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Outras ideias com Alexandre Gonçalves da Silva

alexandre sempre gostou de cinema mas diz ter pouca disposicao para assistir filmes hoje em dia

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Alexandre sempre gostou de cinema, mas diz ter pouca disposição para assistir filmes hoje em dia
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Alexandre sempre gostou de cinema, mas diz ter pouca disposição para assistir filmes hoje em dia

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Com as portas fechadas em 18 de novembro de 1984, o luxuoso cinema na esquina das ruas Halfeld com Batista de Oliveira desejava honrar sua história na duradoura obra de reforma finalizada em 1º de setembro de 1999. Um desafio. A sala de espera, outrora enfeitada com espelhos bisotê, importados da França, daria espaço a um local mais modesto, ainda ostentando a escadaria de mármore e a fachada em estilo art déco. Alexandre Gonçalves da Silva não participou de todos os sete anos de reconstrução do Cinearte Palace, mas integrava a equipe de serralheria quando os últimos acertos eram feitos. Era a sua grande chance de reviver, aos 24 anos, os tempos em que ia, ainda adolescente, a outro grande cinema próximo. “Assistia muitos filmes no Theatro Central. Via um mesmo filme duas ou três vezes. Antigamente tinham duas máquinas, e no intervalo eles trocavam o filme. Eu continuava ali. Naquela época, eu era doido para completar 18 anos e entrar no São Luiz. Mas a experiência foi muito ruim quando consegui, não gostei”, ri o homem que se manteve atento aos trabalhos internos do prédio, enquanto manipulava as peças de ferro. Como a matéria-prima de seu ofício, manteve-se forte no desejo de escrever para si uma história que o permitisse outros voos.

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Da obra à arte

“Na reforma estavam precisando de gente para dividir o expediente com o operador de projeção, porque o rapaz da noite havia saído. Conciliava os dois empregos. Fiquei como vigia, depois zelador, depois porteiro, trabalhei na cafeteria e hoje sou operador cinematográfico. Eu via montarem os filmes. Um dia, chegou um e não havia ninguém para fazer. Sabia que era parte por parte, deixando uma cena em cada rolo, no início e no fim. Consegui montar e quando o responsável chegou, ficou impressionado. Era um filme com sete partes, de mais de duas horas. Depois disso, me pediram para quebrar um galho na projeção e acabaram assinando minha carteira na função”, recorda-se Alexandre, hoje aos 42 anos, casado há dez com Janice, com quem teve Murilo, de 3 anos. “Por dois anos fazia os dois horários. Pegava aqui meia-noite, via todo mundo ir embora, fechava as portas e ficava vigiando. De manhã, quando o faxineiro chegava, ia para o outro trabalho. Ajudei na reforma do Vianna Júnior, do CTU, no Fábrica, e muitos outros prédios. Quando a firma fechou, fiquei só aqui, conciliando com trabalhos de pintura”, completa ele, pai, também, de Deivid, 18, Paola, 14 e Alexandre, 12.

Do escuro ao clarão do projetor

Destemido. “Trabalho desde os 10. Minha carteira foi assinada pela primeira vez aos 12, numa fábrica de reciclagem que tinha sido montada no Alto dos Passos. Fiquei cerca de seis anos. Depois fui trabalhar em obra, mas como entendia de pintura, não pegava o mais pesado. Mas quando era para fazer massa, ia e enchia a betoneira”, lembra o homem de sorriso fácil, que sempre gostou dos filmes, de preferência os de ação, até conviver todos os dias, do meio-dia às 18h, com as salas de projeção. “Hoje em dia é que não sou muito chegado”, brinca ele, que este mês assistiu “Festa da salsicha” e “Pets”, nada mais. Do escuro do cinema, diz nada ter visto de inusitado. “Pelo meu horário de trabalho, nunca presenciei nada demais. E mal vou dentro da sala. É um horário tranquilo. E os cinemas deram uma caída, as sessões não ficam muito cheias”, lamenta. Outros tempos. A trabalhosa película ganhou o formato digital. “Agora o trabalho é diferente, não precisa ficar meia hora montando um filme. Às vezes, quando o filme passava por muito tempo, a emenda dos rolos desgastava. Era preciso correr para arrumar. Com HD é de uma a cinco horas descarregando o filme, mas não precisa ficar perto”, explica. Outros tempos. O silêncio de quando chegou, o clima bucólico do Palace pós-reforma, ganhou o constante barulho do vaivém daqueles que frequentam a lanchonete que ocupa o espaço onde já funcionou um café. “O público mudou. Antigamente tinha mesas do lado de fora, depois ficou sem nada, até a Doces Brasil chegar.”

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Do trabalho ao trabalho

“Aqui está bom demais, não preciso subir mais”, orgulha-se o homem que, em detrimento dos estudos, escolheu o trabalho. E escolhe, dia após dia. “Quando aparece um bico, trabalho como pintor ou com tratamento de piso, junto de um amigo meu. Tem muitas galerias do Centro em que ajudo a passar cera. O que pintar eu faço. Não fico parado”, diz ele, contratado pela empresa de um dos mais respeitados programadores brasileiros, Adhemar Oliveira, responsável pelas maiores salas de cinema de arte do país. Desde o início, a gestão do lugar se manteve. O prédio, porém, mudou de dono. Destemido, Alexandre se mantém impávido. “Ninguém sabe quem comprou, já falaram que isso daqui vai ser mil coisas”, pontua. Teme o fim? “Não. Graças a Deus nunca fiquei desempregado. Sei fazer muita coisa. Se falar que tenho que desentupir o esgoto, vou e faço. Se tiver um lote para capinar, vou também. Nunca corri de serviço. Se for para catar lata ou papel para sobreviver, faço tranquilo. Não tenho medo”, responde ele, apelidado de Xuxa. “Pegou, do nada. Se perguntar por Alexandre, ninguém conhece. Se caçar por Xuxa, aí as pessoas vão saber”, ri. Destemido, Alexandre, o Xuxa, representa o cinema em sua essência. A arte que, longe das pompas dos tapetes vermelhos, é feita, na verdade, por operários, de ponta a ponta.

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