos e as energias que me movem e tentar materializar isso de uma forma que comunique, que leve a possibilidade daquilo ali ser apropriado pela vida das pessoas. Essa é a equação mágica do compositor: perder o controle da sua música, quando ela começa a ser apropriada em outros cotidianos”, finaliza Luiz Gabriel, com uma canção de esperança, acreditando que “o que é bom permanecerá”.

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Ouça: 

 

Luiz Gabriel Lopes
Lançamento do CD “MANA” nesta sexta-feira (17), às 20h, na Arteria
(Rua Oswaldo Aranha 535 – São Mateus)

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