O tempo é relativo não apenas na física, mas também na percepção que temos enquanto ele segue seu caminho, e eventos históricos como a pandemia de Covid-19 são exemplo perfeito. Há exatamente um ano, em 16 de março de 2020, a Prefeitura de Juiz de Fora publicou o decreto 13.893, que entre outras determinações suspendia, por prazo indeterminado, os eventos culturais da Funalfa e o funcionamento de parques municipais. O mesmo decreto também suspendeu a concessão de licenças e alvarás para eventos públicos e privados com previsão de público superior a cem pessoas.
No dia seguinte, o decreto 13.894 declarava situação de emergência em saúde pública; mais à frente, em 19 de março, o decreto 13.897 acabou com qualquer expectativa de volta à normalidade em curto prazo, com a proibição de eventos e atividades com a presença de público, ainda que previamente autorizados e que envolvessem aglomeração de pessoas – ou seja, todo tipo de evento cultural presencial, entre eles os shows. Desde então, Juiz de Fora está sem apresentações musicais em seus espaços culturais, boates e casas de shows, entre outros, um panorama que não parece ter mudança à vista no horizonte.
Ainda em 16 de março, a Tribuna noticiou o cancelamento e – até então – adiamento de vários eventos, como a “Paixão de Cristo” e dos espetáculos teatrais “Show do Bita – Dentro do mundo lá fora” e “Oxigênio”, do coletivo Ozônio. Na mesma matéria, a boate Privilège, o Espaço OAndarDeBaixo e o Maquinaria também anunciavam a suspensão de suas atividades, sendo que este último realizou seu último evento no dia 13 e cancelou tudo a partir do dia seguinte.
Porém, até poucos dias antes, com toda a indefinição em relação ao alcance da pandemia, a programação cultural da cidade seguia normalmente. Na agenda de shows da Tribuna do final de semana anterior ao decreto municipal, havia atrações que ainda realizaram suas apresentações nos mais diversos espaços. Muitos, provavelmente, não imaginavam que aqueles seriam seus últimos shows com público pelos próximos 365 dias, pelo menos, e a Tribuna procurou alguns deles para lembrarem como foram essas apresentações: a bandas Obey! e Martiataka, e os cantores Luizinho Lopes, Pedro Baptista (BAAPZ) e Luciana d’Avila.
Parece que foi ontem? Não, foi um ano atrás.
Douglas Rodrigues e Matheus Pierrot (Obey!)
Onde e quando: Bar da Fábrica, 14 de março de 2020
“Nessa última data fizemos um tributo ao CPM22. Foi um show muito corrido, pois tínhamos acabado de mudar a formação e fizemos um show na mesma semana com músicas autorais. Não ensaiamos muito, mas deu tudo certo. Na mesma noite também teve tributo ao Raimundos (com a banda ADS) e que foi muito legal. Eles nos ajudaram, pois emprestaram o baixo deles depois que a corda do instrumento do nosso baixista estourou na segunda música. A apresentação foi muito forte e de muita energia – e muito satisfatória para nós ao vermos, ao final do repertório, o público pedindo para tocar as músicas da própria Obey!. Acompanhávamos de perto as notícias, mas jamais imaginamos que dois dias depois começaria essa nova realidade que estamos vivendo até hoje. Sentimos muita falta do público, do palco, dos ensaios, de tocar e criar nossas músicas. Nesse meio tempo, aproveitamos para acertar novas composições, produzir, gravar e organizar lançamentos futuros. Saudade e muita vontade de voltar é o que fica no nosso peito nesse momento.”
Pedro Baptista (BAAPZ)
Onde e quando: Necessaire, 13 de março de 2020
“A BAAPZ se apresentou no Necessaire como banda de abertura para o show da Ana Frango Elétrico. A venda de ingressos foi antecipada e o evento tinha dado bastante gente, num lugar fechado e com ar-condicionado. Pessoas de algumas cidades diferentes, como Ubá e Viçosa, vieram aproveitar a passagem da Ana, já que era mais perto do que o evento que ela teria na semana seguinte, em Belo Horizonte. O show foi bem legal, o vírus ainda não apresentava uma ameaça de tanta magnitude para muitos ali, embora eu me lembre vagamente de ter surgido algumas piadinhas sobre a contaminação: ‘imagina se alguém aqui está infectado’. Entre os shows, estávamos conversando com a Ana e sua equipe técnica, e vi que ela estava passando álcool em gel nas mãos, pedi para eu passar um pouco. No momento, foi mais uma assimilação de precaução, e não um hábito que estava praticando. No dia seguinte, meus parceiros no BAAPZ (Fred, Everton, Tavares e nossa amiga Bel) tinham um show da sua banda, a Jolie, no Maquinaria, que foi adiado e rearranjado algumas vezes ao longo da semana, até que a ficha caiu. Desde então, o BAAPZ tem se reunido apenas com o poder da edição audiovisual.”
Thiago Salomão (Martiataka)
Onde e quando: Cultural, 13 de março de 2020
“Naquela sexta 13 a gente já tinha alguma notícia a respeito do vírus. Nada muito certo, mas havia uma conversa de precisar ‘cancelar alguns eventos’ para contenção do contágio. Não sei se por causa disso ou por simplesmente ter sido uma noite bombada, o Cultural ferveu. Havia um bom tempo que não via uma galera tão a fim de ouvir música, beber, dançar, curtir. Fizemos o repertório combinado e tivemos que tocar até o limite do nosso horário, colando nosso show no próximo, porque a galera pedia mais. Típica noite roqueira da melhor qualidade, sem querer um ‘até mais’. Acho que ninguém pôde prever o quanto seríamos afetados por tudo isso. Um ano sem shows, para quem ama fazer isso, é de um peso extremo! Para quem vive única e exclusivamente da música, então, está sendo um martírio. Acho que quando voltar vai ser insano!”
Luizinho Lopes (com Débora Maré)
Onde e quando: Arteria, 13 de março de 2020
Dois dias antes do show, encontrei-me com o Ricardo Itaborahy e criamos arranjos para as músicas novas e repassaríamos as já conhecidas em função da participação da Débora Maré, além do percussionista Bré Rosário. Não imaginávamos que em poucos dias seríamos coprotagonistas da maior tragédia já acontecida no mundo. Na noite anterior, ensaiamos num clima de altíssimo astral. Já no dia 13, fomos à Arteria para a passagem de som, e a noite prometia casa cheia. Estava feliz, pois um grande amigo, Carlos Nagib, vinha de Belo Horizonte para assistir ao show. Chegado o momento, fiquei surpreso, pois houve bastante desistência de reservas. Atrasamos um pouco o início do show, mas não adiantou.
Com cerca de 50% de lotação, iniciamos a apresentação. Tão logo o show terminou, foi notado que parcela significativa do público começou a se retirar quase que de imediato, ficando basicamente os amigos. Na tarde seguinte, encontrei-me com Carlos Nagib em um bar que estava bem cheio e permanecemos por ali por quatro horas. Não passava pelas nossas cabeças que aquele seria o último momento de aglomeração em que estaríamos presentes em 2020. Não imaginava que em 19 de março já estaria trancado em casa para me proteger do coronavírus, que a essa altura já se espalhava velozmente pelo Brasil.
Hoje, a impressão que se tem é de que a morte anda se propagando numa velocidade cada vez maior no Brasil… Há um ano, quem poderia supor toda essa tragédia?
Luciana d’Avila (com Salim Lamha e Gabriel Elias)
Onde e quando: Espaço Excalibur, 13 de março de 2020
No dia 13 de março de 2020 tive a felicidade de mais uma vez estar no Espaço Excalibur, onde sempre fui muito bem recebida por todos, e a honra de dividir o palco com Gabriel Elias e Salim Lamha. O show “Entre eles” foi todo pensado em levar o nosso melhor e realizá-lo com todo amor que temos pela arte. Sem muita certeza do que viria pela frente, já faz um ano que não podemos realizar a nossa arte perto de vocês. Nítido era o receio de como enfrentaríamos isso, e algumas pessoas já não foram por medo. Saudades de estar presente fisicamente na vida desse público querido.”